Ondas migratórias já ocorreram inúmeras na história recente da humanidade. No decorrer do último século diversas populações de todos os continentes fugiram do seu lugar de nascença para outro em função de guerras, ditaduras, desastres naturais, crises econômicas. São pessoas com enorme coragem e empreendedorismo para sair das suas comunidades, do conforto da sua cultura e da sua língua para se aventurar em um novo lugar tendo, às vezes, não mais do que a roupa do corpo. Por outro lado, há diversas pessoas nos países que recebem essas ondas migratórias que temem imigrantes vão deturpar as suas bases culturais, políticas e econômicas em que as suas sociedades se baseiam. Afinal, quem tem razão? Os imigrantes são um ganho ou um revés para os países que os recebe?
Há no decorrer da história exemplo das duas coisas. Há, por exemplo, ocorrendo agora na República Dominicana um dos mais tenebrosos casos de atentando aos direitos humanos que quase ninguém ouviu falar. Além disso, assusta a todos que europeus descendentes de imigrantes estejam tomando a decisão de ingressar o ISIS para lutar para os países em que nasceram. Por fim, há os casos dos argelinos e seus descedentes na França que rejeitam se identificar como franceses ou turcos alemães que seguem práticas do islâmicas mais radicais do que os próprios turcos.
Por outro lado, há grandes casos de sucesso em duas das grandes nações americanas: Estados Unidos e brasil. Os dois se identificam como sociedades por excelência de imigrantes. Nos EUA se desenvolveu a ideia de melting pot em que se agregaram diversas ondas migratórias de alemães, irlandeses e italianos que hoje os seus descendentes orgulhosamente se declaram americanos. Não só isso, essas comunidades trouxeram diversos elementos que hoje estão umbilicalmente ligados a sociedade americana. O famoso hot-dog veio das comunidades alemães, a famosa festa de St. Patrick comemorada por todo o país veio dos irlandeses tem vários outros exemplos menos óbvias. No Brasil não é diferente, há uma forte ideia que somos especiais porque somos uma sociedade de mestiços calcada na relação entre as três ‘raças’. Aqui recebemos comunidades japonesas, italianas, sírio-libanesas que hoje são orgulhosamente brasileiras (e, melhor ainda, podem se dizer flamenguistas). Nem tudo, obviamente, são flores. Tanto o Brasil, quanto os EUA ainda têm muitos problemas de incorporarem de fato e de direito a grande imigração forçada de negros que receberam e o ainda latente problema do racismo nos dois países.
Por que algumas comunidades de imigrantes geraram resultados tão positivos e outras tão negativos? Há duas respostas possíveis: as culpas são dos imigrantes ou a culpa são das sociedades que as recebem. Os fatos históricos mostram que não há padrões que certas comunidades de imigrantes sejam mais ou menos violentas ou mais ou menos dispostas a se integrarem no novo país. Aqui no Brasil, os membros da comunidade japonesa já praticaram atos terroristas e gangues violentas de irlandesas já foram comuns nos EUA. Por outro lado, a quantidade de pessoas que professam a religião muçulmana é gigantesca em que esmagadora maioria é pacífica. Muito se fala da região do Oriente Médio, mas, na verdade, o maior país islâmico do mundo é a Indonésia um país que a gente quase nunca ouve falar, mas que democraticamente já elegeu uma mulher como presidente.
Mas, mais do que isso, a moral liberal vai de encontro a ideia de que os culpados são dos imigrantes. Dá para citar muitos textos, mas toda a ideia foi genialmente resumida em uma parte de um dos mais fantásticos discursos de todos os tempos. Martin Luther King Jr. no discurso do “I have a dream” falou: “eu tenho um sonho que os meus quatros filhinhos um dia viverão em uma nação em que não vão ser julgados pela cor das suas peles, mas pelo conteúdo das suas atitudes”. A lógica liberal é justamente isso: o relevante e o que tem que ser julgado é o indivíduo e as suas ações, é a pessoa que faz alguma coisa boa ou ruim e ficções humanas como nacionalidade, etnia são só para justificativa o conteúdo das suas atitudes. O islamismo, por exemplo, nas ‘mãos’ de grandes pessoas já foi justificativa para impressionantes ações para o bem hoje e no passado.
