Por David Boaz. Tradução de Laura Lira.

Com a histórica decisão da Suprema Corte, boa parte dos americanos hoje apóia o casamento gay. Os liberais foram os primeiros. Até mesmo John Podesta, um dos principais assessores de Bill Clinton, Barack Obama e Hillary Clinton, e fundador do Center for American Progress, reconheceu em 2011 que quinze anos atrás, liberais eram praticamente os únicos a defender abertamente o casamento gay.

Apenas sete anos atrás, na campanha presidencial de 2008, Barack Obama, Joe Biden e Hillary Clinton, principais candidatos do Partido Democrata, eram contra o casamento gay. Já o Partido Libertário apoiava a causa desde seu primeiro programa, de 1972 – mesmo ano em que o candidato democrata à vice-presidência fez referência a “bichinhas” num discurso em Chicago. Em 1976, o Partido Libertário publicou um panfleto pedindo o fim de toda a legislação anti-gay e apoiando o direito integral ao casamento.

Não se trata de uma supresa: afinal, liberais acreditam na garantia de direitos individuais para todos e igualdade perante a lei. Por isso, eles reconheciam os direitos dos gays muito antes de socialistas, social-democratas e conversadores tomarem coragem para fazer o mesmo.

A Declaração de Independência garantiu o direito à vida, liberdade e busca da felicidade para todos os americanos. Claro, nem todos tiveram acessos a estes direitos num primeiro momento. Mas eventualmente as ideias presentes na raiz dos Estados Unidos levaram à abolição da escravidão e, posteriormente, ao reconhecimento dos direitos civis de negros e mulheres. Ainda mais tempo foi necessário para que as pessoas considerassem a sério que a atividade homossexual é assunto privado, onde deve prevalecer a liberdade pessoal e os direitos de gays e lésbicas.

Foram os liberais clássicos, ancestrais dos libertários modernos, os primeiros a reconhecerem este fato. De Montesquieu a Adam Smith no século 18 até o vencedor do Prêmio Nobel de economia F. A. Hayek, que ainda em 1960 (quando a sodomia era crime em todo os Estados Unidos) já afirmava que “práticas privadas entre adultos, mesmo quando tidas como horrendas pelo público geral, não devem sofrer qualquer interferência coerciva do Estado”.

Historiadores vêm observando que existe uma constante ameaça às minorias quando o governo é muito poderoso e aparelhado. Em seu livro Christianity, Social Tolerance, and Homosexuality (Cristianismo, Tolerância Social e Homossexualidade), o historiador John Boswell escreveu que

“gays estavam mais protegidos sob a República Romana, antes do Estado ter a autoridade ou intenção de controlar assuntos da vida pessoal dos cidadãos. Qualquer governo com o poder, a vontade e a intenção de controlar aspectos tão particulares como crença religiosa pode também regular a sexualidade. E, já que gays parecem ser sempre uma minoria, a chance de seus interesses serem levados em conta é muito pequena.”

Em Intimate Matters (Assuntos Íntimos), John D’Emilio and Estelle Freedman observam que um crescente compromisso com a liberdade nos Estados Unidos do século 18 trouxe um “grande declínio na regulação estatal da moralidade e uma mudança das preocupações quanto a transgressões morais privadas às públicas.”

Apesar da influência do liberalismo no mundo, os governos continuaram a se intrometer na sexualidade. Em uma época tão próxima quanto a década de 1960, relações homossexuais eram ilegais em quase todos os estados americanos. Treze deles ainda adotavam leis anti-gays até a Suprema Corte as derrubar, em 2003.

Quando essas leis eram de fato aplicadas, elas tornavam os gays uma subclasse e geravam muita miséria e sofrimento. Gays e lésbicas não podiam ser abertos sobre suas vidas. Se o fossem, estariam arriscando ser demitidos, expulsos de casa e até espancados ou mortos – o que ainda não acontece hoje também, em muitos lugares do mundo. A partir do momento em que os gays começaram a reivindicar seus direitos, as atitudes sociais começaram a mudar e os governos foram recuando. De qualquer modo, até a decisão da corte, as leis contra sodomia ainda eram efetivas, por exemplo, para negar a pais homossexuais a custódia de seus filhos.

Hoje, libertários acreditam, como John Stuart Mill notavelmente escreveu, que “sobre dele mesmo, sobre de seu próprio corpo e mente, o indivíduo é soberano.” Isso serve para os gays e quaisquer outros. Então, libertários continuam se opondo a leis que criminalizem qualquer atividade sexual consensual entre adultos, em qualquer país.

Muito liberais clamam pela completa privatização do casamento, fazendo dele um assunto contratual e – para aqueles que fazem questão – de cerimônia religiosa, acabando com qualquer necessidade de reconhecimento pelo Estado. Enquanto o casamento for regulado pelo governo, porém, casais do mesmo sexo deverão ter os mesmos direitos. A mesma regra se aplica a outros programas governamentais, de leis sobre a previdência social a adoções. Libertários gostariam de deixar o governo longe de vários assuntos, mas enquanto ele estiver envolvido, o governo tem a obrigação de tratar os cidadãos igualmente.

DAVID BOAZ é vice-presidente executivo do Cato Institute e autor do livro The Libertarian Mind, publicado recentemente pela editora Simon & Schuster.

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