Publicado originalmente em Tabula (não) Rasa & Libertarianismo Bleeding Heart
As pessoas que leem meu blog ou conhecem os textos que publico em outros blogs sabem que sou contrário ao “capitalismo de conchavo” ou “capitalismo de compadrio” (crony capitalism). Esse é o termo que designa um sistema onde o governo subsidia/ajuda empresas específicas, em um conluio entre Estado e grandes corporações politicamente bem-conectadas, que manipulam politicamente aquele mercado em prejuízo do resto de nós.
Mas existem algumas pessoas que defendem um “capitalismo de conchavo” temporário, para alçar um país no caminho do desenvolvimento econômico. A ideia é que, quando o país é subdesenvolvido, você teria de subsidiar e proteger a indústria nacional para possibilitar o crescimento econômico.
A chamada “substituição de importações”, onde tarifas protecionistas são aplicadas para proteger a indústria nacional da concorrência externa hoje em dia é amplamente desacreditada. Mas uma versão de capitalismo de conchavo ainda é influente em alguns círculos hoje – a de um capitalismo de conchavo disciplinado pela concorrência internacional em uma economia voltada à exportação. O exemplo de Taiwan e Coréia do Sul, dois importantes “Tigres Asiáticos”, supostamente confirmaria o valor desse sistema.
Um defensor dessa tese é o economista Raghuram Rajan, e, por isso, é útil transcrever sua defesa disso em ordem de entendermos melhor qual seria esse raciocínio:
“Trinta e cinco anos depois, é relativamente fácil descrever o caminho que, de modo geral, os países bem-sucedidos seguiram em sua busca pelo crescimento. Esse caminho passou tanto pela intervenção governamental substancial, nos estágios iniciais – razão pelo qual me refiro a ele, de forma genérica, como capitalismo de relacionamento ou gerenciado -, como pelas exportações. Embora seja fácil descrevê-lo, é bem mais difícil implementá-lo. (…) A estratégia de crescimento gerenciado com foco nas exportações, quando bem aplicada, tem sido a principal via para a saída da pobreza na era pós-guerra.
(…) O processo de apadrinhamento, muitas vezes chamado, de forma pejorativa, ‘capitalismo de compadrio’, pode ser mais justamente denominado ‘capitalismo de relacionamento’ ou ‘capitalismo gerenciado’. Envolve uma combinação ponderada de proteção dada pelo governo a algumas empresas – proteção contra a concorrência estrangeira -, e também privilégios especiais para que pudessem gerar os lucros com os quais pudessem criar seu capital organizacional enquanto mantinha alguns incentivos à eficiência das empresas. (…) Com subsídios e proteção do governo, alguns líderes privilegiados cresceram vertiginosa e rentavelmente, adquirindo know-how, riqueza, capacidade organizacional e estabilidade.
(…) Uma maneira de disciplinar as empresas ineficientes e ao mesmo tempo expandir o mercado de bens de consumo é incentivar as exportações das grandes empresas do país. As empresas não só se sentem obrigadas a fabricar produtos atraentes, a custos competitivos, e que possam conquistar participação no mercado internacional, mas os maiores mercados internacionais lhes oferecem a possibilidade de economias de escala.” (RAJAN, Raghuram. Linhas de Falha. P. 90-91, 103-104, 107)
Em síntese, Rajan argumenta que o capitalismo de compadrio funcionaria para alçar países subdesenvolvidos para o desenvolvimento rapidamente, usando o exemplo dos “Tigres Asiáticos”, desde que o subsídio e proteção a alguns fosse seguido de uma rápida inserção no comércio internacional, uma vez que a competitividade do comércio internacional anularia a tendência das empresas “apadrinhadas” de ficarem dependentes da proteção do governo e só se sustentarem com base nessa intervenção governamental em seu favor. Logo, a vantagem de adquirir capital organizacional nas empresas privadas nacionais por meio do capitalismo de compadrio justificaria a adoção deste, mas apenas quando suas desvantagens e incentivos perversos fossem anulados pela disciplina do livre comércio internacional.
O problema desta tese é que o motivo do capitalismo de compadrio dos Tigres Asiáticos ter “funcionado” pode não ter nada a ver com economia, mas sim com política.
Não pretendo esgotar as evidências para minha tese aqui – meu objetivo principal aqui é mostrar que esse curso de eventos não é obviamente explicado por motivos econômicos, como alguns pretendem -, mas sim sugerir qual é a real razão desse suposto sucesso do capitalismo de compadrio em fomentar desenvolvimento em economias exportadoras asiáticas, apesar de todas as evidências existentes de que o compadrio prejudica o crescimento econômico.
Entendo que a razão real seja política. Ajudar elites locais foi necessário para convencê-las a aceitarem maior livre comércio e abertura econômica.
Segundo essa hipótese, a abertura econômica e o maior livre comércio foram o principal motor do crescimento econômico, enquanto o “capitalismo de compadrio” foi basicamente um acordo político, que redistribuía grande parte da renda que seria obtida com o crescimento para as elites locais envolvidas com a indústria subsidiada em troca de que estes elites locais aceitassem a abertura econômica e o maior livre comércio.
A intervenção governamental em favor de setores da indústria, portanto, não foi um requisito econômico para o crescimento desses países, mas sim um requisito político sem o qual as elites locais não concordariam com a abertura econômica que, esta sim, levou ao crescimento.
Duas evidências importantes que podemos mencionar aqui é o sucesso da política do “não intervencionismo positivo” de Hong Kong e que grande parte das chaebol (multinacionais sul-coreanas) foram aniquiladas em duas crises porque eram financeiramente frágeis.
Portanto, é falacioso argumentar em prol do capitalismo de compadrio, quando temos evidências de que esse tipo de política prejudica o crescimento econômico e as vantagens da dinâmica de um mercado não manipulado politicamente, e que a intervenção governamental em favor de empresas nacionais no início do processo de desenvolvimento (nos exemplos históricos citados) é melhor “enquadrada” no curso de eventos como um acordo político para assegurar apoio das elites locais à abertura econômica, não como uma estratégia econômica que por si mesma seria vantajosa.