por Roberto Xicó

Você, meu amigo de esquerda, já conhece a história. Um país passa por um processo de completa falta dos produtos mais básicos nas lojas e imperam mercados negros para suprir a escassez. A economia, seja por motivos políticos ou ganância dos empresários, se deteriora a passos largos. A sociedade testemunha uma escalada da violência. No campo político, a sociedade está cada vez mais polarizada, indo as ruas todos os dias a favor ou contra o Presidente. No campo externo, o presidente é apoiado por Cuba e outros governantes especulam que este país estava a caminho do comunismo…

Isso pode parecer a Venezuela em 2014 e 2015, mas, na verdade, é o Chile no início da década de 1970.

Após a democrática vitória de Allende, o país entrou em uma convulsão social que foi causada em parte por políticas desastradas do Presidente e em parte pela forte paranóia anti-comunista à época presente na elites tradicionais na América Latina. No entanto, tudo mudou com os acontecimentos de 11 de setembro de 1973. Com apoio norte-americano e brasileiro, uma junta militar liderada por Pinochet tomou o poder bombardeando o palácio de La Moneda, sede do governo chileno, instaurou um toque de recolher e uma caça às bruxas a qualquer apoiador ao governo de Allende. Para ver uma excelente ambientação dos tempos do golpe, recomendo o filme Machuca.

O Chile mudou muito com a ascensão de Pinochet à presidência. É difícil negar que muito do atual sucesso econômico chileno se deve às reformas iniciadas em seu governo. Mas, mesmo para quem concorda com as reformas pró-mercado implementadas pelo Chile desde a década de 1980, não tenha nenhuma dúvida, Pinochet foi um monstro. Esse fato não impede que seu governo tenha gerados alguns impactos positivos no país. No entanto, isso em nenhum sentido justifica ou nos permite contemporizar as práticas de tortura, os assassinatos e os desaparecimentos.

Todo esse avanço é pouco relevante para qualquer um diante do medo que se passava ao viver no Chile dos anos 1980. De que adianta viver nesse Chile tendo mais liberdade econômica, mas se tendo medo de dizer uma crítica ao governo? De que adianta ter um maior poder de compra se se tem um amigo, irmão, filho, pai, amante desaparecido ou morto? Nada.

Nada justifica ou justificará regimes autoritários. Ter alguma política pública que logre resultados positivos não torna perdoável o que Pinochet, Stalin ou Hitler fizeram. Todo regime precisa de alguma representatividade para a manutenção do seu status quo – talvez, com a exceção da Coréia do Norte. Avanços no acesso à educação e na capacidade produtiva são importantes, mas como alguém inteligente falou: “liberdade só é liberdade se ela não vier em partes – ela é universal e indivisível.”

Quaisquer avanços, portanto, só se tornam relevantes se temos a liberdade democrática de seguirmos a nossa própria consciência e buscarmos realizar nossos sonhos. Pinochet não permitiu isso. Ele negou aos chilenos a capacidade de decidir seu próprio destino. Perseguindo liberdades individuais, Pinochet foi fundamentalmente antiliberal e merecedor o seu lugar baixo na história.

Se você, amigo de esquerda, concorda com a Revolução Bolivariana, provavelmente você justifica seu apoio com base avanços sociais divulgados pelo governo. Certamente, essas são coisas que você valoriza bastante.

Mas pergunte-se: de que adianta a melhora de alguns indicadores sociais na Venezuela se não se pode escrever e falar livremente? De que adianta ter acesso a educação se estudantes podem ser mortos por uma milícia em uma manifestação? De que adianta que algumas pessoas tenham acesso à atenção primária à saúde se a polícia tortura manifestantes e os estupra enfiando fuzis em suas cavidades íntimas? Nada.

Meu apelo aqui não é para que você mude sua filosofia ou seu entendimento de economia. Meu apelo é para que você não apoie um governante que viola direitos e liberdades de seus opositores simplesmente porque eles são seus opositores. Os fins nem sempre justificam os meios.

Não se deve avaliar um governo digno pelos resultados positivos que possa estar gerando, mas pela forma de como ele reage às críticas aos seus resultados negativos. Se você realmente se importa com o direito à divergência, a liberdade e os direitos humanos, não torne Maduro o seu Pinochet. Não o apoie só por ele ser de esquerda.

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