Síntese de artigo publicado no periódico acadêmico Anagrama.
Em 1988, os meios de comunicação chilenos, em especial a televisão, desempenharam um papel decisivo para a derrocada pacífica do regime militar de Augusto Pinochet no plebiscito daquele ano, a partir da veiculação da exitosa campanha de propaganda eleitoral pela opção “No” (Não) à continuidade do general no poder. Pela primeira vez em 15 anos os lares de todas as partes do Chile recebiam em seus televisores conteúdos, informações e opiniões contrários ao governo, que exerceu forte controle sobre a mídia e grupos opositores desde o primeiro dia do golpe contra o governo democrático de Salvador Allende Gossens.
O triunfo do “No” confirmou uma tendência inevitável que a sociedade e mídia chilenas dos anos 80 apresentavam, com uma crescente pressão social pela libertação das amarras autoritárias e instrumentos de repressão sobre os cidadãos. Por conta da adesão da grande mídia ao Regime – seja por meio de censura ou afinidade ideológica – há poucos estudos sobre o impacto de sua atuação para a redemocratização do país; em geral, aponta-se que os veículos alternativos, por seu caráter contestador, tiveram maior relevância para o retorno à democracia. Claramente, estes periódicos foram essenciais na luta pela reconquista da liberdade de expressão, porém não foram os únicos responsáveis.
Os meios tradicionais de comunicação massiva e o contexto de liberalismo econômico ao qual estavam submetidos foram determinantes para que a pressão pela liberalização política do Chile se tornasse insustentável para Augusto Pinochet e seus comandados.
Em 1987, os lares de todo o Chile acompanharam atentamente cada passo e cada palavra do Sumo Pontífice em sua visita oficial, graças à cobertura oficial do Canal 13, então controlado pela Pontifícia Universidade Católica do Chile. Em meio a protestos e palavras de ordem contra o regime, o acontecimento histórico marcou uma divisão de águas na cobertura da grande imprensa sobre os assuntos nacionais: a pressão pela saída de Pinochet estava na pauta da grande imprensa. A comoção nacional se deu com as palavras do papa, que indiretamente inspirou os chilenos a lutarem pela liberdade.
Ao mesmo tempo em que se travava a batalha política pela redemocratização, os meios de massa, especialmente a televisão, viviam um cenário financeiro muito favorável, graças às amplas liberdades econômicas que desfrutavam: entre 1970 e 1983, aumentou seis vezes o número de aparelhos de TV, chegando a 95% dos lares. Veja os dados:
Ano |
1970 | 1974 | 1980 | 1983 |
Aparelhos de televisão por 1.000 habitantes | 53 | 121 | 205 | 302 |
Fonte: J. J. Brunner, y C. Catalán, “Industria y mercados culturales en Chile: Descripción y cuantificaciones”, Documento de Trabajo Nº 359, Flacso, Santiago de Chile, 1987.
Assim, a televisão ocupava papel central na comunicação. Uma pesquisa de consumo cultural realizada em 1987 apontou que 91,3% dos entrevistados afirmavam ter assistido televisão nos últimos dias. O investimento publicitário também cresceu na década de 1980, equivalendo a 1% do PIB em 1989 (61,8 bilhões de pesos). A injeção de mercado consumidor e investimento de anunciantes, associada à política econômica liberal, fez com que a grande imprensa operasse basicamente como qualquer mercado, por meio da ação de agentes privados. Até mesmo os meios de comunicação estatais operavam na base do autofinanciamento, reduzindo a ingerência do governo sobre a administração destes.
Nas palavras de Eugênio Tironi e Guillermo Sunckel:
“Este processo de modernização, que é promovido pela estratégia econômica impulsionada pelo próprio regime autoritário, terá um impacto liberalizante muito mais profundo que o da imprensa marginal de oposição. Em grande parte, isso se deve a que, enquanto os meios de comunicação opositores estiveram sempre limitados a suas clientelas políticas, o impacto dos modernos meios de comunicação de massa será efetivamente massivo, gerando dinâmicas e processos desencadeantes da transição [democrática]. Estas dinâmicas não são promovidas por estes meios em razão de uma firme convicção democrática; elas respondem mais a razões estritamente de mercado. […] Com efeito, os meios experimentaram a partir da metade dos anos oitenta uma extrema dificuldade para lidarem com o marco ideológico da modernidade – que se apresentam ao público como portadores – sem tomar distância da incongruência produzida entre um regime de liberdades no plano econômico e restrições operacionais no plano político. […] O fato é que os meios de comunicação pressionarão de forma efetiva o regime autoritário pela superação dos controles políticos que, ao introduzirem “ruídos” no sistema comunicativo, afetavam a credibilidade e possibilidades de expansão dos veículos de comunicação.”
Sobre os controles políticos, notadamente a censura, o canal Chilevisión produziu uma série de quatro capítulos com os materiais audiovisuais e a história dos mecanismos de repressão utilizados pela ditadura de Pinochet, uma das mais violentas da América Latina.
Neste momento, é possível enxergar claramente a operacionalização empírica da tese de Milton Friedman a respeito da relação entre liberdade econômica e liberdade política. “O tipo de organização econômica que proporciona a liberdade econômica direta, ou seja, o capitalismo competitivo, também promove a liberdade política porque separa o poder econômico do poder político e, desta forma permite àquele superar este”.
Esta hipótese se confirma quando a TV experimenta, no final dos anos 80, importantes acontecimentos comunicacionais nos últimos atos da ditadura militar. O principal deles é a exibição da propaganda política obrigatória prévia ao plebiscito de 1988, onde os chilenos escolheriam SI (Sim) ou NO (Não) à continuidade de Pinochet no poder.
A estratégia do NO tinha ofertas definidas a partir de técnicas comerciais de publicidade, como estudos de opinião pública, para responder aos anseios (demandas) da sociedade chilena: reconciliação e coesão social; respeito aos direitos humanos com o fim do terrorismo de estado e do aparelhamento da política pelos empresários; plataforma econômica para dar oportunidades a todos; e abertura da política à cidadania.
Por outro lado, a campanha do SI investiu em uma mentalidade atrasada, associando o NO ao retorno aos tempos de caos social, econômico e político, escassez, fome, pobreza em massa e estatismo desenfreado. No final, a alegria do NO vence o medo do SI, com 55,99% dos votos, contra 44,01% da chapa oficialista.
Uma análise do filme “No”, de 2012 mostra exatamente que a democracia era um produto altamente atraente para os chilenos em 1988 e, portanto, uma ideia de fácil “venda”. Era impossível para a campanha do SI lutar contra valores universais prometidos pelo NO, como paz, alegria, amor, coesão social, diversidade.
Considerando que a ditadura e a economia livre transformaram para sempre o ethos dos chilenos, a campanha do NO atua de forma muito inteligente, oferecendo à cidadania um produto que correspondia aos seus anseios, a democracia, em uma roupagem que se incorporou à rotina do país graças à política econômica adotada pelo governo militar. Isso nos mostra a relevância da liberdade econômica, a ponto de ser uma ferramenta contra regimes autoritários.