por Carlos Góes

Texto escrito originalmente em 2012, em comemoração aos 100 anos do nascimento de Milton Friedman

Hoje, 31 de julho de 2012, aquele que muitos consideram o maior liberal do Século XX  – embora ele próprio tenha dito que esse posto pertence a F. A. Hayek – completaria 100 anos. Milton Friedman, filho de pobres imigrantes judeus que mudaram para os Estados Unidos no fim do século XIX, tem uma história de vida certamente não corresponde ao estereótipo que os críticos mais à esquerda tentam imputar aos defensores do livre mercado. Nascido pobre, trabalhou desde o fim de sua infância, conseguiu uma bolsa de estudos e se formou em matemática na universidade com o objetivo de se tornar um contador. Em uma das grandes obras do acaso, tornou-se um economista talentoso, maior expoente da Escola de Chicago e ganhador do Prêmio Nobel em Ciências Econômicas.

Friedman tem dois grandes méritos. Por um lado, ele rejeitou qualquer possibilidade de autismo intelectual e, engajando-se nos debates que se forjaram no núcleo da ciência econômica, ajudou a tornar consensual a ideia de que a política monetária não é secundária nos resultados econômicos. Disseminou, ainda, a relação direta entre expansões da base monetária e aumento da inflação – mesmo que sob estagnação econômica. Sistemas de metas de inflação, que ajudam a manter o nível de preços relativamente estáveis e são adotados pelos Bancos Centrais com melhor performance, tampouco existiriam sem suas teses monetaristas. Friedman desafiou, ainda, as elegantes e simplistas concepções dos keynesianos da primeira metade do século XX: da Curva de Phillips à função linear de consumo à ideia de que a Grande Depressão foi uma consequência das forças de mercado.

Por outra parte, Friedman era um consequencialista nato que se engajava ativamente no debate político. Argumentando com base na superioridade de resultados de uma economia descentralizada, era capaz de convencer mesmo pessoas que dele discordavam em princípio. Ele se levantou para afirmar, por exemplo, que as leis de salário mínimo eram a pior lei “anti-negros” que existia nos EUA na década de 1970, pois lhes negava a possibilidade de conseguir um primeiro emprego e se qualificar para salários maiores. Sua perspectiva empiricista é de especial importância para países com grandes desafios sociais, como Brasil.

Ao demonstrar que economias de mercado têm histórico extremamente positivo quanto à redução da pobreza, chega-se a um consequencialismo liberal justificado eticamente e sem qualquer ranço de dogmatismo. Durante uma palestra em Stanford, em 1979, Friedman foi perguntado se ele já teria sido pobre. “Certamente”, respondeu, “muito mais pobre do que a maioria das pessoas neste auditório. Mas você só aceitaria o conselho de um médico que está tratando seu câncer se ele próprio tiver sido vítima do câncer no passado?” Terminou afirmando que uma das grandes virtudes da economia de mercado é que ela se contrasta às economias de privilégio, onde aqueles que têm mais influência junto aos governantes tendem a prevalecer – e que histórias como a dele próprio, que nasceu pobre e por causa de seu talento conseguiu chegar ao topo de sua profissão, ajudam a exibir essa virtude.

Milton Friedman foi certamente o advogado da liberdade que mais influenciou o mundo político nos últimos 100 anos. Ele desenvolveu e popularizou temas que hoje parecem lugar comum, mas que eram grande novidade quando foram introduzidos. Vouchers escolares, privatização da seguridade social, liberalização na medicina e na advocacia e substituição dos sistemas paternalistas de bem-estar social por um modelo de imposto de renda negativo são só algumas de suas contribuições aos modelos de políticas públicas prevalentes em meados do século XX e ainda disseminadas na contemporaneidade.

Friedman nunca caiu em um vício que afeta a tantos autores de economia política – inclusive liberais. Ele nunca foi um ideólogo – era um empiricista por natureza – e não se furtou a mudar de opinião quando confrontado com evidências empíricas de que suas ideias já não se sustentavam. A mudança mais importante foi sua descrença quanto à possibilidade de sustentação de moedas monopolistas sem lastro no longo prazo, expressa claramente ao final de sua vida.

Essa abertura ao debate franco, honesto e potencialmente sujeito ao convencimento por suas contrapartes tornam as conclusões de Milton Friedman ainda mais marcantes. Friedman via os riscos da ação governamental – que ele chamava de “razão preventiva” para a limitação do poder governamental – na impossibilidade de se contestar um governo que além de deter o monopólio da força fosse, por exemplo, dono da imprensa, das telecomunicações, das gráficas, das fábricas de tinta – tornando impossível a divulgação de ideias. Mas ele via algo que ia além disso, que tornava-o muito apegado à liberdade: a genialidade humana sob ausência de coerção. “Os grandes avanços da civilização, sejam eles na arquitetura ou na pintura, na ciência ou na literatura, na indústria ou na agricultura, nunca vieram de um governo centralizado” – disse ele em seu Capitalismo e Liberdade. Essa característica, que ele batizou de “razão construtiva” para um governo limitado, foi eternizada em sua famosa frase: “se o governo federal passar a ser responsável pelo Deserto do Saara, em cinco anos haverá falta de areia”.

Nos cem anos de Milton Friedman, há muito a se celebrar. Desde fins dos anos 1970 suas ideias penetraram o mundo e controle da inflação e privatizações tornaram-se comuns. O mundo tornou-se, em média, mais rico, mais livre, mais saudável e com mais bem estar, em especial para os mais pobres. A pobreza foi reduzida de 45% a 15% da população mundial. Com todos os desafios que ainda se postam à frente no caminho rumo à ampliação da liberdade e da prosperidade, ainda temos muito a aprender com seu legado. O mais importante, é que o debate a ser travado deve ser sobre políticas públicas no mundo real, de modo a influenciar a vida diuturna de cidadãos ordinários que podem gozar de mais liberdade e prosperidade no presente, sem o conforto das discussões platônicas e sem medo de, quando necessário, mudar de opinião.


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Carlos Góes é analista econômico com interesses em econometria, economia do desenvolvimento, filosofia política e antropologia. Fez seu mestrado em Economia Internacional na Universidade Johns Hopkins e sua graduação em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. É co-fundador da rede Estudantes Pela Liberdade no Brasil e da Aliança Pela LiberdadePublicou em periódicos internacionais, na imprensa nacional e editou o livro “Repensando uma Cultura de Paz e Liberdade”. Mora em Washington, DC, onde se divide entre think tanks e organismos multilaterais. Apesar disso, ele garante que aprendeu muito mais pagando multas na biblioteca e tomando cerveja com seus amigos do que em sala de aula.

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