por Roberto Xicó
O caso dos rolezinhos me apresentou como algo difícil de ser analisado. Não tenho a facilidade discursiva de dizer que é mais uma faceta da dominação capitalista-burguesa como se vê em 11 de 10 análises de origem marxistas. Não me parece que seja uma luta de classes entre o rolezinho e os shoppings. Eu podia constantinizar geral e fazer o discurso diametralmente oposto para chocar ou dizer que de algum modo isso é culpa da esquerda e do “lulo-petismo” – mas isso não é, de fato, uma análise. Mas, de modo geral, essas análises partem de pressupostos equivocados advindas de uma pressa de mostrar a resposta certa. Certa aqui, na verdade, significa achar uma resposta ideologicamente conveniente.
O principal problema dessa discussão parte do padrão de observá-lo de maneira dialética. O pensamento dialético é uma visão do mundo que ele é formado por duas forças opostas que geram um novo resultado. O seu principal formulador é Hegel, mas ele foi levado as últimas consequências por Marx e a sua intepretação histórica de uma dialética materialista. Atualmente, esse lógica de pensamento se popularizou e se tem a tendência de ser ver tudo como tendo só dois lados. No entanto, na maioria da vezes isso não se sustenta a uma interpretação mais profunda.
Primeiramente, temos que entender que a única coisa que de fato existe são indivíduos. Eu gosto de dizer que indivíduos são os seres com que eu posso sentar em uma mesa de bar, tomar uma cerveja e ter uma conversa. Eles são o que realmente importa. O resto são criações da nossa cabeça. Rolezinho, shopping não se sentam em nenhuma mesa de bar. Todas as ações decorrem de indivíduos. E qualquer análise tem que se focar nessas ações.
Partindo desse pressuposto, como podemos ver a questão dos rolezinhos? Temos que parar de achar que existe, somente, dois lados e que um tem que estar certo ou ser a vítima. De modo geral, a realidade é mais complexa do que isso.
Na verdade, o que se vê é existem tantos lados quanto particiantes em toda essa questão. Mas é possível fazer uma aproximação dizendo que exite um grande grupo de jovens da periferia em uma atitude que pode ser considera irresponsável, um outro grupo que poderia ou esta utilizando dessa mutildão para fazer merda como roubar. Também há os comerciantes e o dono do shopping que possivelmente querem defender a(s) sua(s) propriedade(s) e em uma certa visão de mundo. Por fim, há a polícia militar e a sua ação.
Dessa salada não se observa uma vítima e um vilão. A situação é bem mais complexa do que isso. Ela demostra um microcosmos da sociedade brasileira.
Por um lado uma crescente parcela da sociedade mais pobre que deseja as melhorias derivadas do mercado e do capitalismo, seja de maneira construtiva ou destrutiva. Um dos grandes desafios da sociedade brasileira contemporânea é a real inserção dessa população dentro do mercado de trabalho e de consumo. Os pobres não estão protestando contra aquilo que o shopping representa. Ao contrário, eles querem aquilo que o shopping representa: capitalismo, riqueza e consumo.
Ao mesmo tempo, mais uma vez, a polícia age como ela sempre agiu. A corporação tem as marcas de uma herança repressora que assume que todo negro e pobre é bandido e inimigo. A polícia que acaba agindo simbioticamente como seguranças privados do empresariado, mas ela tampouco tem escolha – acaba obrigada à ação pelas decisões judiciais.
Finalmente, alguns empresários dotados de racionalidade míope não observam as inúmeras possibilidades de lucro e sucesso derivadas do consumo por parte dessas populações marginalizadas. Como constatado pela imprensa, os frequentadores dos rolezinhos querem produtos que são vendidos no shopping: um tênis da Nike, um smartphone, um Julliet e uma camisa da Oskley. Eles não são diferentes do resto da população – só parcelam em mais vezes no cartão.
O que há nessa situação são atores agindo racionalmente com informações limitadas (muito dessa limitação, inclusive, derivada de preconceitos como o racismo). Essa informação limitada leva a resultados que não são aqueles que beneficiam a todas as partes. Os vários lados da questão não conseguem lidar com a situação da melhor maneira possível, isto é, não conseguem atender o desejo de consumo das populações que marginalizadas e aumentar o lucro dos shoppings.
Esse ponto de encontro que causa fricção não é a revolta contra capitalismo brasileiro ou uma baderna invejosa contra os ricos. É só uma característica do primitivismo do capitalismo tardio brasileiro.
A mudança desse cenário vai determinar em quanto tempo o Brasil – um país que aos poucos enriquece, desde o fim da inflação – vai se tornar verdadeiramente um país de classe média, isto é, um país com capitalismo maduro. Só o tempo vai responder isso, mas é essa peculiaridade, muito mais do que os radicalismos da internet, é a coisa mais interessante dos rolezinhos.
Roberto Xicó é cientista político que era marxista e se tornou liberal na universidade. Ele não sabe como. Só sabe que foi assim. Seus interesses são política, história, MPB e tecnobrega. Ele não vai falar de economia porque acha isso um saco.