Tóquio, a maior região metropolitana do mundo, tem quase 39 milhões de habitantes em uma área de apenas 13.572 km². Para comparação, ela facilmente supera a Região Metropolitana de São Paulo, com seus 21 milhões de pessoas em 8 mil km².
Ainda que os limites de sua urbanização já tenham sido anunciados por acadêmicos e agências governamentais algumas vezes, a capital japonesa segue crescendo de forma estável há mais de 40 anos e recebendo imigrantes que chegam de diversos cantos do mundo. Muito se fala sobre os preços de imóveis na cidade, mas o custo de moradia na Grande Tóquio, especialmente de aluguel, é relativamente mais baixo que outras grandes cidades, como Nova York, Londres e, acredite, que São Paulo também.
A pesquisa do Demographia mostra que Tóquio tem o menor múltiplo de preço entre todas as mega-cidades, ou seja, aquelas que possuem mais de 10 milhões de habitantes. Este indicador compara a renda mediana de uma cidade – ou seja, a renda anual do morador que ganhou mais do que cerca de 50% dos seus conterrâneos e é mais pobre do que a outra metade – e compara com o preço médio de um imóvel.
Em Tóquio, um imóvel ao preço médio custa 4,4 rendas medianas. Este múltiplo é semelhante a cidades “baratas” dos Estados Unidos e do Canadá, como Sacramento ou Calgary.
Hong Kong tem múltiplo de 14,9; Vancouver de 10,3; as duas cidades são tidas como pouco acessíveis. Espantosa, porém, é a situação de São Paulo, onde o múltiplo equivale a 30,3 [1]. Ou seja, o paulistano que está no meio da distribuição de renda na cidade precisa de mais de trinta rendas anuais para comprar um imóvel a preço médio. São Paulo é quase sete vezes menos acessível do que Tóquio.
Duas perguntas são inevitáveis. A primeira: Se a capital japonesa é densa, tendo pouca terra por pessoa, como ela pode ser tão barata? A segunda: Será que São Paulo pode aprender com Tóquio a ser mais acessível?
Em um artigo para o NextCity.org, Stephen Smith argumenta que o “culpado” seria o modelo de desenvolvimento urbano optado por boa parte dos governos municipais de metrópoles japonesas. Enquanto outras grandes cidades ocidentais optaram por modelos hiperregulados, com leis de zoneamento e densidade extremamente restritivas, Tóquio optou por um caminho oposto. Os padrões de zoneamento são muito menos rígidos em comparação com cidades nas Américas (como as do Brasil) ou na Europa. As restrições de altura são relaxadas conforme os bairros vão ganhando densidade – quando tais restrições existem.
A cidade não impõe normas gerais e, nas palavras de Stephen, a resposta para os altos preços de moradia num local superpopuloso foi, basicamente, “deixar qualquer um construir o que quiser”. O resultado: uma pesquisa simples no siteNumbeo, ajustando para o poder de compra local, coloca Tóquio entre as metrópoles mais baratas para moradia.
A solução encontrada por Tóquio vai na contramão de saídas defendidas – e até hoje implementadas – por muitos urbanistas ao redor do mundo. Em Estocolmo, capital da Suécia, a resposta para moradias caras, impulsionadas pelos saltos na renda local, foi o controle estatal dos aluguéis, que vigora até hoje. Pesquisas recentes mostram que os maiores beneficiários desta política foram suecos que já são proprietários de imóveis na cidade, e que acabam passando o imóvel entre familiares para não abrir mão do privilégio da moradia, dado que a medida eliminou praticamente todo incentivo para a produção de mais imóveis.
Hoje, é praticamente impossível para moradores de fora de Estocolmo adquirirem um imóvel, já que a fila do cadastro imobiliário leva entre 7 e 15 anos. Esse é o tempo de fila para quem pode pagar o imóvel a preços controlados. Quem tem maior poder aquisitivo normalmente apela para o mercado negro como saída, arcando com preços inflados ao teto devido ao risco da transação e à falta de alternativas.
O Brasil teve sua experiência de escassez com o controle de aluguéis no governo Vargas, que levou a um desastre na oferta de imóveis e inviabilizou aluguéis a preços populares nas regiões centrais de todas as grandes cidades brasileiras. A medida preparou o terreno para o exclusivismo espacial atual das nossas metrópoles, com bairros extremamente segregados por renda. Ainda assim, muitos defendem a medida como tentativa de moderar os altos preços gerados em cidades onde há alta demanda para pouca oferta.
Como a experiência mundial demonstra – e a história brasileira confirma – retornos muito mais claros e palpáveis seriam possíveis se simplesmente permitíssemos um melhor aproveitamento do uso do espaço urbano em áreas onde as pessoas querem morar. Tóquio optou por esse caminho, e lá o mercado de aluguéis é tão vivo que possui até diferentes modelos de contratos sem muitas obrigações cartoriais ou classistas como há no Brasil, diminuindo os custos de transações e facilitando a entrada de novos inquilinos.
