por Roberto Xicó e Carlos Góes

Você, como a gente, provavelmente está estupefato com a injustificável repressão policial às manifestações de professores no Paraná. Tomar a violência como método de “diálogo”, tática adotada por Beto Richa, é tão chocante que parece ser algo extraordinário. Contudo, infelizmente, na América Latina o uso de força excessiva pelos agentes repressores de estado é lugar comum – independentemente da coloração ideológica do mandatário em questão.

Poucos dias antes dos acontecimentos em Curitiba a Guarda Municipal de Goiânia agrediu professores, que ali também estão em greve. O prefeito Paulo Garcia, do Partido dos Trabalhadores, tentou justificar esse evento com argumentos semelhantes (e tão pouco convincentes) quanto os do governador Beto Richa, do PSDB.

Anteriormente, durante as jornadas de junho de 2013, o governo federal, do PT, e governadores, de todos os principais partidos do Brasil, recorreram aos mecanismos de segurança pública para reprimir manifestantes que exerciam livremente seus direitos constitucionais. O que se pôde observar, outrora como agora, foi um verdadeiro festival de horrores. Jovens e idosos feridos. Cidadãos que usualmente não tomam as ruas enfermos ao serem atingidos por bombas de gás pimenta e gás lacrimogênio. Pessoas sendo presas arbitrariamente por motivos políticos.

[Governador Beto Richa tenta explicar os abusos policiais frente aos protestos recentes]

Essa cultura repressora, à direita e à esquerda, está longe de ser uma exclusividade brasileira. No Chile, por exemplo, as duas maiores manifestações após a redemocratização ocorreram em 2006 e 2011 sendo, respectivamente, reprimidas por um governo de esquerda, de Michelle Bachelet, e outro de direita, de Sebastián Piñera.

O caso venezuelano é ainda mais emblemático. Se no Brasil a atual repressão paranaense é comandada por políticos considerados de direita, na Venezuela ela é levada à cabo pelos políticos que são o último bastião da esquerda revolucionária latinoamericana. Na República Bolivariana, por exemplo, a repressão ao movimento estudantil organizado é perene, pois estudantes universitários são um dos principais grupos do movimento anti-chavista no país. Houve, recentemente, prisões em massa e mortes. No ano passado, alguns estudantes denunciaram a ação da polícia que os torturou e estuprou, enfiando fuzis em suas cavidades íntimas.

Maduro diz que sua repressão foi contra grupos violentos que comandavam o protesto na obscuridade. Beto Richa diz a mesma coisa. Na Venezuela há presos políticos. No Brasil, também.

Apesar das semelhanças das repressões, os grupos que apoiam um e outro lado do espectro político reagem de forma muito distinta. Os que se opõem a Maduro a ele criticam, mas muitas vezes tendem a ser lenientes com Beto Richa e Geraldo Alckmin. Similarmente, quem se opõe aos tucanos usualmente passa a mão na cabeça do chavista.

Tão grande semelhança entre tipos políticos tão distintos e reações tão contraditórias ilustram dois pontos. O primeiro é que a tendência de reprimir opositores, quando se está no poder, não vem da natureza de sua ideologia política. Na verdade, ela vem da própria natureza do poder. Em uma das frases mais importantes da história da filosofia política, um velho sábio disse que “o poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Por causa dessa tendência perene, enquanto nossa sociedade for organizada tendo como princípio a violência política – que centraliza um amplo poder nas mãos dos mandatários – receberemos doses nada homeopáticas de abusos de poder e corrupções várias.

O segundo ponto é que explica o porquê de a esquerda e a direita serem tão semelhantes em suas contradições e abusos é o fato dos partidarismos múltiplos não tomarem direitos e liberdades individuais por princípio basilar. Como nós já dissemos mais de uma vez, direitos só são direitos se não forem compartimentalizados e se forem válidos mesmo para quem discorda de você.

Mas, nos casos presentes, os princípios não são a base do argumento, sendo na verdade definidos por engenharia reversa. Uma vez definidos os interesses subjacentes, aplicam-se seletivamente determinados princípios a determinadas pessoas. Se o manifestante protesta contra Maduro a esquerda os caracteriza como agentes do imperialismo que não merecem proteção, por serem traidores da pátria. Se o manifestante protesta contra Alckmin ou Richa, a direita os rejeita como vagabundos, bandidos e black-blocks, que devem ter seus direitos humanos ignorados.

Nesse jogo de seletividade perdemos todos – pois a defesa dos direitos alheios (inclusive de “vagabundos” e “golpistas”) protege nossos próprios direitos. Por isso, é importante lembrar sempre que a verdadeira disputa não é entre direita e esquerda. A verdadeira disputa é entre autoritários centralistas – de direita e esquerda – e você. Lembre-se sempre disso. Pois enquanto você só olha para a direita e para e para esquerda, o estado te esmaga de cima para baixo.

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[Rafael Braga, um dos presos políticos brasileiros, detido durante os protestos de junho de 2013 por portar Pinho Sol e ainda mantido em cárcere, aprendeu essa lição da forma mais dura possível]

 

 

 

Roberto Xicó é cientista político que era marxista e se tornou liberal na universidade. Ele não sabe como. Só sabe que foi assim. Seus interesses são política, história, MPB e tecnobrega. Ele não vai falar de economia porque acha isso um saco.

 

 

Carlos Góes é analista econômico com interesses em econometria, economia do desenvolvimento, filosofia política e antropologia. Fez seu mestrado em Economia Internacional na Universidade Johns Hopkins e sua graduação em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Apesar disso, ele garante que aprendeu muito mais pagando multas na biblioteca e tomando cerveja com seus amigos do que em sala de aula.

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