O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) disse ontem, na Comissão de Impeachment do Senado, que ali se estava julgando algo análogo ao “impeachment de J. M. Keynes”, pois a presidenta seria condenada pelas políticas anticíclicas que promoveu desde 2012, aplicadas para reverter uma suposta crise. É engraçado que o senador diga isso. Quando li a “Teoria Geral”, não me lembro de Keynes defender que o objetivo da política anticíclica seria enfiar o país na maior recessão do século.

A bem da verdade, o que o governo fez não tem nada a ver com Keynes, mas com William Nordhaus, economista que propôs o “Political Business Cycle” (ciclo político da economia). Num trabalho publicado em 1975, Nordhaus formalizou uma teoria que muita gente já percebeu intuitivamente: dadas certas circunstâncias, um governo oportunista tende a engendrar ciclos, criando uma sensação de prosperidade no período que antecede eleições, promovendo em seguida um ajuste recessivo para poder recomeçar o ciclo nas próximas vésperas eleitorais.

Justamente para combater esse padrão de comportamento, o Brasil tem uma Lei de Responsabilidade Fiscal – que, apesar de um avanço em relação à situação anterior, é ainda extremamente limitada pelo vasto aparato de instrumentos que o governo tem para fabricar ciclos artificiais. As “pedaladas fiscais” são apenas a ponta de um iceberg maior que envolve muitas outras “pedaladas”, como:

(i) a manipulação de preços administrados como gasolina e energia elétrica;

(ii) a redução forçada da taxa de juros;

(iii) a expansão do balancete de bancos públicos

(iv) a concessão de benefícios tributários insustentáveis

Depois da eleição, todas essas medidas tomadas antes das eleições de 2014 tiveram que ser corrigidas bruscamente. O resto é história.

Em alguns casos, o propósito dessas medidas foi tão obviamente oportunista que o próprio quadro do governo praticamente admitiu o que tinha acontecido. No ano passado, o então ministro da fazenda  Joaquim Levy disse em coletiva de imprensa que as desonerações da folha de pagamento foram “um erro” e “grosseiras”. Pouco depois, a língua solta lhe custou um ministério.

As desonerações não foram “grosseiras”, nem “erros”. Essas medidas buscavam apenas a indução de uma vitória eleitoral e atenderam perfeitamente a esse objetivo. Na época, certa pandilha de economistas pendurados no governo inventou um nome pra dignificar o embuste, que seria uma “Nova Matriz Econômica”.

Cumpriu-se assim a missão histórica da heterodoxia brasileira, de sempre emprestar um verniz de intelectualidade a qualquer ideia ruim que atenda os interesses imediatos de um governante. Não por acaso, muitos defensores da Nova Matriz eram escolados defensores de tragédias do passado, como o Plano Cruzado e o congelamento das poupanças por Collor.

Nada do que está acontecendo hoje foi inesperado. O que surpreendeu a todos foi a reação nada passiva da população diante isso. Toda crise econômica é uma catástrofe humanitária, e causar algo do tipo por conta de interesses pessoais é tão grave que talvez mereça até mais do que um impeachment.

Perto de fraudes e da irresponsabilidade fiscal, a corrupção é brincadeira de criança. Hoje, o Brasil aprende isso da pior forma. E isso não tem nada a ver com Keynes.

Compartilhar