O recente anúncio da saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris trouxe novamente à tona o debate sobre a ocorrência ou não do aquecimento global e suas causas. Ao contrário do que simplificações em veículos de massa fazem parecer, a questão é bastante complexa e existem muito mais do que apenas dois lados na conversa. Há aqueles que defendem que o fenômeno como um todo não está ocorrendo, ou mesmo que seja fruto de uma conspiração. Ou que o mundo de fato está se tornando um lugar mais quente, porém devido a processos naturais que estão muito além da atividade humana. Ainda, entre os que acreditam que os humanos são de fato uma força causadora do fenômeno, existem múltiplas posições sobre a magnitude dos efeitos potenciais e o que fazer a respeito.

Entre a comunidade científica, entretanto, certas proposições apresentam ao menos algum consenso. Um paper recente, elaborado por John Cook e outros, fez uma análise de estudos anteriores indicando que o consenso entre climatologistas de que “a atividade humana é uma causa relevante para o aquecimento global” é superior a 90%. Entretanto, tal consenso acadêmico, ainda que existente, limita-se apenas a afirmações básicas. Um intenso debate está em curso sobre a extensão e duração dos efeitos.

Ainda mais distante do consenso está a questão sobre o que deve ser feito para mitigar os riscos. Por exemplo, sabe-se que reduzir emissões de carbono, ao menos no curto e médio prazo, significa também reduzir a produção e a acumulação de capital, o que prejudicaria justamente países mais pobres e que menos se beneficiaram do período inicial da expansão industrial que resultou no aumento da concentração dos gases estufa. E essa é só uma das dimensões nesse complexo emaranhado de causas e efeitos. (A Análise de Custo-benefício da poluição, inclusive, é um dos tópicos centrais de estudo do ramo de Economia Ambiental. No entanto, uma discussão mais aprofundada dessa análise foge do escopo aqui e ficará para um próximo artigo.)

Ao menos entre o público americano, todo o destaque dado ao tópico desde o ciclo eleitoral refletiu em um salto de preocupação. Uma pesquisa da Gallup mostrou que o percentual de americanos que afirmam estar muito ou moderadamente preocupados com os efeitos do aquecimento global saltou de 53 para 64% em 2016, revertendo, ao menos temporariamente, uma tendência de queda e atingindo o valor mais alto desde 2008. Outro estudo feito pela Pew Research apontou que 48% dos americanos concordam com a afirmação de que “o planeta está aquecendo devido à ação humana”. O mesmo estudo desagrega os resultados para mostrar o quão politizado e divisivo o assunto se tornou: enquanto 78% dos democratas concordam com tal afirmação, apenas 15% dos conservadores-republicanos se enquadram nessa categoria.

Não surpreendentemente, no restante do mundo a preocupação com o aquecimento global é inversamente proporcional ao relativo benefício que os países obtêm da emissão de CO2. Conforme mostra o gráfico a seguir elaborado pela Pew Research, países com menor emissão per capita são também os que demonstram maior preocupação com os potenciais efeitos.

A discussão ampla sobre o que deve ser feito a respeito do problema que se acerca torna-se uma tarefa árdua quando boa parte do esforço ainda está preso a debater se o problema existe ou não. Afinal, reconhecer que o problema existe é apenas o primeiro passo em direção a uma solução. Nesse contexto, as redes sociais deram grande alcance a uma gama de argumentos, tanto apontando falhas nas evidências quanto exagerando estudos de potenciais impactos do aquecimento global. Ainda que muitas das críticas circuladas sejam bem elaboradas e fundamentadas, a maioria se baseia em avaliações errôneas e seleção parcial de resultados e que seguem sendo compartilhadas sem maiores verificações. O site Skeptical Science, por exemplo, cataloga quase 200 desses argumentos e oferece explicações do porquê estão errados em diferentes níveis, do mais básico ao mais tecnicamente avançado (há uma tradução parcial em Português). Outra fonte de fácil acesso é a página da Royal Society dedicada ao tópico. Com base principalmente nessas fontes, no restante do texto apresento três razões comuns para ceticismo com relação ao aquecimento global e os problemas associados com os argumentos.

