Se você tivesse que apontar o país do mundo onde as mulheres mais sofrem com a desigualdade de gênero, qual seria sua escolha? Índia, Sudão, Afeganistão? Um país ocidental certamente nunca passaria pela sua cabeça.
Por pior que possamos achar que esteja a situação da mulher por aqui, não somos apedrejadas em praça pública por cometer adultério, não temos o clítoris mutilado para que não tenhamos prazer sexual, nem sofremos estupro coletivo previsto nos termos da lei. Mas o objetivo desse texto não é colocar o machismo em uma perspectiva geográfica, e sim avaliar as causas dessa diferença – e suas soluções.
Parece um pouco etnocentrista atribuí-la somente à questão cultural, embora esta seja relevante. Dificilmente teríamos a liberdade que temos hoje sem o advento do iluminismo e de personagens como Olympe de Gouges, que com a Declaração Universal dos Direitos da Mulher e da Cidadã (ainda hoje muito condizente com a tradição liberal clássica) inspirou inúmeros movimentos sufragistas/feministas ao redor do mundo. Mas será que é só isso? Se nós conseguimos tal avanço cultural, o que está segurando as mulheres ocidentais?
Lembra quando o seu professor de história falou que durante a revolução industrial a necessidade de mão de obra era tanta que até mulheres começaram a trabalhar, mesmo ganhando menos que os homens? Ele provavelmente falou isso em um sentido negativo, dadas as péssimas condições de trabalho em que as trabalhadoras foram inseridas no mercado de trabalho, mas, bom, foi aí que elas foram inseridas. E foi aí que a mulher começou a ganhar a independência financeira do homem, essencial para que se pensasse em independência cultural. E é isso que falta às nossas colegas orientais: o poder do mercado.
Você certamente sabe que as mulheres sofrem absurdamente com a desigualdade de gênero em termos legais nesses países. Existem leis diferentes para homens e mulheres e esse fato é em geral atribuído à cultura machista. As leis não são, entretanto, simples consequência do machismo, mas sua principal ferramenta de manutenção, em especial as que dizem respeito aos direitos de propriedades.
Na Índia, os direitos das mulheres à propriedade são ditados por uma teia complexa de leis estatutárias, leis do direito pessoal, usos e costumes sociais. As leis do direito pessoal regem as questões de direito de família e determinam a parte duma mulher nos bens dos seus pais ou nos bens matrimoniais. A aplicabilidade de qualquer conjunto de leis do direito pessoal depende da filiação religiosa duma pessoa.
As mulheres hindus, por exemplo, estão sujeitas à Lei do Matrimónio Hindu de 1955 e pela Lei Hindu da Sucessão Hereditária de 1956. Esta última até reconhece desde 2005 as mulheres como herdeiras de propriedades agrícolas, mas ao mesmo tempo nega a elas o direito à divisão da herança, a menos que seus irmãos homens façam o pedido na justiça. A Lei do Matrimônio proíbe à mulher que ela herde os bens do falecido marido em caso de viuvez e também a impede de pedir divórcio ou separação de bens do cônjuge. Isso significa que, legalmente, é praticamente impossível para a mulher possuir qualquer tipo de propriedade, o que a acorrenta permanentemente ao homem. As mulheres indianas vivem em um mundo capitalista, mas estão à margem do mercado, podendo usufruir dele somente o que o marido consentir, e impedidas de serem membros ativos deles.
Existe uma correlação forte entre independência financeira e libertação de opressões. No nordeste brasileiro o Bolsa-Família tem feito esse papel, como ressalta a antropóloga Walquiria Domingues Leão Rego:
“Boa parte delas têm uma renda fixa pela primeira vez. E várias passaram a ter mais dinheiro do que os maridos”. Mais do que escolher entre comprar macarrão ou arroz, o Bolsa-Família permitiu a elas decidir também se querem ou não continuar com o marido. “Na primeira entrevista feita, em abril de 2006, com Quitéria Ferreira da Silva, de 34 anos, casada e mãe de três filhos pequenos,em Inhapi, perguntei-lhe sobre as questões dos maus tratos. Ela chorou e me disse que não queria falar sobre isso. No ano seguinte, quando retornei, encontrei-a separada do marido, ostentando uma aparência muito mais tranquila.”
Está claro que a luta feminista se beneficiaria enormemente de liberdade econômica para todas as mulheres. É comum que pensemos em grupos que sofrem opressão como necessitários de algum tipo de ajuda ou ação reparatória, mas o que realmente precisamos fazer por eles é quebrar os mecanismos que os mantêm nesta situação de desvantagem e que os impedem de libertar-se daqueles que os oprimem. Para as mulheres, isso significa garantir que elas não sejam reféns da renda do marido, concedendo-lhes o direito à propriedade e à sua inclusão no mercado – o que também passa por reduzir as barreiras burocráticas que dificultam o empreendedorismo. Para que as mulheres possam dirigir suas próprias vidas, nada mais eficiente que dar-lhes primeiro as condições necessárias para dirigir sua própria conta bancária.