O mundo do vinho muitas vezes intimida. Ele é cheio de jargões (termos estranhos como “taninos” e “terroir”). Além disso, frequentemente quem entende de vinho age com petulância e prefere criar barreiras que tornam difíceis para a maioria das pessoas saber o que é um vinho bom ou ruim. Dada todas essas dificuldades, como alguém que não tem a menor intenção de virar um “sommelier” pode saber se vale pagar alguns reais a mais por um vinho? É essa pergunta que esse artigo quer responder.
Uma análise objetiva da qualidade de um produto precisa ser razoavelmente imparcial. Isso porque alguns estudos científicos comprovam que, se você alterar as expectativas de quem está provando algo – por exemplo, mudando cores, odores ou informando o preço de antemão –, os resultados serão enviesados. Por tal razão, revistas especializadas, como a Wine Spectator, fazem avaliações de vinhos às cegas. Numa avaliação “às cegas”, os especialistas não podem saber qual vinho estão provando, porém sabem qual a sua safra e região, de modo a ter informações que ajudem na avaliação, mas que não a enviesem pelo poder de uma marca. Ou seja, de um vinho produzido na região de Mendoza, na Argentina, com a uva Malbec, serão esperadas certas características. Mas o especialista não saberá se está provando um Crios da Susana Balbo (que custa R$45,00) ou um Angelica Zapata (R$300,00).
Em sua tarefa, o avaliador precisa sintetizar a sua percepção sensorial do vinho degustado em uma pontuação de 0 a 100 pontos. Os vinhos de 95 a 100 pontos são considerados “clássicos”; aqueles de 90 a 94 são “excepcionais”; de 85 a 89, “muito bons”; de 80 a 84 pontos são os “bons”; de 75 a 79, “medíocres” e, finalmente, abaixo dos 74 pontos eles são “não recomendados”. Mais de 250.000 rótulos foram avaliados às cegas pela Wine Spectator ao longo desses mais de 25 anos de atividade – e pouquíssimos vinhos avaliados chegam às pontuações mais altas.
Ao contrário do que uma leitura desatenta informará, a grande maioria dos vinhos não é no mínimo “muito boa” (85-89 pontos). Para as revistas especializadas, há uma pré-seleção do que “importa ser avaliado”. Infelizmente, a maior parte das garrafas disponíveis no mercado é de coisas medíocres ou ruins. Contudo, ao relacionar o sistema de pontos com o preço dos vinhos, podemos começar a escolher produtos descentes sem arriscarmos o nosso dinheiro. A compra não precisa ser às cegas. Além disso, ela não precisa custar os olhos da cara.
O seguinte gráfico relaciona o preço no mercado americano de uma garrafa padrão (750ml) e a respectiva pontuação atribuída pela Wine Spectator.
Existe uma forte correlação entre o preço dos vinhos e a pontuação que eles recebem às cegas. Em geral, toda vez que o preço do vinho dobra, sua nota sobe quase 3 pontos. Isso significa que, em média, para você sair de um vinho “excepcional” (90 pontos) e chegar em um “clássico” (95 pontos), você vai precisar pagar quatro vezes mais caro.
Isso soa muito caro, mas nem tudo está perdido. Não é necessário muito dinheiro para beber algo que presta. Para ficarmos em algo disponível no mercado brasileiro, um Trapiche Broquel Malbec 2011 está disponível por US$13,00. Esse vinho marca 90 pontos na nossa publicação de referência – ou seja, cai na categoria de vinhos “excepcionais”. E vinhos de 90 pontos são bons? Geralmente não deixam ninguém triste.
Além disso, exatamente porque para cada 3 pontos adicionais o preço do vinho em geral dobra, os primeiros reais investidos têm um “retorno” maior em termos qualidade. Se você passa de um vinho de 20 reais para um de 40, a melhora vai ser bem significativa para seus 20 reais investidos. Se você escolhe um de 120 reais no lugar de um de 100 reais, a melhora vai ser quase nula.
Os preços altíssimos de vinhos muito bons se explicam porque produzir vinhos de altíssimo nível não é algo simples. Na verdade, envolve um monte de investimento em material, gente, terra e dura ao menos um par de décadas. E isso não custa pouco dinheiro. Por isso, na família dos “clássicos”, a mais alta faixa de pontuação (95-100 pontos), não há nada barato. Com muita sorte você acha alguma coisa na casa dos 30-40 dólares. E para os vinhos de pontuação máxima, que eu chamo de “vinhos da Santa Ceia” (tão bons que seriam dignos da própria Providência encarnada), separe dinheiro e tempo. Geralmente você encontrará apenas safras mais jovens e que precisam de bons anos de envelhecimento para que você não queime as centenas de dólares que deixou nele.
Outro segredo revelado pelo gráfico é que existe uma dispersão significante em cada categoria. Entre os vinhos da Santa Ceia, os preços variam entre 64 e 256 dólares! Aqui que cabe entender o que lhe agrada o paladar e, em seguida, gastar um tempo pesquisando os rótulos de melhor custo-pontuação naquela família de vinhos.
Tudo bem, mas todos esses dados são do mercado americano. E o mercado brasileiro? Não temos os mesmos dados disponíveis, mas, na minha experiência de consumo, tenho observado a mesma correlação. Vinhos mais baratos no mercado internacional tendem a ser mais baratos aqui. O mesmo para os mais caros. A depender das margens de lucro de sua importadora favorita, você vai majorar os preços internacionais de 80%-100% até 150%-300%.
De todo modo, o gráfico também se aplica aqui, mas com a curva deslocada para a direita. Com a forte desvalorização do real e o aumento de tributos sobre a comercialização, isso piorou drasticamente a partir de 2015. Pelas centenas de rótulos que venho catalogando, acredito que estejamos falando em aumentos que vão dos 30% aos 100%. Não é nada tranquilo e, muito menos, favorável. Mas não é por isso que se pode desistir.
Em termos gerais, quando você quiser escolher aquele vinho para dar de presente para sua chefe ou aproveitar uma noite com seu namorado, lembre-se que os primeiros adicionais reais investidos valem muito à pena. E, mais importante, aproveite e deguste o momento. Como dizia Roger Scruton, “o vinho, bebido na ocasião certa, no lugar certo e na companhia certa, é o caminho para a meditação e o arauto da paz.” Saúde.