1 – Seres humanos não são a causa

Somos relativamente insignificantes em um planeta vasto e com processos naturais de escalas gigantescas: os oceanos e a biomassa terrestre armazenam um estoque, respectivamente, de 37.400 e 3.000 GtC (gigatons ou bilhões de toneladas de carbono). A atmosfera terrestre sozinha armazena 720 GtCO2 (bilhões de toneladas de CO2). Por fim, o fluxo entre esses reservatórios movimenta em torno de 750 GtCO2 por ano. Já toda a queima de combustíveis fósseis no planeta mal chega a 36 GtCO2 ao ano (em 2015), o que é uma contribuição muito pequena. Qualquer mudança nos processos naturais no ciclo de carbono, mesmo que pequenas, trariam efeitos muito maiores do que os humanos são capazes de produzir.

Esse argumento falha em reconhecer a existência de um equilíbrio dinâmico no ciclo de carbono. Tal qual em um balanço contábil com entradas e saídas, o carbono em nosso planeta é emitido e absorvido nos três grandes reservatórios mencionados acima. O diagrama abaixo, adaptado do Quarto Relatório do Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC), resume a contabilidade do carbono. (A propósito, existe uma versão condensada traduzida para o Português).

Cerca de 40% das emissões adicionais causadas pela atividade humana são absorvidas pela vegetação e pelos oceanos. O restante, no entanto, permanece na atmosfera. Análises químicas confirmam que boa parte desse acúmulo adicional de carbono na atmosfera é de fato proveniente de combustíveis fósseis [1]. Tal processo se dá por meio da proporção de isótopos de carbono, análogo ao que é realizado para datar fósseis.

Por conta desse desequilíbrio no ciclo de carbono, a concentração de CO2 atualmente atinge o nível mais alto dos últimos 15 milhões de anos. Análises paleoclimatológicas também nos mostram que o aumento de 100ppm (partes por milhão) na concentração de CO que vimos nos últimos 120 anos normalmente levariam de 5 a 20 mil anos segundo a história de nosso planeta [2].

2 – O clima está em constante mudança

O clima sempre esteve em mudança. Mesmo num período geologicamente curto, desde que os homo sapiens surgiram por aqui,  já tivemos desde períodos glaciais a intervalos de temperaturas elevadas. No Período Quente Medieval entre os séculos X e XIV, por exemplo, vimos a temperatura média subir durante um longo período para depois voltar ao normal. Por que se preocupar agora, então?

O clima global, de fato, mudou e continua a mudar, quase sempre acompanhado de perto por variações na concentração de gases estufa. É do estudo de transformações climáticas do passado que aprendemos, ao menos em parte, o que esperar de mudanças futuras. E aqui vemos que esse argumento falha em identificar uma variável chave: a velocidade da mudança.

Transformações paulatinas ao longo de milhões de anos foram acompanhadas por um lento ajuste dos sistemas químicos no planeta. Transformações bruscas, muitas vezes causadas pela liberação de CO2 e metano provenientes de atividade vulcânica, foram acompanhadas por também abruptas perturbações no equilíbrio dos sistemas químicos, quase sempre com consequências negativas para os seres vivos (por exemplo, as extinções em massa dos Períodos Cambriano e Permiano-Triássico). A figura abaixo, adaptada da Royal Society com dados de artigos publicados na Science [3] e Nature [4], dá uma dimensão da velocidade das transformações recentes. Em escala geológica, a taxa de variação da concentração de CO2 ao final do período é praticamente instantânea.

