Apesar de o então ministro da Fazenda Guido Mantega afirmar que apostar na alta do dólar seria “quebrar a cara”, a moeda americana ultrapassou hoje a marca de 4 reais, sua maior cotação desde o Plano Real. De fato, o câmbio é um assunto complexo e pouco afeito a retórica barata e previsões inconsequentes.
A moeda norte-americana subiu 1,5% em relação a ontem, mesmo com a intervenção do Banco Central no mercado de dólares tentando reduzir sua alta. No entanto, as perspectivas continuam sendo de novas desvalorizações do real, e os analistas de mercado da última pesquisa Focus (18/09), feita pelo Banco Central, já estimam uma taxa de câmbio média de quatro reais em 2016.
Há muitos que afirmam que a subida do dólar é uma preocupação apenas da elite, para a qual o luxo de viajar para o exterior ficou muito mais caro (estranhamente, o pobre deixou de poder andar de avião). Essa interpretação, no entanto, é evidentemente incorreta, uma vez que o Brasil, mesmo sendo um país grande e fechado, tem uma grande pauta importadora de alimentos.
Para se ter uma ideia, em 2014 o Brasil importou mais de 2 bilhões de dólares com cereais (como trigo, para fazer pão), quase 1,5 bilhão de dólares com peixes e crustáceos, além de mais de 850 milhões de dólares com frutas. São todos alimentos cotidianos na mesa do trabalhador brasileiro que ficam mais caras com desvalorização do real, impactando na inflação e, para combatê-la futuramente, nos juros e na atividade econômica.
Mesmo os produtos primários que exportamos são cotados em dólar nos mercados internacionais de commodities. Além disso, a exportação se torna mais rentável que a venda no mercado doméstico, encarecendo até os alimentos produzidas no Brasil.
Como o dólar é uma moeda padrão para fluxos internacionais, seu valor diante do real é um termômetro para as condições do Brasil com o mundo: se está vendendo mais do que comprando bens e serviços de fora das fronteiras, se está atraindo mais do que expulsando capitais etc. Para o caso de sabermos quanto valem os produtos do Brasil em relação aos produtos dos Estados Unidos, é preciso reajustar o preço de ambas moedas pela inflação dos dois países. Alguns veículos de imprensa têm divulgado que o dólar, ajustado para a inflação brasileira, está num valor bem mais baixo que o passado. Nisso, porém, “esquecem” que o dólar também tem inflação, e que a taxa de câmbio real deve ser calculada levando isso em consideração. Fazendo isso, como mostra o gráfico abaixo, percebe-se que não víamos um dólar tão desvalorizado em relação ao dólar, em termos reais, desde 2004.
A desvalorização do real se dá, em parte, pela valorização mundial do dólar – que ocorre por diversas razões. Uma delas é o maior crescimento da economia americana, que acaba por atrair capitais de todo o mundo para investir em seu território. Investidores acabam demandando mais dólares, fazendo seu “preço” relativamente a outras moedas subir.
Outra é a iminência do aumento da taxa de juros dos EUA pelo Fed (Banco Central americano), sinalizada para ocorrer ainda em 2015. Essa mudança também atrai capital. É o investimento mais seguro do mundo, uma vez que a remuneração dos títulos é, justamente, em dólar.
Por fim, outro grande fator a se considerar, relacionado ao anterior é a recente redução do preço internacional das commodities, que, após atingir um pico em julho de 2014, está em uma quase contínua trajetória de queda.
É importante frisar, no entanto, que nenhum desses eventos foi uma surpresa para qualquer economista minimamente atento à economia mundial. Resta saber se os planejadores de nossa política econômica não sabiam da ocorrência desses fenômenos, que estão sendo previstos desde o começo do primeiro mandato de Dilma.
O gráfico abaixo não deixa dúvida: apesar de a valorização do dólar ser um movimento global razoavelmente generalizado, o real é hoje uma das moedas que mais se desvalorizou no período de um ano (entre 21 de setembro de 2014 e o mesmo dia em 2015), mesmo comparando com países também exportadores de commodities e dependentes de capitais externos.
Isso ocorre porque o Brasil, tendo sido um dos países que menos aproveitou dos bons ventos externos da última década, mostra-se mais frágil do que a grande maioria dos países agora que a economia mundial volta a se normalizar. Não são poucas as evidências da particular gravidade da crise econômica e política pela qual o Brasil passa, a qual, agravada pelo downgrade pela agência Standard & Poor’s, afasta investidores do país, que retiram seus capitais para países mais atraentes. A saída de investidores reduz a demanda por reais, aumentando o câmbio e depreciando a moeda brasileira.
Basicamente, todas as empresas exportadoras acabam beneficiadas pela desvalorização do real. Isso porque o preço dos produtos exportados é fixado em dólar e, se um dólar passa a valer 66% mais reais em um ano, as empresas exportadoras estão ganhando nesse mesmo valor só pela variação cambial (sem descontar a inflação). No entanto, devido à redução do preço das commodities, a maior parte dos produtos que exportamos, o valor das nossas exportações voltou a cair no segundo semestre do ano, e mantivemos o saldo positivo em nossa balança comercial apenas pela drástica redução das importações.