Por João Pedro Lang
Um dos presidenciáveis dessa eleição brasileira é a favor do casamento civil igualitário e da adoção por casais LGBT. Advoga a drástica redução do corporate welfare, isto é, das políticas de governo que favorecem grandes empresas em detrimento do restante da população. Pretende fortalecer empresas e bancos públicos, ou mesmo “reestatizá-los”. Defende a manutenção e ampliação de diversos programas sociais. É contra o fator previdenciário.
Outro candidato, quando presidente, vetou o projeto do kit Escola sem Homofobia, ocasião em que disse que o governo não fará qualquer “propaganda de opção sexual”. Aliou-se com diversos partidos e políticos conservadores no Congresso. Adota políticas elitistas que concentram renda em grandes empresas. A continuidade de sua política econômica põe em risco os programas de transferência de renda, de crédito facilitado e a valorização real do salário mínimo. Propõe que o modelo de segurança pública da Copa, baseado na repressão policial com colaboração das Forças Armadas, seja tornado permanente.
À primeira vista, parece que o primeiro candidato é de esquerda e o segundo, de direita. Contudo, a julgar pelo senso comum e pelas campanhas políticas, é justamente o contrário: o primeiro, Aécio, é visto como de direita; a segunda, Dilma, seria de esquerda. O que ocorre aqui?
Os projetos presidenciais do PT e do PSDB não são tão opostos quanto querem as campanhas oficiais dos dois partidos. Suas propostas em educação, segurança pública e saúde revolvem sobre o mesmo núcleo. Mesmo em áreas em que os dois divergem, como política econômica e política externa, nenhum deles propõe uma quebra de paradigma mais drástica. Por que existem tantas similaridades e por que os dois partidos buscam ressaltar as diferenças entre eles, resultando numa polarização tão grande quanto a que vemos neste segundo turno?
Uma resposta pode ser encontrada no teorema do eleitor mediano*, formalizado pelo teórico da escolha social Duncan Black e muito evocado pela escola da escolha pública (public choice). Imagine que cada eleitor tem uma preferência definida ao longo do espectro esquerda-direita. Nessa configuração, o eleitor mediano será decisivo. Numa eleição bipartidária, como é o caso da maioria das corridas norte-americanas e de qualquer segundo turno, vencerá aquela proposta que mais se aproxime da preferência do eleitor mediano. Como resultado, ambas as campanhas tentarão atender a esse eleitor, apresentando propostas condizentes com sua visão de mundo e evitando o que pode ser interpretado como extremismo.
Num contexto em que o eleitorado se divide simetricamente entre esquerda e direita, isso significa uma tendência centrista das propostas e eleições. No Brasil, adotando as definições de senso comum de esquerda e direita, a distribuição de eleitores inclina-se à esquerda em algumas propostas (economia, programas sociais) e à direita em outras (segurança pública, pautas LGBT). Como resultado, nenhum candidato com alguma pretensão de ganhar falará abertamente, por um lado em privatizações, vouchers, austeridade de crédito, encerramento de programas sociais, deslocando a agenda política à esquerda. Por outro lado, estarão condenadas à marginalidade eleitoral ou a permanecer fora dos holofotes propostas que envolvam o fim da Polícia Militar, o minimalismo penal, o fim da guerra às drogas ou o casamento igualitário, enviesando o debate político à direita nessas questões.
Há uma diferença entre eleitor mediano e eleitor médio, que explica a aversão às mudanças típica da política institucional. Assim, é de se esperar que as propostas econômicas e sociais, nos discursos dos candidatos, apelem a um eleitor à esquerda, um pouco mais à esquerda que o eleitor médio, porque é ele que decidirá a eleição. O mesmo raciocínio justifica o silêncio dos candidatos sobre pautas progressistas feministas e LGBT, e a aceitação, por ambos, de pautas mais severas e policialescas em segurança pública, embora talvez o eleitor médio seja mais progressista nessas pautas. As propostas que fogem desse padrão estarão condenadas a nichos eleitorais – aqueles que votam em Luciana Genro, Eduardo Jorge e Pastor Everaldo.
Pelo mesmo motivo, cada candidato tentará, com sua propaganda, atacar o outro para posicioná-lo, no imaginário do eleitor, como extremista – característica que o eleitor mediano mais repudia. A campanha que tem representado essa tentativa de polarização é a petista; a propaganda tucana, de uma inabilidade ímpar em marketing, contorce-se para tentar mostrar que Dilma, afinal, não é tão diferente de suas propostas. Dilma tem, com sucesso debatível, pintado Aécio como elitista em termos econômicos, longe da concepção, do eleitor mediano, de uma economia nacionalista e dirigista. Curiosamente, quem poderia fazer o trabalho de Aécio são alguns conservadores que alertam para as bandeiras supostamente progressistas do PT. Ao colocar Aécio como usuário de cocaína, os petistas conseguem, ainda, afastá-lo da concepção moralista que domina parte do eleitorado.
Com esse expediente, justifica-se a total polarização ideológica que tem dominado a campanha oficial e extraoficial dos dois partidos – no rádio, na tevê, nos debates e nas redes sociais. A esquerda mais radical mobiliza-se contra o “retrocesso” tucano e a direita coerente, que tem várias divergências com a social-democracia peessedebista, apoia com unhas e dentes o candidato mineiro. A impressão é que o eleitor terá que escolher entre projetos opostos – enquanto eles de fato guardam mais semelhanças que diferenças – num tribalismo que obscurece a realidade.
O contexto político-eleitoral brasileiro, dadas essas conclusões, é muito desfavorável a qualquer projeto político liberal. Dada a tendência estatista do brasileiro mediano, um projeto legitimamente liberal-libertário tem pouco espaço no mainstream da política. Está relegado, mais ainda que a esquerda e a direita radicais, à marginalidade eleitoral. Parece, de fato, que só pode triunfar no debate de ideias, fora da arena política formal, como dizia Hayek. Apenas a propagação das ideias liberais fará possível alterar a mentalidade do brasileiro mediano nessa direção, possibilitando vitórias também eleitorais. Nesse processo, é claro, a visibilidade conferida pela disputa eleitoral é importante – mas jamais suficiente.
* Comumente traduzido, erradamente, como “teorema do eleitor médio”. Trata-se da mediana, não da média – isto é, do eleitor que está no meio na “fila” de eleitores ordenados pelas suas preferências, em vez do eleitor representativo.
João Pedro Lang é, à noite, um liberal chato e, durante o dia, graduando na UnB. Seus interesses passam por macroeconomia, relações internacionais, economia da proibição, política brasileira, filosofia da ciência e leituras liberais e libertárias. Encontre-o em seu blog In dubio pro libertate.