Por Valdenor Júnior
O economista Tyler Cowen, em seu livro “Descubra o Seu Economista Interior“, escreve:
“Todo mundo sabe que ir ao dentista dói. Mas será que podemos fazer doer menos? E como saber quanto deveria doer? A dentista se preocupa com sua reputação a longo prazo como profissional atenciosa, mas isso só significa que ela objetiva uma qualidade média de satisfação de seus pacientes. Ela ainda irá inevitavelmente tratar diferentes pacientes com níveis variáveis de atenção. Minha preocupação é que a dentista não se esforce com empenho suficiente para aliviar a minha dor. Gostaria de receber o atendimento mais atencioso possível, mas provavelmente receberei apenas algo próximo à média” (p. 44)
Acredito que a descrição acima de como as pessoas se sentem ao ir ao dentista seja parte da experiência do leitor. Você deseja que sua dentista seja maximamente atenciosa, mas o que você recebe é apenas um atendimento medianamente atencioso (ou parece ser assim, já que é difícil medir isso).
E você poderia pensar: “Em que regime político-econômico, minha dentista me atenderia de modo maximamente atencioso? No livre mercado? No Projeto Vênus (apelidado de “marxismo com robôs”)? Na Suécia? Sob um regime comunista? Porque qualquer regime como o atual, onde a dentista não faz isso, só pode estar extraindo dos profissionais menos que o máximo de dedicação ao paciente e, portanto, é ruim!”
Não sei se alguém já teve esse tipo de pensamento para decidir que regime político-econômico defender, mas é um tipo de raciocínio que é muito usado para discutir política. Aparentemente, as pessoas tendem a acreditar que todo “problema” social pode ser corrigido, ou que a sociedade deveria investir – não importa o quanto fosse necessário – para corrigi-lo.
Aliás, parte da crítica à economia de mercado parece pressupor que, se o Projeto Vênus fosse implementado ou se estivéssemos na Suécia (que aliás, também é uma economia de mercado…), nossa dentista nos atenderia de modo maximamente atencioso – ao contrário desse capitalismo explorador, que incentiva todos nós – inclusive nossas dentistas – a pensar em como lucrar em cima de tudo, prestando serviços sem extrair o melhor de si mesmos e nem dando o máximo para os clientes/beneficiários deles.
Mas isso me parece apenas um tipo de pensamento extremista, autoritário e exageradamente perfeccionista, além de permeado por um utopismo e sentimentalismo tacanhos. (nada contra a respeitável tradição utópica que Robert Nozick muito bem mostrou que o Estado “Mínimo”, com sua ampla liberdade para experimentação e inovação, melhor lhe servia)
Você acha mesmo que em um cenário de “socialismo com robôs (Projeto Vênus)”, onde se espera que as pessoas trabalhem motivadas pelo bem de suas comunidades, as dentistas iriam atender de forma maximamente atenciosa? Ou que as pessoas nunca ficariam aborrecidas com as outras no trabalho? Ou que as pessoas nunca seriam parciais, ou iludidas quanto às suas próprias capacidades, ou teimosas, ou irresponsáveis de um modo que seja ofensivo para todas as demais ter que pagar a conta disso? Você acha mesmo que na Suécia, ou em outro país nórdico, já é desse jeito?
Sinceramente? Acho que tal padrão para um sistema político-econômico ser avaliado como bom é alto demais. São exigências que nenhum conjunto de instituições poderia satisfazer. É fantasioso acreditar que basta ter vontade política ou o código moral certo, que tudo pode ser consertado. E a tentativa de conseguir isso teria que ignorar:
1) danos colaterais: porque, mesmo se você for bem-sucedido em consertar partes dos problemas, este conserto poderá desajustar ou agravar a necessidade de consertar outros problemas, ou mudará aquilo que as pessoas estarão dispostas a fazer, anulando o conserto, criando novos problemas, etc.
(quantas pessoas sua dentista conseguiria atender de modo maximamente atencioso? quanto custaria a mais? e se mais gente pudesse ser atendida a menor custo com o atendimento medianamente atencioso?);
2) autoritarismo: porque, para conseguir fazer todo mundo concordar em destinar ou abdicar de uma parte de seu tempo, recursos, objetivos pessoais, sentimentos ou seja lá o que for, para conseguir consertar determinado problema e, ainda por cima, nunca alterar seu comportamento de modo a anular o efeito desse conserto ou de modo a ter consequência sobre outros problemas ou criando outros problemas (seja de modo deliberado ou imprevisível), você teria que assumir que seu trabalho é de informar para um “déspota benevolente” o que tem de ser feito e que as pessoas serão obrigadas a aceitar.
(a sua dentista pode ser obrigada a atender de modo maximamente atencioso? a qualquer custo para ela? quantas pessoas você quisesse?)
Por isso, concordo com o filósofo, com formação em economia, e “liberal do Arizona” David Schmidtz:
a) Prosperidade é melhor do que a miséria, e instituições que conduzem à prosperidade – realisticamente – no longo prazo são melhores que as que não o fazem:
“Se eu fosse fazer trabalho empírico sério, eu perguntaria o porquê das pessoas hoje geralmente mirarem padrões de vida para quase além da imaginação de seus ancestrais de um século atrás. (Expectativa de vida, por exemplo, quase dobrou) Eu perguntaria por quem tem sido deixado para trás desse florescimento de prosperidade real e o porquê, e o que pode ser feito quanto a isso. Eu não assumiria que todos os problemas têm soluções, nem que todas as soluções valem seus custos. Otimista que sou, assumo que possamos fazer melhor. Realista que sou, sei que poderíamos fazer pior.” (tradução livre, p. 274)
b) Deixar a decisão para o indivíduo geralmente é melhor do que atribui-la ao grupo, e podemos mais facilmente concordar sobre isso do que concordar sobre o que é o melhor:
“Com efeito, há duas maneiras pelas quais podemos concordar: concordamos com aquilo que é correto ou sobre quem possui jurisdição – quem tem o direito de decidir. A liberdade de religião tomou a segunda forma: aprendemos a ser liberais em matéria de religião, alcançado um consenso não sobre aquilo em que devemos crer, mas sobre quem tem o direito de decidir. O mesmo ocorre com a liberdade de expressão. Não parece estranho que nossos maiores sucessos em nossa aprendizagem de como viver juntos derivem não de uma concordância sobre o que é correto, mas de um assentimento em deixar que cada pessoa decida por si mesma?” (livro em português, p. 8)