Por Matt Zwolinski

Tradução por Pedro Galvão de França Pupo, texto original aqui

Zwolinski argumenta que alguns dos resultados do princípio da não agressão logicamente significam que nós devemos questionar a sua aplicação universal

Muitos libertários acreditam que toda a sua filosofia política pode ser resumida em um único princípio simples.

Esse princípio – o “princípio da não agressão” ou “axioma da não agressão” (a partir de agora “PNA”) – afirma que a agressão contra a pessoa ou propriedade de outros é sempre errado, onde agressão é definido de maneira restrita como sendo o uso ou a ameaça de violência física.

A partir desse princípio, muitos libertários acreditam, o resto do libertarianismo pode ser deduzido como uma simples questão de lógica. Qual é a posição libertária sobre leis de salário mínimo? Agressão, portanto errado. E quanto a leis contra discriminação? Agressão, portanto errado. Escolas públicas? Mesma resposta. Estradas públicas? Mesma resposta. O libertário armado com o PNA não precisa estudar a fundo história, sociologia, ou economia empírica. Com um pouco de lógica e muita fé nesse axioma básico da moralidade, praticamente qualquer problema político pode ser resolvido com facilidade sem sair da sua poltrona.

À primeira vista, a proibição de agressão do PNA se encaixa bem com o senso comum. Afinal de contas, quem não acha que é errado roubar a propriedade de outros, bater em pessoas inocentes, ou obrigar outros a trabalhar pelo seu próprio benefício?

E se é errado para nós fazermos essas coisas como indivíduos, por que seria menos errado fazermos como um grupo – como um clube, uma gangue, ou… um Estado?

Mas a plausibilidade do PNA é superficial. Naturalmente, é senso comum pensar que agressão é uma coisa ruim. Mas não é senso comum acreditar que agressão é absolutamente ruim, tão ruim que evitar agressão tem prioridade sobre quaisquer outras considerações possíveis de justiça ou moralidade política. Existe uma grande diferença entre uma presunção forte mas defensável contra a justiça da agressão e uma proibição absoluta e universal. Como Byran Caplan disse, se você não consegue pensar em exemplos contrários à segunda posição, você não está se esforçando o suficiente.

Mas eu estou aqui para ajudar.

No restante deste artigo, eu quero apresentar seis razões para libertários rejeitarem o PNA. Nenhuma delas é original minha. Cada uma delas é logicamente independente das outras. Tomadas em conjunto, eu acho, elas compõem um argumento bem forte.

1. Proíbe toda poluição – como eu notei no meu último post, o próprio Rothbard reconheceu que a poluição industrial viola o PNA e portanto deve ser proibida. Mas Rothbard não percebeu todas as implicações do seu princípio. Não só poluição industrial mas a poluição pessoal produzida ao dirigir um carro, queimar madeira na própria lareira, fumar, etc. tudo isso viola o PNA. O PNA implica que todas essas atividades devem ser proibidas, não importa o quão benéficas elas possam ser em outros aspectos, e não importa quão essenciais elas sejam para nossa vida diária no mundo industrializado moderno. E isso é muito implausível.

2. Proíbe prejuízos pequenos que podem trazer benefícios grandes – O PNA proíbe toda poluição, porque a sua proibição da agressão é absoluta. Nenhuma agressão, não importa o quão pequena, é moralmente permissível. E nenhuma quantidade de benefícios compensatórios pode mudar esse fato. Mas suponha, pegando um exemplo de Hume, que eu possa impedir a destruição do mundo inteiro se eu arranhar levemente o seu dedo? Ou, para usar um exemplo mais plausível, suponha que, ao impor um pequeno imposto a bilionários, eu possa dar vacinas de graça que vão salvar a vida de dezenas de milhares de crianças desesperadamente pobres? Mesmo se concedermos que impostos são uma forma de agressão, e que em geral a agressão é errada, é realmente tão óbvio que a agressão relativamente pequena envolvida nesses exemplos é errada, considerando os benefícios enormes que ela produziria?

3. Atitude tudo-ou-nada em relação a risco –  O PNA claramente implica que eu não posso atirar na sua cabeça. Mas, usando um exemplo de David Friedman, e se eu meramente arriscar atirar na sua cabeça colocando uma bala em um revólver de seis balas, girando o cilindro, mirando na sua cabeça, e apertando o gatilho? E se não for uma bala, mas cinco? Naturalmente, quase tudo que fazemos impõe algum risco a pessoas inocentes. Corremos esse risco quando dirigimos na estrada (e se sofrermos um ataque cardíaco ou ficarmos distraídos), ou quando pilotamos aviões sobre áreas densamente povoadas. A maior parte de nós acredita que alguns desses riscos são justificáveis, enquanto que outros não são, e que a diferença entre eles está relacionada com a extensão e probabilidade do dano envolvido, a importância da atividade arriscada, e a disponibilidade e custo de atividades menos arriscadas. Mas considerações como essas não tem nenhum peso na proibição absoluta de agressão do PNA. Esse princípio parece compatível com somente duas regras possíveis: ou todos os riscos são permissíveis (porque eles não são realmente agressão enquanto não resultam em agressão de fato) ou nenhum risco é (porque eles são agressão). E nenhuma dessas regras parece sensata.

