No último dia 28 de julho, os reforços de 10 mil homens do Exército e da Força Nacional, foram disponibilizados até o final do ano por meio de decreto para o Estado do Rio. Recentemente, um bebê atingido pela violência da Baixada Fluminense quando ainda estava na barriga da mãe morreu, num caso acompanhado pela mídia. Também, no dia 1º de Agosto, a UERJ, que compete com universidades federais em prestígio, anunciou a impossibilidade de continuar a dar aulas no segundo semestre de 2017 e, por isso, cancelou pelo resto do ano letivo suas atividades, com salários de servidores atrasados por 4 meses.
O quê, afinal, está acontecendo com o Rio de Janeiro? Como tanta insegurança e incerteza assolam um estado que recebeu dois eventos de grandeza internacional nos últimos anos? O que houve com o grande legado na infraestrutura prometido? Onde está a receita para manter funcionando as instalações das Olimpíadas? A população do Rio está descrente no seu estado e desanimada com os últimos acontecimentos.
A elite política do estado, da região metropolitana ao norte fluminense, apostou num desenvolvimento alavancado pela indústria do petróleo e grandes obras de apoio, que iriam desdobrar-se em outros investimentos pelas regiões.
O COMPERJ, um complexo petroquímico, foi planejado para abarcar ao menos 15 municípios do Conleste – Consórcio de Desenvolvimento do Leste Fluminense. Mesmo assim, pouco foi feito para até mesmo concretizá-los: sem finalizar as construções, paradas desde 2013, o estado colhe hoje os frutos de uma política de desenvolvimento cara e sem resultados. O consórcio vencedor era formado pelas empreiteiras Odebrecht, Mendes Júnior e UTC.
Nas palavras do vice-governador Francisco Dornelles, as fontes de receita do governo quebraram: Petrobrás e empreiteiras, assim como as prestadoras de serviços destas. Neste cenário, concluir obras de impacto foi um privilégio reservado ao início do governo Pezão, em 2015, com o Arco Metropolitano e a última linha do metrô na capital.
A falta de eficiência e desperdício de dinheiro público no estado explica parte dessa história. A resposta pode estar em uma conta na Suíça do ex-governador Sérgio Cabral; no bolso do Jacob Barata – dono da FETRANSPOR e influente por toda a região metropolitana; superfaturada em um contrato da Delta Construções, encabeçada por Cavendish, ou em uma das empresas de Eike Batista.
Na foto que ilustra esse texto, Cavendish curte um jantar em Paris com dois secretários de Cabral, de Saúde e Governo – este último, responsável por comandar muitas das caras obras planejadas para o desenvolvimento local.
Integrantes do governo tem sido protagonistas de ações do Ministério Público e da Polícia Federal em desdobramentos da Lava-Jato, envolvendo financiamento de campanhas, cartelização e monopolização de contratos públicos, superfaturamento de obras e troca de favores entre público e privado.
Além da ineficiência e de um planejamento estratégico muito simpático a empreiteiras, essa relação obscura entre público e privado se manifesta nas grandes desonerações fiscais, que custaram 138 bilhões de reais em ICMS nos seis exercícios fiscais entre 2008 e 2013, período de bonança.
Com uma população mais velha do que a média nacional, o número de servidores inativos na folha do Rio de Janeiro é superior ao de ativos. De quebra, o gasto anual com pessoal praticamente triplicou entre 2009 e 2015, em valores correntes, segundo o Tesouro Nacional.
Um dos fatores-chave para tanta irresponsabilidade no campo das despesas foi igual conduta com as receitas. O governo previa arrecadar bilhões com royalties de petróleo, quando o preço do ouro negro se encontrava no seu recorde histórico. Com base na esperança de que a exceção continuaria eternamente, o governo se comprometeu .
O governo estadual diz que não consegue cortar gastos e isto é verdade, na ausência de reformas. Conforme conta o secretário estadual da fazenda, mais de 90% do orçamento a sua disposição vai para funcionários ativos e inativos, dívidas com o governo federal e obrigações constitucionais com saúde e educação.
Como resultado, tudo o que o governo pode administrar livremente hoje se resume a 4,5 bilhões de reais e não há como encurtar o déficit de 20 bilhões de reais rapidamente, sem reformas ou impostos. Nos próximos anos, a situação exigirá ajuda do governo federal, o que não é sustentável ou justo com estados mais pobres.
O resultado é um orçamento incontrolado, gerando episódios lamentáveis.
Os servidores estão numa situação penosa: 204 mil deles não estão com seus salários em dia e a maioria não recebeu nem a integridade do salário de maio – 2 meses de atraso, exceto em casos excepcionais, que o governo só pagará em setembro, quando um empréstimo do BNDES será liberado integralmente. De acordo com o secretário de Fazenda do Estado, Gustavo Barbosa, já são 2,4 bilhões em obrigação acumuladas e não pagas.
Na UERJ, a situação consegue ser ainda pior: por estar associada à pasta de Ciência e Tecnologia do governo estadual, que é paga por último na folha de pagamentos, seus servidores se encontram sem salário há 4 meses. Sem condição de exigir serviço daqueles que não foram preparados para uma austeridade tão grande do governo, a faculdade desistiu de terminar o ano letivo, não retornando suas atividades para o segundo semestre deste ano.
Sucateamento é uma coisa que a Polícia Militar do Rio entende bem: com falta de recursos, não só deixa metade de sua frota de carros parada, mas dos 6.756 carros, 1.836 não estariam em condições de rodar as ruas. Reclamações de falta de proteção são frequentes: embora acusada de ser a polícia que mais mata, é também a que mais morre em números crescentes: até julho já tinham morrido mais policiais que em todo o ano de 2016. Sem condição de aumentar seu contingente humano, o último concurso foi feito em 2014. Por sinal, você trabalharia em uma organização onde 3,6% dos trabalhadores são assassinados em trabalho?
Nos últimos 10 anos, foram feitas 11 intervenções das Forças Armadas além da atual. Duas vezes para ocupações de Favelas, três para eleições, cinco para eventos internacionais e uma vez no início deste ano, para a votação de pacotes de austeridade na Assembleia Estadual. Os militares estiveram presentes na cidade em 9 dos últimos 10 anos – algo inédito na história recente da república brasileira.
Instalações federais importantes estão passando por apertos no Rio de Janeiro: o Acervo Nacional, por exemplo, com quilômetros de correspondências e arquivos de períodos da colônia até a República, não tem dinheiro previsto para terminar o ano e boa parte desse acervo pode ser perdido por falta de conservação. Episódios do tipo ocorrem ainda na UFRJ.
A situação do governo federal é, em muitas dimensões, parecida: quase todos os gastos do governo são obrigatórios, há um grande déficit e as discussões sobre ajuste envolvem reformas até agora mal sucedidas. Uma diferença é a já mencionada idade do fluminense, mais velho do que a média nacional.
Outra diferença fundamental é de relevância. Caso o governo federal precise atrasar salários e aderir a práticas duvidosas para cumprir suas obrigações, o impacto é evidentemente maior. Não só pela dimensão das decisões em Brasília, mas pela capacidade do governo de imprimir dinheiro para fechar sua conta.
As consequências desse cenário seriam imprevisíveis. Não é difícil imaginar que, como no caso do Rio, um aumento generalizado da criminalidade seja um preço a se pagar pela irresponsabilidade com o dinheiro público.