O avanço da liberação feminina no último século é algo impressionante e difícil de passar despercebido. Em sua obra clássica sobre a situação das mulheres no século XIX, Hariett Taylor e João Stuart Mill relatavam um cenário em que elas não tinham direito legal algum à propriedade – nem mesmo ao dinheiro herdado de sua família; eram proibidas por lei de exercer diversas profissões; não tinham direitos sobre seus filhos; e tampouco tinham quaisquer direitos políticos. Felizmente, apesar de algumas exceções importantes, essas barreiras legais explícitas são parte do passado na maior parte do mundo.

Mas, a despeito de todos esses avanços, mulheres ainda sofrem significativamente com padrões de gênero assimétricos. Por exemplo, segundo dados do IBGE, enquanto os homens gastam, em média, 10,5 horas por semana com afazeres domésticos (limpeza, culinária, cuidar dos filhos etc.), as mulheres gastam mais que o dobro: 24,5 horas por semana.

Tais padrões de gênero assimétricos têm implicações importantes não somente para as mulheres, mas para toda a economia nacional. Este artigo traz diversos dados sobre a factualidade estatística do machismo, suas implicações econômicas e algumas potenciais soluções para resolver esses problemas no longo prazo.

No Brasil e no mundo, mulheres ganham menos na mesma profissão, com a mesma experiência e mesma qualificação

Em média, mulheres brasileiras ganham 20% a menos do que os homens. De fato, como apontam algumas pessoas, uma parte dessa diferença é explicada por uma série de características diferentes entre homens e mulheres. Por exemplo, há menos mulheres em profissões que em geral pagam mais (como engenharia ou ciência e tecnologia), e essas diferenças nas escolhas profissionais médias entre homens e mulheres contribuem para explicar as diferenças salariais entre os grupos.

O problema é que isso só é parcialmente verdadeiro. Um estudo realizado pela Fundação de Economia e Estatística do Governo do Rio Grande do Sul concluiu que as diferenças de educação, idade, experiência, sindicalização, horas trabalhadas, geografia e características da indústria onde as pessoas trabalham podem explicar cerca de 2/3 das diferenças salariais entre homens e mulheres. Ou seja, mesmo depois de consideradas basicamente todas as características que podem, em teoria, influenciar seu salário, ainda persiste inexplicado 1/3 da diferença salarial entre homens e mulheres.

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Se as diferenças salariais não podem ser explicadas por nenhuma das características listadas acima, isso parece uma forte indicação de que o machismo continua a influenciar as discrepâncias de remuneração entre homens e mulheres. E é interessante perceber que essa situação não é exclusividade do Brasil. Um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos, um centro de estudos dos países ricos, usou um método similar e concluiu que, na maioria de seus países membros, ao menos parte das discrepâncias salariais entre homens e mulheres não pode ser explicada pela diferença nas características profissionais, educacionais e familiares entre os grupos. Veja abaixo.

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Para além da parte da desigualdade salarial não explicada pela diferença de características entre homens e mulheres, é importante perceber que o machismo é uma das causas dessas disparidades de características. Você pode se espantar, mas na década de 1960 a revista Cosmopolitan declarava que as mulheres tinham um “talento natural” para ciência da computação. Hoje, a área é dominada por homens. O que aconteceu? Uma pesquisadora da Universidade da Califórnia, após pesquisar o assunto, concluiu que ter um computador quando criança é a variável mais importante para explicar o desejo de alguém se tornar um cientista da computação. Mas, durante as décadas de 1980 e 1990, computadores eram tidos como presentes para meninos, e não para meninas. Nesse período, a participação de mulheres em cursos de ciência da computação nos EUA despencou. Veja abaixo.

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Também é verdade que mulheres estão mais dispostas a sacrificar sua carreira para se dedicar à família. Com isso, elas trabalham menos horas por semana. Quando se trabalha menos horas por semana, faz sentido que o salário seja menor. Mas essa disposição existe, em grande medida, porque se espera que elas sacrifiquem suas carreiras para se dedicar às famílias. Quantos homens estão dispostos a fazer o mesmo? Poucos, certamente. Se para uma mulher é socialmente aceitável fazer isso, para um homem isso ainda é um estigma. Por isso, essas estruturas de incentivo acabam criando essas diferenças nas preferências.

Assim, o machismo contribui para essa disparidade de remuneração de duas formas:

  1. Na formação de preferências díspares que levam a características diferentes entre os grupos; e
  2. Na existência de um hiato salarial, mesmo depois de feito um controle por essas diferenças.

Implicações econômicas das desigualdades de gênero

A influência mais direta das desigualdades de gênero sobre a economia é refletida na menor participação das mulheres na força de trabalho. Com menos trabalhadores produzindo, há menos especialização econômica, sub-utilização de talentos na sociedade, menor crescimento e menos prosperidade. Além disso, como mulheres tendem a ter mais anos de educação que homens, ter menos mulheres empreendedoras diminui a inovação da economia.

