Por Laura Lira
Quatro de fevereiro de 2004. Vinte e um de março de 2006. Quantas revoluções cabem em oito, dez anos? Curiosamente, alguém nessa faixa de idade começa a desenvolver um pensamento mais crítico, é a fase do questionamento. A criança já tem capacidade de entender certos aspectos do mundo adulto, como a mentira e as regras de um jogo de futebol. Presta mais atenção a tudo o que está ao seu redor e deixa de ver os pais e professores como aqueles que ditam o próximo passo para tê-los como modelos sociais, exemplos de como agir – dentro de todas as ações possíveis.
As datas acima são dos lançamentos do Facebook e do Twitter, respectivamente. As redes sociais que mais permitem uma interação entre eleitores, instituições e políticos – além de ter uma popularidade absurda. O nascimento delas significou, nos últimos anos, não apenas uma inversão da lógica publicitária, mas uma mudança radical no modo como o cidadão comum se enxerga em meio aos acontecimentos de esfera pública e internacional. O caráter revolucionário desse fenômeno se faz ainda maior quando constatamos que é algo irreversível.
Desde o século XIX, época da Revolução Francesa, a comunicação com a massa era feita através de acalorados discursos pelas ruas ou distribuição de panfletos e demais ferramentas da mídia impressa. Quando as populações começaram a se dividir melhor geograficamente, a mensagem era entregue a alguma liderança local, que repassava ao povo. Depois disso, veio o rádio e, em seguida, a televisão. O enorme alcance sem possibilidade de avaliar a reação do público gerou a necessidade de pesquisas de opinião.
Com tudo isso, surgiu o marketing político. Grande apelo emocional, muita música, frases de efeito… Campanhas com base em aspectos da telenovela, cujo episódio emblemático se deu em 2002, quando da vitória de Lula sob o planejamento do famoso Duda Mendonça.
Agora as pessoas, mais do que meras espectadoras, exigem fazer parte do elenco dessa história. Mas não de qualquer história: ela precisa ter abordagem realista, proposta palpável e muita verdade; ela precisa se aproximar de todos a fim de ganhar relevância. O baque da audiência dos programas eleitorais na TV em relação aos anos anteriores, somado à queda da influência exercida por eles no voto, mostra que a transmissão unidirecional do recado não tem mais o êxito de outrora.
Tornou-se possível vencer uma eleição, basicamente, com os recursos que a Internet oferece. Alcides Bernal (PP) se elegeu prefeito de Campo Grande, em 2012, com um tempo de televisão oito vezes menor do que o de seu adversário. Sua campanha teve como um dos pilares a priorização do indivíduo na administração, respondendo à ânsia por protagonismo que as redes sociais incitaram nas pessoas. Elas querem e podem ter destaque, prova disso são os milhares de virais que surgiram nos últimos anos.
O candidato ou partido não tem mais o controle da mensagem. Em minutos um vídeo pode ganhar paródias, imagens são editadas, frases sofrem represália por milhões de eleitores ou mentiras são desmascaradas. Para citar casos recentes, a homofobia de Levy Fidelix e a foto da Venezuela que partidários de Dilma postaram como sendo da sua visita à cidade de Goiana, em Pernambuco. A voz dos internautas pode ser claramente ouvida e até mesmo se sobrepor a discursos de “autoridades”, tudo de maneira descentralizada.
A vida de um candidato pode ser pesquisada por qualquer um que tenha à sua frente um computador, coleta de informações que antes só poderia ser feita por jornalistas. O acesso destes, ainda, aos acontecimentos que causam comoção mundial não lhes é mais exclusivo, qualquer pessoa pode se comunicar com alguém que está em meio aos conflitos no Oriente Médio através da Internet.
Comunicação sem a qual os cidadãos não poderiam ter se articulado de forma macro naquilo que resultou na Primavera Árabe ou mesmo durante a onda de protestos no Brasil de junho de 2013 – nenhum com liderança clara. Quando as pessoas conhecem as opiniões umas das outras sem a intermediação de pesquisas feitas por terceiros, quando elas podem se unir em torno de um objetivo comum, chegando umas às outras sem dificuldade, o potencial do indivíduo contra qualquer tipo de poder autoritário se multiplica indefinidamente. Pode-se conferir, também, o surgimento de mídias alternativas que não teriam espaço nos meios tradicionais, como a Mídia Ninja.
Tudo isso significa que os novos tempos requerem políticos que sejam mais representantes, porta-vozes, do que lideranças. A pergunta que dá título ao texto – “O que você tem feito por mim?” -, expressão da ciência política que se refere, principalmente, ao critério usado pelos eleitores para julgar o trabalho de um político nunca fez tanto sentido. O novo eleitor está cada vez mais crítico e avesso à ideia de “ser governado” ou defender candidatos num palanque dois metros acima de sua cabeça. Faz-se necessário, portanto, o surgimento de um novo político – mais “síndico”, mais gente como a gente.
É fato que a expansão do uso das redes sociais encontra obstáculos nas sociedades menos letradas, como a brasileira. Mas ao mesmo tempo a invasão desse mundo cibernético na vida real estimula o interesse pela informação, não por acaso o brasileiro está lendo mais e adquirindo mais conhecimento sobre o que está ao seu redor.
Todo esse conjunto de fatores estimula o surgimento de um pensamento muito mais crítico, o que pode ser conferido em pesquisa do Ibope sobre o Índice de Confiança Social (ICS) do cidadão brasileiro – confiança que diminuiu em todos os setores:
A sublevação que ocorre por causa das redes sociais e das possibilidades que ela oferece mostra a essência da mulher e do homem livre, que se rebela contra a imposição de uma subserviência mascarada. Palavras de indignação recebem eco todos os dias, milhares de internautas ironizam a repetição de promessas genéricas, mostrando um clamor por outras propostas – talvez Wi-Fi grátis ou marcação de consultas pelo site fizessem mais sucesso do que escola em tempo integral. Está sendo exposta a necessidade da atenção ao indivíduo e suas demandas singulares.
Grupos no Facebook, como a “Cracolândia” – apelido carinhoso para se referir ao grupo Liberalismo –, que soma mais de 28 mil membros, não são espaços inócuos em que desocupados postam seus pensamentos – ao menos não só isso. É na Internet, agora, que o debate popular, sério ou não, se estabelece. E é através dela que os anseios do povo recebem voz e vez.
It’s happening.
Laura Lira é uma recifense apaixonada por literatura regionalista. Estuda saneamento ambiental no IFPE. Vegana.