As realidades políticas e econômicas estão sempre entrelaçadas. É como se estivessem em uma dança em que cada uma puxa a outra, às vezes muito coladas e outras mais distante, mas nunca completamente separadas. Isso é especialmente forte no Brasil, onde a tara por um projeto de desenvolvimento politicamente planejado é vendida como pré-condição para que o país, um dia, se transforme numa grande potência.
A relação dessas duas realidades faz a roda da fortuna brasileira girar, levando para o céu ou para o inferno as figuras públicas nacionais. Todo fim de um ciclo político sempre esteve relacionado a um fim de um ciclo econômico e vice-versa. Quando olhamos para nossa história republicana, conseguimos identificar quatro ciclos políticos completos. O primeiro ocorre nos anos 30.
Os anos de governo de Artur Bernardes (1922-1926) foram marcados por conflitos – como o do Forte de Copacabana – e um estado de sítio que durou quase todo o seu mandato, uma instabilidade política sem precedentes na ainda jovem república brasileira. O seu sucessor, Washington Luís, não resistiu a isso e a crise econômica que se instaurou em 1929 e foi deposto em um golpe em 24 de outubro de 1930 pelas forças de Getúlio, inaugurando a sua ditadura de quinze anos. Essa crise foi essencialmente política, estava cada vez mais difícil manter o status quo diante da crescente oposição dos centros urbanos e baixos oficiais do exército.
Novos grupos políticos deram início ao segundo ciclo. Eles se inspiravam nas ideologias ascendentes na Europa: o comunismo e o fascismo, e embarcaram (depois, alguns foram expurgados) no autoritarismo getulista e na visão de um Estado forte, centralizador e intervencionista em oposição ao Estado fraco e supostamente liberal que foi deposto – a ideia de ‘República Velha’ vem deste sentimento. Com a crise econômica pós-1929, o getulismo ficou encarregado de fazer nascer um novo ciclo, populista em política e nacional-desenvolvimentista na economia. O getulismo permaneceu firme e forte até 1945, com a saída do Getúlio do palácio do Catete.
Dutra, Getúlio 2.0 e JK mantiveram a mesma lógica política e econômica e eram da mesma elite política dos partidos getulistas – PSD e PTB. Mas a dança continua e o nacional-desenvolvimentismo populista getulista começou a dar com os burros n’água com a deterioração econômica que se inicia no final dos anos 50. Além disso, estava ascendendo uma nova elite política que via aquele populismo como um comunismo envergonhado.
Com o golpe militar, no dia 1° de abril de 1964, instaura-se um novo ciclo e uma nova ditadura com outra política econômica no governo de Castelo Branco oposta ao nacional-desenvolvimentismo anterior, mas a história se encarregou de fazer com que os militares também abraçassem o mesmo nacional-desenvolvimentismo.
Agora, porém, o tom não era mais populista, nem havia um “pai dos pobres” – como alguns chamavam Getúlio. A banda tocava com notas patrióticas e nacionalistas. E o início da derrocada dos militares também começa a partir da economia. O desenvolvimento econômico calcado no mercado interno e no petróleo, com uma economia fechado sofreu um enorme revés com as crises do petróleo culminando na década perdida que foram os anos oitenta.
Os milicos, contudo, fizeram de tudo para se manter no poder mesmo na democracia (por exemplo, impedindo o Brizola de ficar com o PTB), mas os fracassados planos de reajuste econômico de Sarney, como o plano Bresser (engraçado como a gente ainda reverencia um economista que quebrou o país, né?) pavimentaram a tomada do poder de uma nova elite política. O fim de mais um ciclo.
O quarto e último ciclo já fechado é o primeiro do nosso período democrático. O desejo de mudança do início do processo democrático se observa nos candidatos do segundo turno de 89 – Collor e Lula – dois outsiders (ou, pelo menos, diziam ser isso) das antigas elites políticas sejam as favoráveis ou as contrárias aos militares. Com Collor se inicia uma nova política econômica mais baseada em mercados após os repetidos fracassos do nacional-desenvolvimentismo.
Na parte política, o antigo presidente tinha a expectativa, com a criação de um sistema parlamentarista, ficar mais de dez anos no poder. Mas a sua incapacidade de resolver o problema econômico, a violência do confisco da poupança e a falta de pontes com os demais grupos políticos brasileiros fez com que se achasse um Fiat alba e se encerrasse melancolicamente os delírios do caçador de marajás.
