A dimensão do Milagre Chileno: o que o país alcançou e as dúvidas quanto ao futuro

Por Rodrigo da Silva

 

No último domingo a socialista Michelle Bachelet foi eleita presidente do Chile, aproveitando-se da fragilidade representativa da direita e das feridas abertas pela ditadura militar. Bachelet venceu a disputa em segundo turno enfrentando a economista Evelyn Matthei, Ministra do Trabalho do atual governo Sebastián Piñera, que se tornou candidata após Pablo Longueira, também da Unión Demócrata Independiente e vencedor das prévias do partido, abandonar o pleito alegando sofrer de um quadro de depressão profunda.

Significantes 58,9% dos eleitores aptos a votar não compareceram à primeira eleição facultativa da história democrática chilena. Excetuando os 1,46% que votaram nulo e os 0,57% que votaram em branco, Bachelet foi eleita presidente pela segunda vez recebendo meros 3,4 milhões de votos, num universo de 13,5 milhões de eleitores. Ou seja, pouco mais de 10 milhões de chilenos não votaram na presidente eleita. E a julgar pelo seu discurso de mudanças profundas – que em nada lembram a presidente empossada em seu primeiro mandato, há sete anos – 1/4 do país terá decidido os rumos da economia mais próspera do continente.

Como consequência das reformas econômicas iniciadas ao na década de 1970, sob tutela dos “Chicago Boys”, o Chile se tornou o país mais liberal da América Latina e alcançou índices socioeconômicos superlativos para a região. Atualmente, o Chile é o país com o maior PIB per capita da América Latina, além de liderar outros indicadores no continente como qualidade de vida, estabilidade política, baixa percepção de corrupção, segurança (a taxa de homicídios, a menor do continente, é 25 vezes menor que a venezuelana, a maior do continente), IDH, competitividade, facilidade para fazer negócios e expectativa de vida.

 

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Apesar da tão alarmada desigualdade no Chile, esta vem diminuindo no país na última década. Além disso, o Chile detém os menores índices de pobreza do continente latino americano. Entre 2009 e 2011 o número de indigentes com dificuldade de acesso a uma cesta básica caiu de 3,7% para 2,8% da população, e o país pretende erradicar a pobreza nos próximos cinco anos. Segundo um estudo recente do Banco Mundial, que analisou o período do início dos anos 1990 até o final da década passada, o Chile é o país com a maior mobilidade econômica da América Latina: 60% da população ascendeu socialmente nas últimas duas décadas.

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Durante esse período a economia do país cresceu a uma média de 5,2% ao ano, muito acima do índice regional de 2,6%. E atualmente, sete em cada dez chilenos possuem casa própria. Além disso, um estudo recente mostra que nos próximos 7 anos a classe média alta chilena irá crescer de 6% para 17% da população, se tornando a maior do continente latino americano, enquanto a classe média mais baixa cairá 10%.

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Mas a história não termina aí. Durante a última campanha eleitoral houve um grande alarde da oposição em torno dos problemas na educação chilena, reproduzido com amplo destaque pela imprensa brasileira. Mas ainda que a educação latino-americana não sirva de parâmetro para o mundo desenvolvido, o Chile detém os melhores resultados do setor no continente. O país liderou a América Latina nos dois últimos balanços do PISA, na 44ª colocação geral. Em outros estudos a situação se repete.

E um detalhe importante: ao contrário do que gritam os movimentos estudantis, através de lideranças como a recém eleita deputada Camila Vallejo, o Chile é o país com a maior equidade educacional na América Latina, segundo um estudo do SEDLAC, uma organização ligada ao Banco Mundial. A diferença dos níveis de educação de um rico para um pobre no Chile é menor do que em qualquer outro país no continente.

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O Chile também é o país no continente com o maior nível de escolaridade entre os jovens adultos de 21 a 30 anos e o país em que os mais pobres chegam mais longe na educação (os 20% mais pobres do país estudam em média 11 anos). Além disso, os jovens chilenos de bairros pobres têm 2,5 vezes mais anos de estudo que seus avós e 50% mais que seus pais. O sistema de ensino superior chileno abrange quase 40% dos jovens com idade entre 18 e 24 anos. A cobertura é elevadíssima, especialmente para a região (no Brasil esse número é de 14%). Sete em cada dez universitários são os primeiros de suas famílias a atingir esse nível de ensino.

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Apesar do otimismo e das conquistas, certamente ainda há graves feridas no Chile, um país que há poucas décadas luta para se livrar das chagas de um continente lapidado por instituições extrativistas. Mas as duas últimas décadas provaram que é possível melhorar o padrão de vida da população, especialmente da camada mais pobre, oferecendo liberdade econômica e civil.

Ainda assim, após a divulgação do resultado eleitoral, Michelle Bachelet discursou para um público de cerca de 15 mil pessoas em frente ao Hotel San Francisco, adotando uma postura mais incisiva em defesa de ‘grandes mudanças’ que em seu primeiro mandato, em 2006:

– O Chile, desde o retorno da democracia, avançou muito, mas agora precisa reconhecer que existem novos desafios. Nesta eleição, os eleitores perceberam que este é o momento histórico para fazer as grandes mudanças. (…) Temos condições políticas de fazer as mudanças necessárias. (…) Vamos trabalhar por uma nova constituição, que garanta mais direitos sociais, mais justa com todas as expressões da cidadania, desde os que têm mais aos que tem menos recursos econômicos. (…) Peço a todos os chilenos agora também se comprometam, porque queremos fazer grandes mudanças neste país. Como presidente, é minha responsabilidade liderar este processo, mas para isso também precisarei do apoio de todos os setores políticos e todas as cidadãs e todos os cidadãos chilenos.

Como dizia Milton Friedman, “a solução do governo para um problema  é usualmente tão ruim quanto o problema”.  Há um ponto de interrogação pairando sobre o futuro do Chile hoje. Esperemos que o seu destino passe longe dos velhos fantasmas da opressão militar e dos novos fantasmas do socialismo.

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