Ao invés de seguir os passos da urbanização japonesa, aqui as saídas promovidas para aumentar a acessibilidade são alternativas como cotas de moradias a preços baixos em determinadas regiões por instrumentos como as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). No entanto, elas são dependentes de regulação e de recursos públicos e tem implementação lenta e custosa, conforme demonstraram diferentes gestões paulistanas.Mesmo sob prefeitos defendendo as ZEIS, elas foram aplicadas com baixíssimo progresso e eficácia. Algumas foram determinadas em regiões periféricas pouco acessíveis, inclusive em mananciais das represas paulistanas que não deveriam ser urbanizados, outras foram eliminadas por outras opções de gastos públicos. Além disso, a tentação à distorção destes instrumentos por grupos específicos de pressão é muito grande, como claramente ocorre na metrópole paulista.
A solução adotada por Tóquio, que permite uma cidade dinâmica com a criação de novas unidades para atender a uma demanda intensa, parece muito mais sustentável. Também parece passível de consolidação na capital paulista, numa opção que poderia combinar não apenas uma maior oferta imobiliária como uma maior oferta de crédito e uma regulação mais inteligente de ambos, desburocratizados e com espectros mais amplos de atendimento.
Em Tóquio, por exemplo, seria impensável existir regiões como Jardim Europa e Jardim América, de baixíssima densidade, em plena região central da cidade. Na prática, estes antigos loteamentos paulistanos aumentam os preços de todo o entorno, conforme analisado neste artigo do editor, Anthony Ling.
Com um planejamento que incentiva a oferta de imóveis, Tóquio apresentou cerca de duas vezes mais crescimento no número de casas e apartamentos em seu território que outras grandes cidades no mundo. Enquanto a capital japonesa teve crescimento de oferta em 1,95% ao ano entre 1998 e 2008, Londres teve crescimento de 0,82% e Paris apenas 0,5%.
Contrariando a noção de que o crescimento do mercado imobiliário funciona como uma “máquina” especuladora e excludente, o estímulo à oferta de imóveis resultou em preços mais acessíveis. Conforme concluiu a pesquisa, cidades com provisão imobiliária mais ampla tem múltiplos de preço muito mais baixos que que cidades restritivas. Das 10 cidades com os menores índices de preço, 9 tendem a um modelo desenvolvimento urbano menos restritivo e, entre as 10 com os maiores índices, todas tem modelos restritivos, na velha noção de que isto “protegeria” seus moradores.
Sendo a megacidade de melhor múltiplo de preços do mundo e com altíssima densidade demográfica, para Tóquio isto também significa que o contínuo fluxo de crescimento da cidade consegue ser absorvido dentro dos próprios limites da mancha urbana. Tal limitação horizontal gera menores pressões ambientais nas áreas adjacentes e permite a manutenção de um dos maiores parques urbanos do mundo, preservando a mancha verde intocada ao redor da cidade.
Ademais, também permite um menor uso de carro por seus habitantes: Tóquio tem um dos menores índices de uso de automóveis individuais no cotidiano entre grandes cidades. Tal atributo também é explicado pela extensão de sua malha de metrôs e trens metropolitanos que, com pouca dependência de recursos estatais e um modelo competitivo entre diversas empresas públicas e privadas, expandiu-se para 195 km de metrôs e cerca de 4.714 km de trilhos operacionais no total.
Tudo isto contribui não só para menor impacto urbano no meio ambiente, mas também para maior acessibilidade à cidade por seus habitantes – ou seja, um aproveitamento mais intenso das oportunidades que o meio urbano oferece por diferentes cortes sociais e de renda, que não são segregados por um zoneamento utópico e excludente.
Enquanto forem propostas panaceias urbanas em nossos Planos Diretores – fortalecidas por receios de “gentrificação” e medo de que os preços inviabilizem o acesso dos mais pobres a cidade (como se isto já não fosse o caso) – estaremos, na verdade, criando regras que cada vez mais encarecem o acesso do pobre, dificultando a expansão da oferta de imóveis nas cidades. Poderíamos olhar para casos bem sucedidos como o de Tóquio, uma cidade cujo modelo de desenvolvimento urbano aponta para uma cidade mais acessível para todos e onde os grupos de renda mais baixa não são automaticamente expulsos para guetos e periferias que segregam e dificultam os acessos às oportunidades da cidade.
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[1] Considerando os dados do Secovi para ticket médio de venda em 2014 (R$ 551 mil) e do Pnud para renda média na capital paulista em 2013 (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal Brasileiro). Não foi localizado um valor mediano para estas estatísticas, conforme utilizado pelo estudo citado.