Embora na grande maioria dos países mulheres tenham uma participação da força de trabalho proporcionalmente menor que a dos homens, esse efeito é mais acentuado em países de renda média – como o Brasil. A lógica é a seguinte. Em países muito pobres, mulheres não têm opção senão acumular as tarefas domésticas com um trabalho externo para garantir a subsistência de sua família. À medida que a sociedade enriquece, mulheres passam a poder ficar em casa com os filhos, enquanto a renda do outro cônjuge sustenta o lar. Finalmente, quando um país acumula suficiente capital humano e amplia serviços especializados – como creches, por exemplo -, mulheres podem voltar à força de trabalho e contribuir para o crescimento econômico. É essa redução proporcional entre países de renda média que explica o formato em “U” da curva do gráfico abaixo.

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Dois economistas catalãs estimaram o impacto negativo disso sobre a renda em diversas regiões do planeta. No Brasil, o aumento da renda média devido a uma maior participação feminina no mercado de trabalho e entre os empreendedores seria de cerca de 15%. Por mais machista que um homem possa ser, um aumento de 15% em sua renda é um bom incentivo para que ele divida o fardo das tarefas domésticas com as mulheres, não? Como esperado, o Oriente Médio, região com maiores restrições legais e culturais à inserção feminina na economia, seria aquela que mais se beneficiaria com a eliminação dessas barreiras, vendo sua renda per capita aumentar em quase 38%. Os resultados estão resumidos no gráfico abaixo.

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E quais as soluções para esse problema?

Das duas seções anteriores, percebe-se que o machismo é real e tem implicações econômicas importantes. Frente a essa realidade, muitas vezes a primeira reação que temos é querer criar uma lei que melhore a situação das mulheres. Por exemplo, se a sociedade espera que as mulheres cuidem das crianças, parece justo que elas possam passar um tempo em casa, recebendo seu salário, mesmo sem trabalhar para poder fazer isso, não? Justíssimo.

O problema é que, mesmo tendo a melhor das intenções, muitas vezes leis têm algumas consequências indesejadas. Se a licença maternidade for muito grande, isso pode desincentivar os empregadores a contratar mulheres e expulsá-las da força de trabalho. De fato, entre os países que adotam o mesmo modelo que o Brasil, aqueles que têm uma licença maternidade maior têm uma menor participação das mulheres na força de trabalho. Veja abaixo.

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Algumas políticas podem ser melhor desenhadas. Por exemplo, se a licença maternidade pudesse ser distribuída livremente entre os pais, tanto para homens quanto para mulheres (e homens, de fato, dividissem o fardo dos filhos para deixar que suas mulheres voltassem a trabalhar), empregadores teriam menos incentivos para evitar mulheres. Além disso, a volta ao trabalho feminino está fortemente associado ao custo e à disponibilidade de creches e pré-escolas. O governo poderia facilitar a abertura e zerar os impostos sobre creches – ou mesmo redirecionar os gastos com universidades públicas, que tendem a beneficiar os mais ricos, para creches públicas ou vale-creches que mulheres pobres poderiam utilizar para matricular seus filhos em creches privadas, por exemplo.

Mas as mudanças mais importantes que se fazem necessárias são culturais. Naturalmente, se o fardo dos afazeres domésticos mencionado no começo do artigo fosse melhor dividido, mais mulheres poderiam trabalhar fora de casa. Mas se essa é uma mudança muito lenta e difícil, há algumas outras que são mais fáceis.

Dados organizados por uma economista de Harvard mostram que a diferença salarial entre homens e mulheres tende a aumentar bastante na idade de criação dos filhos – entre os 30 e 45 anos -, enquanto ela é menor antes e depois desse período (veja o gráfico abaixo). Isso se deve em grande parte ao fato de, com filhos, mulheres tenderem a trabalhar um número menor de horas semanais que homens. Por isso, se as empresas passarem a ter uma cultura de horas mais flexíveis ou que permita mulheres trabalharem de casa, a escolha entre família e carreira será menos explícita e essas desigualdades tenderão a diminuir.

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A boa notícia é que, como você pode ver no mesmo gráfico, essas diferenças estão sendo reduzidas ao longo do tempo. Essa convergência é decorrente de dois fatores principais. Inicialmente, a batalha das ideias travada pelas várias ondas dos movimentos de liberação feminina foram determinantes para reduzir as barreiras legais e culturais que geravam uma grande parte dessas desigualdades. Além disso, onde as mudanças culturais foram mais lentas, a própria inovação tecnológica e o progresso econômico contribuíram para a liberação feminina. No vídeo abaixo, o médico e estatístico sueco Hans Rosling conta a fascinante história de como o enriquecimento tem levado à melhoria da vida das mulheres que sofrem com o fardo dos afazeres domésticos em seu dia-a-dia.

 

 

Esses avanços são sinais importantes que demonstram que, apesar de estruturas discriminatórias como o machismo serem persistentes e prejudiciais à sociedade, elas podem mudar. Elas mudam com o progresso econômico – mas mudam também com o avanço de uma cultura de igualdade e liberdade. E, quanto mais você se informar sobre a realidade dessas discriminações, melhor vai ser a sua sociedade no futuro. Para suas filhas, certamente. Mas também para os seus filhos.

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