Por Valdenor Júnior

 

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A imagem acima foi extraída de uma página do facebook. Algumas pessoas acreditam que isso seja intuitivamente óbvio. Se temos pessoas muito pobres de um lado, e pessoas muito ricas de outro, a solução é pegar o dinheiro/bens/recursos dessas e transferi-los para aquelas. Um estilo Robin Hood de ajudar os pobres.

Você deve lembrar o amplo alcance da notícia de um relatório da ONG Oxfam que concluiu que as 85 pessoas mais ricas do mundo têm um patrimônio de US$ 1,7 trilhão, o que equivale ao patrimônio de 3,5 bilhões de pessoas, as mais pobres do mundo, e que a riqueza do 1% das pessoas mais ricas do mundo equivale a um total de US$ 110 trilhões, 65 vezes a riqueza total da metade mais pobre da população mundial. Aliás,  o  mesmo relatório conclui que, nos últimos 25 anos, a riqueza teria ficado mais concentrada. Muitas pessoas são estimuladas por uma notícia como essas a concordar com a ideia da imagem acima.

Mas isso é um problema recorrente do próprio caráter da “notícia jornalística” matinal: não tem poder explicativo, aumenta erros cognitivos, e pode ser bastante enganadora por ser apenas o “recorte” de um diminuto intervalo no tempo, no horizonte de eventos relevantes. Uma forma mais sistemática de abordar os dados, como a usada na ciência, é muito mais preferível, mesmo que exija uma autodisciplina maior da mente. Então, vamos primeiro ver o que a própria ONU tem a dizer.

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Você lembra dos “objetivos do Milênio” da ONU? O primeiro dizia respeito à pobreza:

Índice

Olha só o objetivo, “erradicar a extrema pobreza e a fome”. A imagem que eu tirei do facebook sugere que o objetivo 1 poderia ser alcançado acabando com a riqueza extrema (talvez com a economia de mercado) e a notícia sobre a OXFAM sugere que estamos indo mal, já que a riqueza está nas mãos de poucos. Mas os dados coletados pela ONU, referendam isso?

A resposta é simples: não. A pobreza extrema é definida como viver com menos de 1,25 dólares por dia, e a meta da ONU para 2015 era cortar a pobreza extrema pela metade. Isso mesmo, pela metade, até o ano que vem. Mas,  em um relatório do ano passado acerca do andamento dos Objetivos do Milênio, você descobre que esse objetivo já foi alcançado há 3 anos atrás, em 2010. Para ser mais exato: em 1990, 47% das pessoas vivendo nos países subdesenvolvidos viviam na extrema pobreza; em 2010, essa proporção caiu para 22%.

Você pode ver isso em um gráfico disponibilizado no relatório, mostrando o declínio da extrema pobreza em todas as regiões do mundo:

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(vide o relatório já citado, p. 6)

Algumas regiões tiveram uma maior diminuição na pobreza extrema, outras menor. O interessante é que grande parte dessa redução vem de países asiáticos. E não há nenhum mistério aqui: grande parte disso está relacionado com a liberalização econômica, especialmente experimentada na China e na Índia, com quedas drásticas na pobreza extrema em ambos os países e milhões de pessoas saindo dessa condição. As políticas anteriores desses países, socialistas ou semi-socialistas, são responsáveis pelos números alarmantes que a pobreza extrema assumia ali.

Mas é claro que estaremos satisfeitos apenas quando a pobreza extrema acabar por completo. A desigualdade global de fato é alta. Mas qual seria a solução para isso? O maior especialista em desigualdade global da atualidade, Branko Milanovic, fala de três: 1) esquemas redistributivos globais, que mandem mais dinheiro para os países pobres (de fato, atualmente já muito é mandado, e há questionamentos sobre a eficácia disso, e o próprio Milanovic não se concentra nisso);  2) crescimento econômico dos países subdesenvolvidos; 3) imigração.

Milanovic é especialmente caro ao tema da imigração, uma vez que entende que a maior liberalização da imigração teria impactos muito positivos sobre a vida de muitas pessoas. Atualmente, 50% ou mais da diferença de renda em uma amostragem de pessoas do mundo inteiro é explicável pelo fato de terem nascido em países diferentes. E, como escrevi em meu artigo mais recente para este blog, o Estado de Bem-Estar social generoso dos países ricos, é um fator que obstaculiza a ideia de fronteiras abertas, de imigração livre, deixando as pessoas mais pobres do mundo ainda mais pobres, famintas e desesperadas, enquanto apenas ajudam poucas pessoas que nasceram nestes países (eu sei, pode parecer radical e absurda essa minha afirmação, mas, se você ler o artigo, verá que faz sentido).

As pessoas mais pobres do mundo seriam ajudadas com a abertura das fronteiras, não apenas por poderem se mover para lugares com mais oportunidades e podendo mandar remessas aos seus familiares que permaneceram nos países de origem, mas também porque o PIB mundial dobraria caso a imigração fosse livre.

