Recentemente a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) autorizou empresas aéreas a cobrarem dos consumidores pelo despacho de bagagem, sob o argumento de que a separação das cobranças levaria a passagens aéreas mais baratas. A reação foi previsivelmente negativa. A revolta só cresceu desde que o IBRE e o IBGE relataram um aumento nas tarifas aéreas de junho a setembro, como podemos ver aqui. Boa parte da imprensa nacional correu para relatar o fato.

De fato, a julgar pelo que se lê, parece que cobrar bagagem à parte ou não teve impacto sobre as tarifas ou, pior, as fez aumentar. Entretanto, as conclusões são precipitadas.

Por que permitir a cobrança da franquia de bagagens?

Antes de entrar no aspecto empírico, vale entender o que fundamentou a decisão da ANAC. Seria ingênuo acreditar que empresas aéreas oferecem serviços acessórios, como comida e transporte de bagagem, gratuitamente. Como não podiam cobrar por estes serviços à parte, esses custos eram incorporados aos preços das passagens, tivesse o cliente malas consigo ou não. Assim, temos o que economistas chamam de subsídio cruzado: todos pagam pelo serviço, mas apenas alguns usufruem dele.

Agora suponha que as empresas recebam autorização para discriminar o transporte de bagagem. É tentador dizer que cobrarão mais de seus clientes para aumentarem seus lucros, mas faz sentido? Afinal, se empresas aéreas buscam o maior lucro possível e incluem o transporte de bagagem na tarifa, elas já estão cobrando o máximo que podem de seus passageiros. Portanto, se passarem a cobrar uma franquia e as tarifas não caírem, tudo o mais constante, as empresas perderiam demanda e lucro. Conclui-se que, tudo o mais constante, as tarifas diminuirão.

Essa é a ideia por trás da medida, algo razoavelmente consensual entre economistas.

O que aconteceu quando a mesma medida foi tomada no exterior?

Por mais bem fundamentado que seja o argumento teórico, é sempre necessário averiguar se ele tem aderência à realidade. Ou seja, conferir se os dados confirmam a intuição.

Ainda é cedo para saber o que ocorreu no Brasil. Nenhum estudo sólido pode ser realizado com tão pouco tempo desde a mudança. Por outro lado, há muitos dados de outros países. Antes da mudança, apenas Brasil, Venezuela, Rússia, México e China regulavam a franquia de bagagem. Não faltam dados, portanto, para checar o impacto da regra no preço em outros países.

Os economistas Jan Brueckner, Darin Lee, Pierre Picard e Ethan Singer realizaram um profundo estudo sobre a regra, nos EUA. A conclusão confirma a intuição: a cobrança da franquia de bagagem tende, de fato, a diminuir o preço das passagens.

A imprensa brasileira sequer entendeu o significado dos dados antes de divulga-los

Algum leitor mais cético apontará (com razão) que os resultados não necessariamente se aplicam ao Brasil. Afinal, segundo os dados citados por reportagens da grande imprensa, as tarifas subiram após a autorização da franquia. No entanto, ainda não podemos inferir nada.

Os dados usados pelas reportagens, tanto do IBRE quanto do IBGE, não se prestam a avaliar o impacto da medida sobre as tarifas; são apenas uma parte dos índices de inflação que essas instituições produzem.

O primeiro problema é que a cobrança de franquia vigora desde o final de junho e tanto o IBRE quanto o IBGE coletam os preços com 30 e 60 dias de antecedência, respectivamente. Assim, a variação de junho a parte de julho relatada pelo IBRE e a registrada de junho a parte de agosto pelo IBGE antecedem a mudança e não lhe podem ser atribuídas.

Ainda mais grave, vale notar que o IBGE passou a incluir as despesas com taxa de bagagem ao preço da passagem a partir de setembro, de modo que os dados do IPCA incluem o preço cheio. Não são úteis a esta análise, portanto.

Por fim, como algumas empresas aéreas oferecem os dois tipos de passagem (com e sem taxa de bagagem) e os dados são agregados, i.e., fazem uma média das tarifas de todas as empresas nas regiões estudadas, não conseguimos observar o que aconteceu em cada caso.

Em suma, os dados do IBRE e do IBGE não podem ser usados para avaliar o efeito da cobrança de franquia sobre as tarifas.

A imprensa brasileira cometeu erros infantis de análise

Esclarecidos os defeitos dos dados, há ainda falhas metodológicas graves. Há outros fatores que influem nas tarifas – o preço do combustível, a atividade econômica, a sazonalidade, etc. – e variam ao longo do tempo. Se essas variáveis são relevantes e estão mudando, pelo menos parte da variação dos preços decorre delas. Desta forma, um estudo muito mais complexo seria necessário para identificar o efeito de cada variável para isolar o impacto da franquia de bagagem.

Tomemos como exemplo a sazonalidade: tarifas tendem a subir em certas épocas do ano e cair em outras por motivos diversos – períodos de férias, feriados e outros eventos com frequência anual ou maior influenciam a demanda por transporte aéreo. Alunos de economia aprendem, desde a graduação, os problemas em analisar uma série sazonal sem o devido cuidado.

Desenhamos o padrão sazonal no gráfico abaixo com a variação mensal mediana da tarifa média por mês, conforme os dados do IPCA de 2009 até setembro de 2017.

Não escapará ao leitor que a sazonalidade favorece o aumento das tarifas de voos realizados de junho a setembro – e, portanto, é razoável supor que ela explique em parte os aumentos observados. Ademais, nota-se também que a variância da taxa de crescimento mensal das tarifas é tamanha que poderia ofuscar o impacto da cobrança da franquia.

Em suma, é perfeitamente possível que os opositores da cobrança da franquia de bagagem estejam certos. No entanto, para sustentarem sua tese é necessário que: a) entendam e usem os dados adequados; e b) controlem os efeitos de outros fatores com métodos apropriados.

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