Com a criação do Euro – a moeda comum europeia – ocorreu uma convergência nas taxas de juros que os diversos países da União Europeia pagavam em sua dívida. A lógica por trás de tal convergência é que, como os países europeus passavam a seguir critérios de estabilidade econômica comuns em relação à dívida pública, inflação baixa e orçamento do governo (conhecidos como Critérios de Maastricht), esperava-se que o risco de se emprestar dinheiro a esses países fosse similar. O que não se esperava é que o governo grego usasse de pedaladas fiscais e financeiras para parecer que estivesse seguindo tais critérios, quando na verdade não estava. Numa combinação entre fraude fiscal e falhas dos agentes financeiros, o risco de se emprestar dinheiro à Grécia foi subestimado – e isso se tornou claro com o despontar da crise, em 2009.
Desde pelo menos o ano 2000 que o governo grego gasta muito mais do que arrecada com impostos (em economês, chamamos isso de um déficit orçamentário). O déficit do governo grego durante toda a decáda de 2000 foi maior do que o permitido pelas regras da União Europeia (que tem um limite de -3% do PIB). No auge da crise, o governo chegou a um déficit de quase 15% da soma de todos os produtos e serviços produzidos pela economia grega durante um ano!
Mesmo se a gente remover do orçamento aquilo que o governo grego gastou com juros da dívida, eles continuavam gastando muito mais do que arrecadavam. No auge da crise, esse déficit que exclui o pagamento de juros (chamado de “déficit primário”) era de mais de 10% do PIB. Se a Troika – apelido para a trinca composta pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI – não tivesse dado aos gregos acesso a 110 bilhões de euros em crédito especial a juros subsidiados, o governo não teria como financiar os seus gastos com dívida e teria que fazer o ajuste imediatamente. Isso porque, sem poder se endividar ainda mais, ele seria forçado a gastar somente o que arrecada com impostos. A mal-fadada austeridade, que levou cinco anos para ajustar as contas gregas, na ausência de financiamento externo, teria que ser feita em um ano só.
Por causa da combinação de desequilíbrios passados, aumento repentino de juros e fraude fiscal, o governo grego teve que passar por um longo e doloroso processo de corte de gastos e aumento de impostos para equilibrar seu orçamento primário, como visto acima. Depois de cinco anos de déficits e contração econômica, a dívida pública grega, que já era muito alta, cresceu muito. A partir de 2011, ela finalmente se começou a se estabilizar – o que aponta para o fato de que os ajustes deram algum resultado. Mas ela se estabilizou em níveis muito altos, cerca de 170% do PIB, o que torna o financiamento dela bem caro e exigirá muita disciplina fiscal do governo no futuro para evitar que ela se torne explosiva.
Apesar da dívida pública ter finalmente se estabilizado, o processo de correção dos excessos passados do governo grego, mesmo suavizado ao longo de cinco anos, teve um impacto sócio-econômico enorme sobre a população. A produção anual de produtos e serviços da economia grega foi reduzida em cerca de 25% e um em cada quatro gregos está desempregado. Isso explica o porquê de a população estar tão enfurecida com políticos de outros países europeus, colocando neles a culpa pela situação. Mas mesmo que o resto da Europa não tivesse interferido e a Grécia tivesse dado o calote em 2009, a austeridade teria ocorrido. Como você pôde observar, as políticas adotadas pelo governo grego (somadas à fraude dos números oficiais) durante os últimos 15 anos eram insustentáveis. O ajuste viria, com ou sem o resto da Europa. Infelizmente, mais uma vez, como já ocorreu em tantos outros países, a população terá de que arcar com os erros de políticos e burocratas.