Mino Carta, da Carta Capital, abre assim seu último editorial:

“Inúmeros brasileiros vivem uma ficção, a supor que se trate da própria realidade. Eles acreditam que, derrubado o governo de Dilma Rousseff, o destino voltará a sorrir. E que a corrupção é o mal maior, de exclusiva marca petista. E que a Operação Lava Jato é a versão melhorada da Mãos Limpas italiana e que o juiz Moro é um varão de Plutarco.”

O método de Mino é conhecido. Vá na Wikipédia, no verbete “Straw Man Fallacy”, ou a Falácia do Espantalho. A enciclopédia explica assim o método (entre parênteses, meus exemplos):

  1. Pessoa A faz a proposição X (tipo “precisamos tirar o PT corrupto do poder”)
  2. Pessoa B argumenta contra uma falsa mas superficialmente parecida proposição Y, como se o argumento contra Y fosse o argumento contra X. (tipo “quem quer tirar o PT acha que a corrupção começou com ele e o Brasil vai virar um Paraíso sem Dilma.)

A julgar pelos 14 mil likes do texto (e contando), a estratégia é bem sucedida. E poderia pegar outros mil exemplos dela.

Porque Mino não está sozinho neste mundo cercado por espantalhos, longe disso. Leonardo Sakamoto disse essa semana que “muita gente acredita” que “a culpa por você ser pobre é totalmente sua.” Gregório Duvivier fez sua fama exagerando um inimigo até ele ser inequivocamente mau, especialmente usando a carta “as elites”. Como escreve “crônicas”, ficção, tá tudo certo.

Obviamente a criação de inimigos imaginários não é exclusiva da esquerda — Olavo de Carvalho recentemente atribuiu as críticas ao seu pensamento como “complexo de inferioridade intelectual.”

Se a gente quiser algum dia discutir questões verdadeiras e soluções factíveis, é preciso que esse método de construção de opinião acabe, urgentemente. Dizer que quem é a favor da redução da maioridade penal prefere ver a criança no presídio que na escola, como disse Marcelo Freixo, já interdita automaticamente qualquer discussão. Da mesma forma, quando se joga em um mesmo saco defensores da ditadura e pessoas que não gostam de Dilma, como faz Mino Carta, perde-se qualquer possibilidade de construir um diálogo para sair da crise institucional do Brasil.

Enquanto tivermos os espantalhos intermediando o debate, não acharemos pontos em comum.

Vejo muita gente compartilhando textos que abusam de generalizações (ou espantalhizações), e quando vou comentar alguma coisa a pessoa concede que “não concorda com tudo ali, mas…” E eu entendo: também compartilho das bandeiras de Sakamoto e Duvivier, por exemplo, e há uma tentação em compartilhar o conceito.

Mas eu não compartilho qualquer texto assim, que começa criando uma oposição imaginária. Porque acho que elas são muletas tortas para conversar. Quando compartilhamos esses textos que pintam um chapéu de burro em um monte de gente, desencorajamos pessoas razoáveis que têm uma opinião diferente a participarem das nossas conversas, seja sobre o Uber, ou o impeachment, ou parto humanizado.

Não estou dizendo para ignorar as colunas, posts de blogs, editoriais e textões de Facebook e cada um criar a sua própria opinião local, orgânica e sustentável. Isso daria muito trabalho, e ninguém tem tempo. O nosso “jornalismo de opinião” precisa continuar tendo esse papel de catalizar sentimentos e avançar discussões. Isso é fundamental para a democracia. Mas o jornalismo de opinião não precisa ser uma Casa da Mãe Joana, que segue à risca a ideia de que o papel (ou o HTML) aceita tudo. Compartilho as regras sugeridas por Jonathan Chait, da New York Magazine. Ele diz, por exemplo:

“Se você está argumentando contra uma ideia, você precisa descrever de maneira precisa as pessoas que pensam dessa forma. Se possível, dê o link e cite entre aspas o que foi dito. Ter essa disciplina força os articulistas de opinião a provar que eles estão debatendo uma ideia que alguém tem, de verdade. Citar a fonte e colocar o argumento inteiro entre aspas força os articulistas a mostrar que alguém influente de fato tem essa opinião — se o melhor exemplo de uma visão oposta que você achar é um comentário aleatório de um blog, então você está deixando claro que você está debatendo uma ideia que ninguém de estatura compartilha. Essa deveria ser uma regra universal e fácil, mas na realidade, é quase sempre desrespeitada.”

Links, amigos, links. Eles estão aí para isso. É um início, mas precisamos começar a melhorar nosso debate de alguma forma. Acho que tirar os espantalhos do caminho é um bom início.

Publicado originalmente em Medium.com. Republicado com autorização.

Compartilhar