O tráfico ilegal ainda existe e cobra preços mais baratos que os das lojas licenciadas, mas esta é uma realidade que em breve deve acabar.

Por Jacob Sullum

Traduzido por Pedro Menezes

No primeiro dia do ano, quando Toni Fox se tornou a primeira vendedora licenciada de maconha para uso recreativo no estado de Colorado, cerca de 200 jornalistas se amontoaram em frente à sua loja, a “3D Cannabis Center”, enquanto centenas de consumidores esperavam pacientemente em filas quilométricas. “Foi um caos planejado”, como ela lembra sorridente. “Atendemos quase quinhentas pessoas apenas naquele dia e ainda assim deixamos de vender a mais de trezentos clientes que aqui vieram.”

O negócio desde então vai de vento em popa, confirmando a decisão tomada por Fox, que mudou completamente seu modelo de negócio para atender apenas o consumidor recreativo – e não mais apenas o medicinal, como antes. “Até 2014”, ela diz, “atendíamos em média 25 consumidores por dia, com uma receita de mais ou menos 1,000 dólares diários. Hoje eu atendo 200 por dia, com 11,000 mil dólares em vendas. Nos primeiros três meses de vendas a consumidores recreativos, faturamos o equivalente a três anos de vendas para uso medicinal”. Não é nada mal para Fox ter uma loja entre o aeroporto de Denver e o centro da cidade, localização extremamente conveniente  que lhe permite atender turistas.

Fox não teve nenhum problema para atrair consumidores, mesmo cobrando significativamente mais do que os vendedores ilegais: cerca de 60 dóláres por 3.5 gramas com impostos inclusos, um aumento de 50% com relação aos 40 dólares cobrados no mercado negro – valor estimado com o desconto de 30% para quem compra uma onça (28 gramas). Algumas lojas localizadas em resorts de cidades montanhosas chegam a cobrar 70 dólares por 3.5 gramas, e ainda assim há quem pague sem reclamar.

“A diferença entre vender para consumo recreativo e medicinal é imensa”, de acordo com Fox. “Passamos três anos vendendo apenas para consumo medicinal, e a loja estava sempre no vermelho. Nossos consumidores quase sempre tinham um orçamento apertado e faziam sacrifícios para comprar cannabis. Eles queriam o melhor preço e pesquisavam por isso. Cada venda era uma negociação. E enfrentávamos a concorrência da industria farmacêutica. Os remédios eram cobertos pelo plano de saúde, mas a maconha em geral era mais efetiva. A luta era dura. Todos vinham aqui doentes e lhes contavam sobre a doença para pedir descontos. Com o foco na venda recreativa, muitos dos nossos consumidores são turistas que chegam aqui com o bolso cheio de dinheiro, maravilhados com a possibilidade de comprar legalmente e pedindo o que houver de melhor no estoque. A diferença é imensa, tudo mudou do dia para a noite.”

 

O preço no mercado negro é definitivamente menor

 

Visitantes de outros estados, ansiosos para aproveitar a novidade, muitas vezes nem piscam quando olham os preços, principalmente porque os traficantes das suas cidades muitas vezes cobram o mesmo. Mas os consumidores locais, especialmente os mais frequentes, são mais sensíveis aos preços. O dono de uma loja na serra do estado me contou que tinha preços diferentes para turistas e consumidores locais. Muitos consumidores frequentes ainda resistem a pagar das lojas licenciadas, mesmo quando os lojistas lhes oferecem descontos, o que ajuda a explicar por que o mercado negro continua ativo no Colorado após a legalização. A duração da sobrevida deste mercado negro é uma questão importante, tanto no colorado quanto em outros estados, já que o fim do tráfico ilegal é um dos argumentos mais fortes a favor da legalização.

“O preço no mercado negro é definitivamente menor do que em lojas regulares”, segundo Michael Elliott, diretor executivo do Marijuana Industry Group. “Os impostos certamente justificam grande parte da diferença, assim como os requisitos de teste e embalagens e todas as exigências regulatórias feitas a quem quer abrir um comércio como esse. Outra razão para os preços altos está na oferta limitada.” O problema da oferta era especialmente agudo nos primeiros meses, antes das primeiras mudas plantadas especificamente para consumo recreativo legal. Antes, a única fonte para os comerciantes eram as plantas destinadas a consumo medicinal que foram redirecionadas para atender a demanda.