4. Nenhuma proibição da fraude –  Libertários geralmente dizem que a violência pode ser usada de forma legítima para impedir ou o uso de força ou fraudes. Mas de acordo com o PNA, o único uso legitimo de força é para prevenir ou castigar a iniciação de violência física por outros. E fraudes não são violência física. Se eu te disser que o quadro que você quer comprar é um Renoir legítimo, e ele não for, eu não cometi uma agressão física contra você. Mas se você comprar o quadro, descobrir que é uma falsificação, e então mandar a polícia (ou sua agência de proteção) para a minha casa para pegar seu dinheiro de volta, então você está me agredindo. Assim, não somente o PNA não resulta em uma proibição de fraudes, ele é totalmente incompatível com essa proibição, já que o próprio uso de força para proibir fraudes consiste em um ato de violência física.

5. Parasita uma teoria de propriedade –  Mesmo se o PNA estiver correto, ele não pode servir como o princípio fundamental da ética libertária, porque seu significado e força normativa são inteiramente dependentes de uma teoria subjacente de propriedade. Suponha que A está andando por um campo vazio, quando B salta dos arbustos e bate na cabeça de A. Certamente parece que B está agredindo A nesse caso. Mas do ponto de vista libertário, isso vai depender inteiramente dos direitos de propriedade relevantes – especificamente, quem é o dono do campo. Se é o campo de B, e A estava atravessando ele sem a permissão de B, então na verdade A é que estava agredindo B. Logo, “agressão”, do ponto de vista libertário, não significa realmente violência física. Significa “violação de direitos de propriedade.” Mas se isso é verdade, então o foco do PNA em “agressão” e “violência” é, no melhor dos caso,s supérfluo, e, no pior deles, equivocado. É a aplicação de direitos de propriedade, e não a proibição da agressão, que seria fundamental ao libertarianismo.

6. Mas e as crianças??? – Uma coisa é dizer que agressão contra outros é errado. Outra coisa bem diferente é dizer que essa é a única coisa errada – ou o único erro que deve ser prevenido ou retificado pelo uso de força. Mas, no seu extremo lógico, como Murray Rothbard considerava, o PNA implica que não há nada de errado em permitir que o seu filho de três anos morra de fome, contanto que você não use força para prevenir ativamente que ele obtenha comida sozinho. Ou, pelo menos, ele implica que seria errado alguém, por exemplo, invadir a sua propriedade para dar um pedaço de pão para a criança que você está deliberadamente matando de fome. Eu acho que isto é uma reductio (redução ao absurdo) bem devastadora da visão de que direitos positivos nunca podem ser garantidos por coerção. O fato de que foi o próprio Rothbard que apresentou essa reductio sem, aparentemente, perceber o absurdo que havia constatado, é de difícil compreensão.

Claro que existem mais coisas a dizer sobre cada uma dessas razões. Libertários não escreveram muito sobre a questão da poluição. Mas eles tem estado ciente do problema da fraude pelo menos desde que James Child publicou seu famoso artigo sobre o assunto no jornal Ethics em 1994, e tanto Bryan Caplan quanto Stephan Kinsella tentaram lidar com ele (de maneira insatisfatória, na minha opinião). De maneira semelhante, Roderick Long tem algumas coisas caracteristicamente inteligentes e pensativas a dizer sobre a questão das crianças e sobre direitos positivos.

Libertários são pessoas criativas. E eu não tenho dúvidas que, dado tempo o suficiente, eles consigam pensar em mil maneiras de ajustar, consertar, e contextualizar o PNA para fazer algum progresso na resolução dos problemas que eu citei neste artigo.

Mas chega um momento em que acrescentar outra camada de epiciclos à sua teoria não parece mais o melhor jeito de proceder. Chega um momento em que você não precisa refinar um pouco mais a definição de “agressão”, mas sim de uma mudança de paradigmas radical em que deixamos de lado a ideia de que a não-agressão é o centro único e imóvel do universo moral. O libertarianismo precisa da sua própria Revolução Copernicana.

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