Por outro lado, o tema do crescimento econômico é muito caro aos pensadores da justiça social com livre mercado. Escrevi recentemente, em meu blog pessoal, sobre como preocupação com os desfavorecidos e rigorosa análise econômica precisam andar juntos: David Schmidtz menciona (em um paper e em um livro) que existem duas formas diversas de encarar a riqueza social e a justiça na sua produção e distribuição, com profundas diferenças em como você pensa que poderá ajudar os pobres:

a) A visão estática, onde você analisa um momento isolado no tempo, e é inquietante que  que haja pessoas com muito e pessoas com tão pouco. A questão primordial aqui seria: como conseguir os recursos necessários para ajudar as pessoas necessitadas? O que terá de passar pela redistribuição dos recursos existentes.

b) A visão dinâmica, onde você analisa a sociedade como um processo onde um momento evolui para outro. A questão primordial aqui seria: que instituições, ao longo do tempo, fazem com que se torne menos provável que as pessoas precisem de ajuda? O que terá que passar pela produção de mais recursos/oportunidades/renda no longo prazo, para a criação de melhores “momentos” no futuro. E isso significa que a redistribuição deve ser pensada em termos de suas consequências para esse processo de produção.

A ideia da imagem de que precisamos acabar com a pobreza extrema dos mais pobres simplesmente transferindo os recursos da riqueza extrema dos mais ricos é claramente pautada em uma visão estática, que não leva em conta o processo da produção da riqueza. Por exemplo, se os ganhos mais altos de empreendedores em setores de alta inovação contribuírem para a melhora da condição de vida ao longo do mundo, ao estimular que esses empreendedores invistam e inovem nesses setores, isso pode ser considerado ruim apenas porque aumenta a desigualdade?

Aliás, a renda dos mais pobres pode aumentar mesmo quando a desigualdade aumenta. Façamos um exemplo aritmético simples. Se em 1970, os 20% das pessoas mais pobres de um país participam em 5% do PIB, e, em 2014, participam agora em apenas 4%, isso significa que esse grupo está pior? Não necessariamente. Se o PIB era de 100 em 1970, e, em 2014, era de 200 (valores puramente hipotéticos, claro), isso significa que, como 5% de 100 é 5 e 4% de 200 é 8, os 20% mais pobres estão melhor em 2014, porque sua renda cresceu em termos reais, mesmo que a parcela na distribuição (como percentual do PIB) tenha diminuído. Uma economia de alto crescimento por meio do livre mercado faz justiça social.

Focar sobre a desigualdade por si só é um erro. Contudo, há de fato desigualdades que devem ser combatidas, porque sua fonte é injusta.  A desigualdade que advém do chamado “empreendedorismo improdutivo” ou “rent-seeking”, onde empresas inovam nas formas de conseguir subsídios e benefícios do governo, é extremamente perniciosa. Desde o século XIX, liberais clássicos têm denunciado os riscos da plutocracia, da captura do governo por uma elite econômica. Isso é o oposto do livre mercado e de suas instituições, que impediriam por completo “a privatização dos benefícios, mas socialização dos custos”.

Assim, devemos concordar com a tese apresentada por Jason Brennan e David Schmidtz em seu livro “A Brief History of Liberty“: “Quando o comércio emerge, surge uma nova maneira de ser autossuficiente: em uma sociedade de mercado, pessoas podem produzir o suficiente para satisfazer suas próprias necessidades ao produzir o suficiente para satisfazer a necessidade de outras pessoas. Liberdade de comércio sob a ‘regra de Direito’ capacita as pessoas a cooperarem em larga escala, libertando umas às outras da pobreza” O mercado é libertador. (mesmo na Coréia do Norte!)

Então, você não deve cair no equívoco de que libertários não se importam com “liberdade positiva” (aquilo que você realmente consegue fazer), mas apenas com “liberdade negativa” (não ter interferências em relação às suas escolhas). Ao contrário, assegurar um rol robusto de liberdades negativas é o melhor caminho para que as pessoas, por intermédio de suas empreitadas econômicas, culturais e sociais, venham a produzir grandes ganhos em liberdade positiva ao longo do tempo.

Por exemplo, desde a revolução industrial, finalmente o mundo viu a emergência de economias com potencial para incluir as pessoas em uma profusão de novos empregos e inovação crescente, garantindo maior estimulação mental e realização pessoal (consulte a extensa obra de Edmund Phelps no assunto). A expectativa de vida também, com o perdão do trocadilho, superou todas as expectativas. Você pode visualizar o processo relativo à expectativa de vida, em face do aumento do PIB per capita, de modo interativo aqui. E tudo isso, mesmo com economias que apenas imperfeitamente tem instituições que asseguram o livre mercado e que às vezes se contrapõem ao mesmo com instituições corporativistas (que “parasitam” os benefícios do mercado).

Logo, as pessoas mais pobres do mundo, as crianças mais pobres do mundo (como a da imagem), não precisam de uma falsa justiça social ao estilo Robin Hood, mas sim de uma satisfatória justiça social ao estilo de livre mercado, onde  a troca voluntária e a livre associação libertam-nos da pobreza e da exploração política.

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