Os preços relativamente altos ajudam a explicar por que o número de pacientes registrados para uso medicinal no Departamento de Saúde Pública do Colorado cresceu de 106,763 em novembro de 2012, quando a legalização foi aprovada, para 115,210 em maio de 2014. Não é um crescimento exponencial, mas com tudo o mais constante a tendencia natural deveria ser de queda, dado que os usuários que eventualmente se passavam por pacientes, ao menos em tese, sairiam para o novo mercado legal de maconha recreativa, onde não há tanta burocracia. Mas os pacientes registrados são isentos de quase todos os impostos incidentes na maconha, além de os comerciantes geralmente concederem descontos mais generosos a eles.

Embora algumas das doenças que habilitam o registro como usuário medicinal sejam mesmo difíceis de falsear, como câncer e AIDS, o problema mais comum entre os pacientes registrados é “dor aguda”, que não pode ser objetivamente verificado por médicos. “Não é segredo para ninguém no Colorado o fato de alguns dos usuários usarem o mercado medicinal sem que tenham uma necessidade médica legítima”, de acordo com John Hudak, especialista do Instituto Brookings. “O governo estadual tem o óbvio interesse de demover os falsos usuários para que eles paguem impostos no novo mercado legal. Infelizmente, a estrutura tributária e regulatória nada fez para limitar falsificações do tipo.”

Nick Brown, sócio de uma empresa que se especializou em atividades de turismo relacionadas ao mercado de maconha recreativa, obteve uma licença médica com base numa suposta dor no ombro vinda de uma antiga lesão. “É mentira”, diz Brown. Ele acrescenta que “qualquer usuário frequente” deveria cogitar a hipótese de se registrar como paciente. De acordo com os números do Departamento de Arrecadação do governo estadual, as vendas para fins medicinais foram 65% maiores nos 6 primeiros meses do ano, embora os valores de cada mercado tenham se aproximado rapidamente, alcançando o mesmo patamar em junho.

 

“10 a 15 dólares para cada 3.5 gramas”

 

As vantagens de registrar-se como usuário medicinal devem desaparecer em breve, assim que a oferta crescer e os preços caírem. De acordo com Kayvan Khalatbari, sócio de uma loja para consumo medicinal que passou a atender consumidores recreativos em julho passado, os preços hoje estão ao redor de 50 a 60 dólares para 3.5 gramas. Ele espera que esses preços caiam vertiginosamente no próximo ano, assim que os produtores passem a abastecer melhor a demanda. A partir de outubro, as lojas não precisarão mais plantar 70% do que vendem, empresas dedicadas exclusivamente ao cultivo serão legalizadas, e novos interessados certamente entrarão neste mercado.

“Eu não ficaria surpreso, dada a enxurrada de produtores que virá, se o preço cair para 10 a 15 dólares por 3.5 gramas a partir do próximo ano.”, diz Khalatbari. “Eu acredito nisso. Já há quem venda por 50 dólares. Acho que pode acontecer porque haverá tanta competição que os produtores ficarão cada vez mais eficientes. A produção de maconha hoje é cada vez mais automatizada. As melhores práticas estão sendo trazidas a este mercado. Há cada vez menos risco em produzir, porque estamos produzindo em um nível mais elevado. Acho que este será um mercado extremamente eficiente no futuro próximo. Haverá mais competição e os preços certamente cairão muito no início do próximo ano.” Será nesta época, de acordo com ele, que o tráfico de maconha será extinto.

Elliot concorda que “será difícil para os traficantes competirem”, ainda que ele esteja mais relutante em especificar um prazo para isto acontecer. Há ainda a ressalva de que os traficantes continuaram a dominar algumas partes do estado, especialmente no leste, onde os governos municipais baniram o comércio de maconha. “Na planície leste do Colorado, que corresponde a quase um terço do estado, você não vai encontrar nenhum comércio de maconha recreativa. Para eles, a proibição ainda existe.”

Jacob Sullum é o editor-chefe da revista Reason

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