Como editor recente deste site, penso que uma autocrítica construtiva seja válida. Fui editor ao longo de um período crítico de sua existência: março de 2014 à janeiro de 2015. “Período crítico” no sentido de que o site havia iniciado há apenas 4 meses, e, portanto, 2014 foi um ano de consolidação de público, de formato, e de várias outras questões editoriais. Ao longo desses meses, estive à frente da seleção e publicação de conteúdos quase diariamente no site, da divulgação deles em nossa página, além de escrever também vários textos eu mesmo. Como acabei de deixar a edição do site, tendo em vista o mestrado que iniciarei, e voltei à condição de colaborador, uma avaliação dos objetivos do site seria bem-vinda.
A ideia original do site não é minha; eu entrei no projeto cerca de 5 meses antes de seu início (que ocorreu em novembro de 2013), mas ele já estava sendo gestado desde pelo menos o início de 2013 por Pedro Menezes e Carlos Goés e sua ideia original era do início de 2012, como é relatado pelo Pedro em seu texto sobre a origem do Mercado Popular.
Pelo que fui informado na época, estavam querendo replicar o blog Bleeding Heart Libertarians no Brasil, por sugestão de um dos colaboradores deste, o Steven Horwitz. A ideia muito me animou, pois havia criado meu blog pessoal em janeiro de 2013 tendo como um de seus objetivos principais a divulgação desse “libertarianismo de coração sensível”, o qual não era defendido por nenhum site da blogosfera liberal/libertária brasileira. Mas me foi esclarecido também que o site pretendia ser menos acadêmico do que o Bleeding Heart Libertarians, tendo um objetivo de público mais amplo.
Era claro que o Mercado Popular tinha um duplo objetivo: 1) Demonstrar que o liberalismo satisfaz os ditames da justiça social e do maior favorecimento aos menos favorecidos; 2) Comunicar as ideias liberais em uma linguagem mais “popular”. Ao primeiro, chamo de objetivo ou apelo progressista. Ao segundo, chamo de objetivo ou apelo popular.
Passado mais de um ano, só posso constatar que o primeiro objetivo foi em grande parte alcançado, mas não o segundo. Isso era algo que me intrigava tão cedo quanto junho do ano passado, quando pela primeira vez formulei um diagnóstico para essa situação, o qual, até hoje, considero acertado e exponho-o abertamente para nossos leitores: o paradoxo do Mercado Popular.
O paradoxo do Mercado Popular representa o caráter, até certo ponto, contraditório dos objetivos de nosso site. Se você tentar comunicar as ideias em uma linguagem mais popular, você deixa de demonstrar conclusivamente o caráter progressista delas. Se você tentar demonstrar conclusivamente o caráter progressista de nossas ideias, você deixa de comunicá-las em uma linguagem mais popular. Trocando em miúdos: o objetivo progressista e o objetivo popular não podem ser satisfeitos simultaneamente.
Para tentar desfazê-lo, é preciso perguntar qual a sua origem. Entendo que esta reside na diferença entre os públicos aos quais cada objetivo visa.
O apelo progressista direciona-se para pessoas que, em geral, são jovens, substancialmente escolarizadas (universitárias ou com ensino superior completo), que têm muito interesse pelo debate político informado (ou que ao menos pareça informado) e participam deste em grau maior ou menor de forma constante.
O apelo progressista atinge jovens escolarizados, enquanto o apelo popular busca o público geral sem acesso a educação
O apelo popular direciona-se para a população em geral, à qual não possui, em média, as mesmas características do grupo retratado anteriormente: a maioria das pessoas não é jovem, nem substancialmente escolarizada, nem busca ativamente informar-se ou participar em debates políticos de forma constante (ainda que possa ter algumas convicções bem fortes a respeito de alguns temas dentro desses debates).
Isso cria recortes importantes. A população em geral continua sendo bastante conservadora em relação a vários temas, como aborto, limites da ação policial, papel da religião na vida pública, política de drogas, entre outros. Mas os mais jovens e os mais escolarizados tendem a ser mais progressistas que os mais velhos e menos escolarizados.