E chegamos aos dias de hoje. Estamos vendo o fim de mais um ciclo. Este começou com o governo de coalizão de Itamar que teve um grande objetivo: atacar a inflação. Cria-se o plano real e tem-se uma estabilização da nossa economia que deu resultado. Funda-se uma política econômica calcada no famoso tripé macroeconômico. Do ponto de vista político se consolida uma visão social-democrata contemporânea conhecida como a Terceira Via. Esta reconhece um papel do mercado no desenvolvimento econômico, mas promove ações do Estado para diminuição da pobreza e da desigualdade. FHC cria as diversas bolsas que vão culminar no bolsa-família.
A toda essa política o PT foi contrário e oposicionista até a mudança representada na “carta ao povo brasileiro”. Esta, a história hoje nos mostra, comprovou claramente a adesão do PT (ou do seu grupo majoritário) ao ciclo político que se iniciou com Itamar. Tanto Lula, quanto FHC fizeram esforços claros para garantir que essa continuidade existisse e fosse reconhecida (sobre o processo de transição entre os governos eu recomendo a leitura de 18 dias). De fato, o que se observa é que Lula seguiu e aprofundou as políticas de seu predecessor. E deu certo: o país cresceu e reduziu a desigualdade e a pobreza absoluta mesmo vindo de um período de caos que foram os anos oitenta.
No entanto, com a ascensão da ‘nova matriz econômica’ a partir da metade do segundo governo lula começa o fim do ciclo que estamos vivendo. Dilma foi eleita e reeleita na promessa de defender e aplicar essa nova política econômica. Como visto, essa política fracassou de maneira retumbante, fazendo uma necessidade gritante uma nova política econômica. Na dança a economia puxou a política para a crise e vendo a deterioração do pais as forças políticas que sustentavam a Dilma estão, uma a uma, pulando fora. Dilma e seu governo, portanto, sucumbiram e em gestos cada vez mais desesperados tentam não se tornar uma das presidências mais fracassadas da história recente do Brasil.
Por isso, a Dilma já caiu. O projeto político que ela buscava implantar foi para o espaço. A presença física dela no segundo andar do palácio do planalto é um detalhe, o poder de fazer qualquer coisa efetiva já não está nas suas mãos e ela vai se arrastar até o fim como aconteceu com Sarney ou vai efetivamente sair da presidência por algum motivo que as elites políticas conseguirem achar, como aconteceu com Collor. Com isso, foi o projeto petista de ficar 24 anos na presidência.
Agora o que se vê são os grupos políticos estão se reorganizando para um novo. Estamos a véspera de um ‘admirável mundo novo’ com novos grupos e forças políticas e, talvez, novos projetos de política econômica. Lula, sendo o gênio político que é, já percebeu e oficialmente já jogou a sua pupila para os leões e está se preparando para essa nova realidade com uma ‘Frente Brasil Popular’ que, na prática, seria uma consolidação do Lulismo como um Peronismo à brasileira, ou seja, cada vez mais personalista, sem o intermédio de um partido institucionalizado como fora outrora e calcado no discurso de ‘nós’ contra ‘eles’ que contaminou grupos governistas depois do mensalão.
Lula está indo para o tudo ou nada: ou consegue se sair vitorioso com somente as suas forças ou vai voltar a ser um coadjuvante na política nacional. O PMDB, por sua vez, se prepara para o seu primeiro voo solo desde a candidatura de Ulysses Guimarães em 1989 e, quem sabe, se consolide como uma força de centro minimamente organizada.
Na oposição se observa a ascensão de novos grupos políticos. Evangélicos e conservadores estão cada vez ganhando espaço e não estão comprometidos com nenhum dos pactos das antigas elites. Querem mudanças profundas na realidade política. No mesmo barco estamos nós, liberais, em que pese os motivos completamente diferentes pelos quais advogamos mudanças significativas na realidade política brasileira. Os resultados eleitorais mostram que esses grupos estão ficando mais fortes e, eventualmente, serão uma força relevante.
Nada disso, porém, é mais louvável do que a estabilidade institucional dentro da qual essas mudanças profundas estão ocorrendo. Em 1930 e 1964 ocorreram através de golpes dados de armas em mão. Hoje, o máximo que se advoga é processos que ocorrem dentro das instituições e com regras claras e bem estabelecidas.
Dilma já caiu, mas o nosso estado de direito continua vivo, talvez mais vivo do que nunca.