Por Tyler Cowen

Tradução por Pedro Galvão de França Pupo, original aqui.

O crescimento da desigualdade de renda tem motivado debates ferozes sobre política e economia, mas um aspecto importante não tem sido explorado adequadamente. Precisamos nos perguntar se as próprias forças do mercado podem limitar ou até reverter a tendência.

A tecnologia contribuiu para o crescimento da desigualdade, mas também existem algumas formas em que a tecnologia pode ajudar a reduzi-la.

Por exemplo, se por um lado computadores melhoraram nossas vidas de muitas maneiras, pelo outro eles ainda não fizeram nada para reduzir o custo de saúde e educação. No entanto, isso pode mudar nas próximas décadas: podemos facilmente imaginar diagnósticos médicos feitos por inteligências artificiais online, um uso maior da competitividade online na busca por serviços de saúde, preços mais transparentes e portanto mais competitivos, e educação online muito mais barata para muitos estudantes, para citar somente algumas possibilidades. Em um mundo como esse, muitos ganhos salariais viriam de serviços novos e mais baratos, em vez de acordos melhores com o patrão.

É um pouco mais difícil ver como a tecnologia da informação pode reduzir custos de moradia, mas talvez a economia solidária torne mais fácil viver em espaços menores e alugar somente itens necessários, em vez de armazená-los em uma casa ou apartamento. Isso permitiria que pessoas de renda mais baixa vivessem mais perto de empregos urbanos bem remunerados, e a custos mais baixos.

Outro tipo de ganho futuro, especialmente para trabalhadores com pouca qualificação, pode surgir conforme computadores ficam mais fáceis de serem utilizados por pessoas com habilidades rudimentares. Nem todo mundo consegue trabalhar de forma produtiva com computadores atualmente. Existe um gap entre gerações quando se trata de manipular aparelhos eletrônicos, e muitas tarefas relevantes exigem conhecimento de programação ou até a habilidade empreendedora para criar uma start-up. Basicamente é assim que nosso setor dinâmico tem concentrado seus ganhos em um número relativamente pequeno de empregados, resultando em uma desigualdade de renda maior.

Esse tipo específico de desigualdade pode muito bem mudar. Conforme a geração anterior se aposenta, um número muito maior de pessoas vai ter crescido com um conhecimento íntimo de computadores. E com o passar do tempo, pode ficar mais fácil trabalhar com computadores simplesmente conversando com eles. Conforme interfaces entre humanos e computadores se tornam mais simples e fáceis de utilizar, o retorno relativo para trabalhadores com poucas habilidades pode crescer.

O futuro também pode ampliar um tipo de emprego cada vez mais comum: trabalhadores que fazem parcerias com robôs inteligentes que precisam da ajuda de humanos. Talvez um robô inteligente vá realizar algumas das funções de um operário de fábrica, enquanto o parceiro humano faz o que o robô não pode fazer, como lidar com uma falha no sistema ou chamar um supervisor. Empregos como esse exigiriam versatilidade e capacidade de raciocínio flexível, parecido com os antigos empregos em manufatura, mas não necessariamente exigiriam treinamento técnico de primeira linha, justamente por causa das melhorias na interface humano-computador. Isso também pode aumentar os ganhos de muitos trabalhadores com qualificações relativamente baixas.

A difusão do conhecimento em tecnologia da informação também pode reverter parte da desigualdade de renda que vem do setor financeiro. Por exemplo, os lucros de operações de alta frequência eram mais altos alguns anos atrás, em parte porque poucas empresas as faziam; agora muitas empresas podem realizar operações em velocidades muito altas. Ainda não dá para saber se algo similar vai reduzir o lucro de fundos de investimento, mas novamente é possível imaginar um futuro em que muitas das melhores técnicas de investimento e negociação são amplamente copiadas e portanto deixam de ser excepcionalmente lucrativas.

Um último conjunto de forças que podem reverter a desigualdade crescente vem das economias emergentes, principalmente da China. Talvez estejamos vivendo em um período intermediário temporário quando os EUA e muitas outras nações desenvolvidas suportam muitos dos custos do desenvolvimento econômico chinês sem, por enquanto, receber muitos dos benefícios potenciais. Por exemplo, a China e outras nações emergentes já estão ricas o suficiente para aumentar a demanda e o preço de commodities e grandes o suficiente para reduzir o salário de trabalhadores de classe média americanos, especialmente no setor de manufaturas. Mas se por um lado essas economias estão abaixando o custo de bens manufaturados para consumidores americanos, pelo outro elas ainda não são inovadoras o suficiente para nos enviar muitos produtos fantásticos novos, como os EUA  fazem com os consumidores britânicos ou franceses, lucrando muito no processo.

Essa situação provavelmente vai terminar. Nas próximas décadas, podemos esperar que a China, a Índia e outras nações emergentes forneçam mais inovações para a economia global, incluindo os Estados Unidos. Isso não é motivo para preocupação. Vai resultar em muitas coisas boas.

Já que as economias emergentes são relativamente pobres, muitas dessas inovações vão beneficiar americanos de renda relativamente baixa. A Índia já é pioneira em técnicas para cirurgias cardíacas baratas e de alta qualidade e outros procedimentos médicos, e com o passar do tempo essas técnicas podem ganhar espaço nos Estados Unidos. Imaginem uma China futura produzindo carros mais baratos e mais seguros, uma cura para alguns tipos de câncer e uma bateria prática para armazenar energia solar. Americanos comuns poderiam ter ganhos altos em sua qualidade de vida, e sem precisar trabalhar para isso.

Para deixar claro, essas são especulações e não devem ser encaradas como motivos para evitar melhorias na nossa economia atual; além disso, outras tendências podem ter resultados negativos. Mesmo assim, essas possibilidades permitem encarar o problema da desigualdade de uma nova perspectiva. No modelo popular desenvolvido pelo economista Thomas Piketty, desigualdade é essencialmente uma questão de capital versus trabalho. Em sua visão, o capital está cada vez mais na frente por causa das taxas de lucro relativamente altas sobre poupança e investimentos. A resposta natural para reverter essa tendência, de acordo com o Sr. Piketty, seria um ataque direto ao retorno sobre o capital, por exemplo via um imposto global sobre a riqueza.

Porém, nos cenários descritos aqui, a desigualdade crescente depende de certas tecnologias e de condições globais passageiras. Tendências que resultam em desigualdade maior frequentemente também geram forças que atuam no sentido oposto, ainda que essas forças demorem um longo tempo para se manifestarem. Dessa perspectiva, em vez de buscar atacar o capital, nossa atenção deve ser direcionada a aproveitar as futuras possibilidades de inovação, mudança e dinamismo. Ainda que a desigualdade de renda continue a crescer no curto prazo, o que eu acredito que é provável, existe um futuro plausível e mais distante onde toda a sociedade é mais rica e mais igualitária. A história da tecnologia sugere que novas oportunidades para vidas melhores e salários mais altos estão sendo criadas. Elas só não estão sendo criadas tão rápido quanto nós gostaríamos que estivessem.

Compartilhar