Um dos pilares da teoria de John Maynard Keynes é que ciclos de investimento passam pelo “espírito animal”. É a ação tomada por vias que não se limitam ao complexo cálculo de uma média ponderada de benefícios quantitativos multiplicados por determinadas probabilidades de sucesso.
Como se diz popularmente, é a decisão feita no “feeling”, na confiança de que o investimento vai ser rentável.Durante uma recessão, é mais difícil ser confiante sobre o futuro – investimentos são postergados. Se a recessão ficar braba, a própria crença de que amanhã será pior do que hoje faz o investidor deixar de investir e o homem comum guardar dinheiro. Ficam todos precavidos e o motor da economia para.

E o que pode colocar a roda da economia em movimento novamente, de acordo com essa visão? Governos. Mais exatamente, investimentos governamentais. Agindo como equilibrador da demanda agregada – investindo quando o restante está ressabiado, com medo – o governo toma a liderança. O gasto do governo chega aos bolsos de empresas contratadas e seus funcionários. Estes, por sua vez, gastam os recursos em outras atividades – o valor inicial assim se multiplica na economia.

Aos poucos, as demais pessoas vão percebendo que a coisa pode melhorar, que dá para voltar a arriscar, que se ele investir logo vai comprar coisas baratas e começar a ganhar dinheiro antes dos competidores. Puft! A ação do planejador benevolente da economia, o governo, retoma a atividade econômica ao crescimento e pleno emprego.Mas, para que essa história minimamente funcione, é preciso que as pessoas confiem no próprio governo. Ou seja, é preciso o governo empresário ter “bala na agulha”, poder pegar emprestado a um custo muito baixo.

Dessa forma, ele canalizaria recursos que estavam parados (porque ninguém se aventurava a investir) em uma atividade produtiva. George Akerloff e Robert Shiller, em “O espírito animal: como a psicologia humana impulsiona a economia e a sua importância para o capitalismo global” (Editora Campus, 2009), falam de políticas keynesianas como multiplicadoras de confiança.Os dois eminentes economistas escreveram o livro após o auge da crise financeira de 2008, mas ainda distante de ter clareza do resultado das medidas keynesianas adotadas nos Estados Unidos e Europa. Sabemos que bolhas financeiras são causadas por excesso de confiança. E os autores sofreram de uma “bolha intelectual”; inflaram Keynes demais, chamando-o até de “nosso herói”. Defendem a ideia que estímulos monetárias são vitais, mas não suficientes. Se for preciso até direcionar empréstimos o governo deve fazer. E assim foi feito.

Os estímulos monetários nos EUA continuam a toda força, com juros no chão e políticas de expansão monetária. Ao mesmo tempo, os keynesianos da administração Obama também chamaram “a cavalaria”: os gastos de governo que compõem a política fiscal de estímulo. Com juros muito baixos e quase US$ 1 trilhão de estímulos fiscais, foi como dizer ao espírito animal que andava morto: “levanta-te e anda”. Mesmo assim, a economia não saiu do canto.

É verdade que não se entrou numa depressão, mas ninguém tem a confiança de que daqui para frente, tudo vai ser diferente. A aposta fiscal foi muito elevada e como resultado… “deu xabu”. Um órgão não partidário do estado americano (o Congressional Budget Office) estima que o pacote terá um custo de US$ 830 bilhões entre 2009 e 2019, sendo que metade deste valor já entrou no déficit de 2010. O resultado é que os EUA estão perigosamente aumentando a sua dívida, devendo chegar a 70% do PIB ao final deste ano – o maior nível desde o final da Segunda Guerra Mundial (ver aqui). Isso é quase o dobro do valor encontrado por Obama antes de assumir – o que mostra a enormidade da dívida contraída nesse curto espaço de tempo, superando de longe todos os nada benéficos gastos militares de George W. Bush.

A política de concessão direcionada de empréstimos também vem se mostrando um fiasco. Mais do que isso, tem até caso de polícia. Dentro da política de favorecer “empregos verdes”, a administração Obama, em 2009, garantiu um empréstimo de US$ 535 milhões para a empresa de painéis de energia solar Solyndra. Previa-se a geração de 1.000 empregos fixos e 3.000 na construção da fábrica de placas de energia solar – além, claro, do efeito multiplicador do investimento (como nas empresas de instalação de placas). Pouco mais de um ano depois, a Solyndra anuncia a falência e deixa o prejuízo de meio bilhão de dólares para o contribuinte americano. Relatos de funcionários dão conta de que o processo produtivo só fazia perder dinheiro e executivos da companhia mentiram ao governo americano sobre a capacidade financeira da empresa. O FBI agora investiga as conexões da Solyndra com integrantes da Casa Branca e a forma como foi decidida a concessão do empréstimo.

Para quem não acredita na capacidade do estado de “escolher vencedores” esse [Solyndra] é um caso típico. Para quem não acredita na viabilidade de políticas keynesianas, a crise [2008] atual é um prato cheio. O espírito animal certamente despertou os aventureiros da Solyndra, mas o grande público não se movimentou como esperado. O “feeling” é de que estímulos feitos por governos altamente endividados não funciona (um erro mais de alguns keynesianos do que de Keynes). Isso porque tal ação tem um custo futuro elevado, pois pode implicar um futuro aumento de impostos, cortes fiscais ou até mesmo aumento de juros por downgrade de dívida soberana. Quem é que investe achando que a sua moeda pode perder valor no futuro próximo, ou que os impostos terão que subir para pagar gastos do governo, que por sinal também devem ser cortados?

É atrativa a ideia de que modelos puramente racionais não dão conta de explicar a dinâmica de decisões econômicas. Há toda uma área de economia comportamental com interessantíssimos trabalhos sobre isso. O espírito animal, ou qualquer nome que queira se dar, pode influenciar a retomada. Só que o animal não é burro.

 

Fear the boom and bust é um hit de 2010. No vídeo, os economistas do século XX John Maynard Keynes e Friedrich von Hayek (interpretados por Billy Scafuri e Adam Lustick , respectivamente) fazem uma batalha de rap discutindo o ciclo de ascensão e queda da economia. O vídeo tem mais de cinco milhões de visualizações no YouTube.

Artigo publicado originalmente no Instituto Ordem Livre sob o título A inteligência do “espírito animal” (novembro de 2011).
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