Evolução da concentração de CO2 e temperatura atmosféricas nos últimos 800 mil anos

Mudanças no passado geológico recente guardam pouca semelhança em escala e velocidade com relação à mudança atual. Por outro lado, eventos associados a transformações bruscas induzidas por intensa atividade vulcânica de eras anteriores – rápido aumento na emissão de CO2 e na temperatura global, aumento do nível do mar, acidificação dos oceanos e outros – podem também ser observados hoje, ainda que a atividade vulcânica atual esteja algumas ordens de magnitude abaixo de tais períodos. Portanto, há, sim, motivo para preocupação. Mesmo que desenvolvamos capacidade superior de adaptação a temperaturas mais altas, as lições provenientes de desequilíbrios sistêmicos anteriores nos oferecem poucas certezas de que transitaremos incólumes.

3 – Não houve aquecimento desde 1998

Medições de temperatura por satélite mostram que não houve aquecimento desde 1998, justamente durante o período com maior intensidade de emissão de CO2.

O caso aqui é um pouco mais direto pois os dados contradizem esse ponto de vista. Outras versões desse argumento referem-se a medições em terra ou a um conjunto de medições em uma região específica. O problema, no entanto, é o mesmo: seleção de amostra.

O ano de 1998 marcou o fim de um El Niño particularmente intenso. Tal fenômeno é tradicionalmente seguido de um período de temperaturas mais baixas.  Ao começar a série com um valor atipicamente alto, seguido por valores atipicamente baixos, era de se esperar que a variação média seria negativa.  Com a inclusão de novas observações, entretanto, o peso dos valores iniciais diminui e uma percepção mais acurada da tendência se revela. E o passar dos anos demonstrou que a tendência é de aumento na temperatura global. Essa conclusão pode ser encontrada em um trabalho recente [5] que buscou isolar as contribuições individuais de diversos fatores e decompor as variações de temperatura observadas por cinco fontes distintas. Dessas fontes, três são medições de superfície (NASA/GISS, NOAA/NCDC e HadCRU) e duas de satélite (RSS e UAH). Uma animação elaborada por Dana Nuccitelli ilustra os resultados (ENSO se refere a El Niño-Southern Oscillation) e permite observar de forma mais clara a tendência de longo prazo, fundamento sob o qual se baseia a análise climática.

Outra forma pela qual o mesmo problema se manifesta é a seleção de amostra no espaço. Frequentemente, tais argumentos favorecem medições terrestres. Tal escolha ignora o papel crucial da temperatura dos oceanos no balanço energético global (conforme exemplificado no argumento 1).

Conclusão

Finalizo com um convite ao debate bem informado. Aquecimento global é uma questão séria o bastante para continuar sendo caricaturalmente retratada como um dicotômico embate de “salvadores do planeta/controladores da vida alheia” vs. “negacionistas”. Análises rasas, mitos e teorias conspiratórias circulam abundantemente na internet, defendendo as mais variadas posições. Nesse meio há tanto alarmismo vão quanto rejeição infundada. Mas felizmente a grande rede também nos facilita o acesso às fontes de reputação. Nessa vastidão de informações, quase todo ponto tem contraponto ao alcance. Controvérsias sempre existirão e são o motor do avanço do entendimento de questões científicas, desde que saibamos apreciar as lições acumuladas ao longo da discussão. Afinal, questionar, exercitar o ceticismo e não ter vergonha de mudar de opinião frente a novas evidências são as bases do aprendizado e do debate.

Referências de artigos científicos:

[1] Ghosh e Brand (2003). Stable isotope ratio mass spectrometry in global climate change research.

[2] Tripati, Roberts e Eagle (2009). Coupling of CO2 and Ice Sheet Stability Over Major Climate Transitions of the Last 20 Million Years.

[3] Jouzel et al. (2007). Orbital and Millennial Antarctic Climate Variability over the Past 800,000 Years.

[4] Lüthi et al. (2008). High-resolution carbon dioxide concentration record 650,000-800,000 years before present.

[5] Foster e Rahmastorf (2011). Global temperature evolution 1979–2010

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