Se não faz sentido, do ponto de vista histórico e moral, culpar características religiosas, étnicas e sociais grupos migratórios, o que faz com que certos grupos no decorrer da história não se integrem e prefiram práticas destrutivas a um processo de comunhão e produtivo com a sociedade que agora estão morando? Baumol [1] apresenta que o empreendedorismo pode ocorrer de três formas: produtivo, improdutivo ou destrutivo. O primeiro promove crescimento econômico e social para a sociedade a partir da inovação e fornecimento de serviços. O segundo absorve recursos sem, em contrapartida, gerar valor e crescimento para sociedade com é o caso de advogados. O último, por fim, na verdade tem um papel destruidor da realidade econômica de uma comunidade como, por exemplo, a máfia. O que leva qualquer empreendedor a um desses três modelos é a realidade de regras (por exemplo, instituições) em que estão inseridos que tornam um tipo de empreendedorismo mais vantajoso que o outro.
No caso de imigrantes, os exemplos históricos indicam que há uma relação direta entre a abertura da sociedade que os recebe e a sua preferência por um empreendedorismo produtivo. Ou seja, quanto maior fora abertura da sociedade menor será a quantidade de imigrantes disposto a praticar atos violentos e/ou criminosos. De fato, Acemoglu e Robinson [2] mostram que sociedades abertas em que há o respeito a propriedade, ao Estado de direito são um fator fundamenta para se alcançar a prosperidade. E isso fica mais acentuado com os exemplos de sucesso de ondas migratórias que foram recebidas de maneira aberta no Brasil e nos EUA.
Um exemplo recente é o caso da (fofa) Jiang. É um caso tão significativo de inserção que nem nos damos conta de ser uma pessoa que mudou para o país com 12 anos sem falar uma palavra de português que conseguiu formar na USP, ser a grande estrela do último Masterchef e recentemente casar com um brasileiro. Essa capacidade de integração que torna a sociedade brasileira vibrante, somos uma ‘sociedade canibal’ que se alimenta do que vem de fora e o transforma em algo novo, nosso. Isso não só ocorre no Brasil, esse antropofagismo já aconteceu na Inglaterra em que o Tikka Masala virou o prato nacional ou a atual obsessão norte-americana com burrito. Quando as sociedades conseguiram ser abertas, as comunidades de imigrantes conseguiram acrescentar um pouco da sua cultura originária na sua nova cultura, tornando-a mais dinâmica e plural e, como destaca a The economist, com bom impacto econômico.
Por outro lado, quando as sociedades são fechadas e impedem a manifestação das minorias as levam para o empreendedorismo destrutivo. A França, por exemplo, que tem longa página no Wikipédia só para o seu racismo possui como resultado constantes conflitos e práticas destrutivas no seio da sua sociedade entre os descendentes de imigrantes e as forças opressivas do Estado. E o mais grave que é crescimento de grupos políticos iliberais que rejeitam a características positivas de uma sociedade aberta. Bernie Sanders (democrata) e Donald Trump (republicano), os dois fenômenos entre os pré-candidatos ao governo americano, rejeitama atual sociedade livre americana e defendem o completo fechamento das fronteiras a novas ondas migratórias. Trump, inclusive, tem repetidamente feito discursos racistas e xenofóbicos contra latinos e mulçumanos indo de encontro aos ideais dos founding fathers americanos e uma das grandes vantagens comparativas que o país teve durante séculos.
Por isso, se um dia ouvir alguém falando que os imigrantes ou refugiados são a escória lembre-se daquele pratão que você fez no quilão perto do escritório que tinha quibe (sírio-libanês), sushi (japonês), arroz (chinês), macarrão (italiano), farofa (indígena) e que nós somos um país de imigrantes e é isso é o maior ativo que temos. O fato de sermos uma sociedade aberta em relação aos imigrantes é a mais importante característica liberal que há no Brasil.
[1] BAUMOL, Willian J. Entrepreneurship: Productive, Unproductive, and Destructive. In: The Journal of Political Economy, Vol. 98, No. 5, Part 1 (Oct., 1990), pp. 893-921,
[2] ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James. Por Que as Nações Fracassam: As origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.