Portanto, o paradoxo do Mercado Popular depende de tendências sociológicas e demográficas mais amplas, e correlaciona-se com um mais geral paradoxo do progressismo: ideias progressistas, às quais pretendem ser favoráveis ao povo, não são necessariamente ideias com grande adesão popular. Progressismo e populismo não são sinônimos.
Discordo, assim, daqueles que afirmam que, por este site não ter alcançado o objetivo de traduzir as ideias em uma linguagem mais acessível à população em geral, o mesmo seja não comprometido com o bem-estar dos menos favorecidos. Afirmar uma coisa a partir da outra seria confundir os objetivos, reduzindo o progressismo a um mero populismo pautado “no que vende”. Apelo popular é importante, mas apelo progressista é o que dá conteúdo àquilo que defendemos.
Se há uma prioridade, seja lógica ou cronológica, é consolidar uma estrutura coerente de ideias que alia progressismo com livre mercado, que nos torna “como a esquerda da paz e do amor só que aceitam o livre mercado”, que agrega ao debate político mostrando a falsidade da dicotomia liberdade individual x justiça social. E penso que isso passa por defender certos absolutismos, não os absolutismos da propriedade privada ou da ação unilateral individual como é costume encontrar em certos meios liberais dentro do nosso próprio país, mas sim o absolutismo do respeito às liberdades civis e da rejeição ao capitalismo de compadrio. É com isso bem claro em mente que o apelo popular pode e deve ser pensado.
Não sou pessimista quanto à sua resolução, mas não acredito que o apelo popular da mensagem será uma conquista diretamente desse site. Essa ponte será obtida pelos projetos parceiros, que nasceram a partir do fórum de ideias que desenvolvemos no site: os movimentos sociais de cunho liberal ou coletivos liberais, como o Coletivo Nabuco e o Coletivo Sociedade Aberta.
Como coloquei no texto “Propostas para o futuro do movimento liberal brasileiro“, nós precisamos ter propostas concretas – e progressistas – para a vida das pessoas, pensadas a partir de uma ordem de prioridade baseada no princípio de que quem mais sofre com as injustiças e mais é onerado pela falta de liberdade precisa ser atendido com maior urgência. Algumas dessas ideias discuti em outro artigo, Como promover a liberdade individual e a justiça social na política estadual e municipal.
Esse trabalho de traduzir nossas ideias em propostas concretas é compartilhado tanto por aqueles que escrevem no site quanto por aqueles que participam ativamente desses coletivos parceiros, mas quem realmente estará à frente de alcançá-los em favor das pessoas que delas mais necessitam são estes últimos. Por exemplo, o Coletivo Nabuco deu exemplo ao sair em defesa dos trabalhadores ambulantes do campus da UFPE, juntamente com outros coletivos da universidade, assinando petição conjunta. Mais recentemente, o mesmo Coletivo iniciou o projeto “Eu te declaro meu amigo”, uma iniciativa que pretende dar voz a pessoas que normalmente vivem à margem da sociedade, em uma série de vídeos, cujo primeiro já está disponível.
Portanto, o paradoxo do Mercado Popular não será algo que nos intrigará para sempre; apenas ele não será resolvido (na maior parte) na palavra escrita, mas na ação prática. O apelo popular deve ser obtido pelos benefícios tangíveis que as ideias, quando devidamente aplicadas e com a priorização pertinente, podem trazer a diversos segmentos da população.
A atuação como movimento social é o caminho pelo qual a concretude prática dos valores progressistas, aliados a um raciocínio econômico bem-informado, pode revelar-se desejável para uma população que sofre tantas injustiças ocasionadas pelo agigantamento ineficiente e injustificado do estado brasileiro e deixar claro que o respeito à liberdade alheia é o fundamento de uma ordem social inclusiva e próspera.