Poucos países são tão importantes para as relações do Brasil com o mundo quanto a Argentina. Nosso maior vizinho sempre foi determinante na definição de estratégias e práticas no meio internacional.
Brasil e Argentina são os dois maiores países da América do Sul, com as maiores economias da região, mas os acordos cooperação e ganho mútuo são razoavelmente recentes. Não é coincidência que as cidades no extremo sul do Brasil, como Santa Maria (RS), concentrem boa parte do contingente militar brasileiro [1].
O Mercado Comum do Sul (Mercosul) foi criado como um gestos de cooperação, mas os objetivos e perspectivas no momento de sua criação são muito distintas das que hoje guiam o bloco. Do final dos anos oitenta até a assinatura do tratado que criou o bloco, o objetivo era muito claro: estabilizar as historicamente conflituosas relações entre o Brasil e a Argentina e levar a uma relação mais saudável, democrática e efetiva após os anos fechados em regime ditatoriais.
As lideranças brasileiras e argentinas chegaram à conclusão que juntas chegariam mais longe e teriam mais peso nos temas internacionais. O Mercosul foi a materialização desse ideal de integração entre o Brasil e Argentina que acabou incluindo os pequenos países-satélites Uruguai e Paraguai a partir de uma perspectiva de maior integração econômica na região.
O Mercosul pautou o livre-comércio para dentro do bloco, mas deu passos muito tímidos na sua incorporação a mercados globais. Argentina e Brasil assinaram, na década de 90, três acordos de livre comércio. O Chile, sozinho, assinou quatro [2]. De fato, a principal razão da não entrada do Chile ao Mercosul foi a decisão do governo chileno de manter as negociações de um acordo de livre comércio com os EUA, assinado em junho de 2003.
Restrito a Argentina e Brasil (além de pequenos vizinhos), e pouco integrado ao resto do mundo, o Mercosul foi derrapando até a ascensão dos governos Lula e Kirchner. Com eles, nasceu um novo Mercosul: o Mercosul social. Nesse novo Mercosul, o aspecto econômico ficou em segundo plano. Isso deve-se, por um lado, ao forte protecionismo argentino durante os governos Kirchner, que sempre dificultou, por exemplo, a negociação de um tratado de livre comércio com a União Europeia, que se arrasta por mais de uma década. Por outro lado, o Brasil colocou a relação com Argentina e, por conseguinte, o Mercosul em segundo plano.
Pode-se dizer que o bloco ficou mais amplo, mas mais raso já as políticas de efetiva integração econômica e produtiva saíram do debate. Esse caráter social do bloco se acentuou com a entrada da Venezuela que pede oficialmente a sua entrada em 2005 e consegue a entrada em 2012 graças ao impedimento do Paraguai que ainda não tinha aprovado no seu congresso a sua entrada. Chávez mina ainda mais o caráter econômico do projeto inicial do Mercosul.
Esse novo cenário para o bloco levou a formação de um caráter político que é estranho aos seus objetivos iniciais e um aumento institucional. Uma consequência é o surgimento de problemas de governança com acusações de um mal e partidário uso dos recursos do bloco. Além disso, fortalecendo e vocalizando discursos abertamente antagônicos aos desejos da sua fundação de liberalização econômica, como se observa na “Declaração da XIV Cúpula Social do Mercosul” que afirma:
3 . Concordamos que a dimensão econômica e comercial deve se pautar no aperfeiçoamento da participação social, trabalhista, educativa, ambiental e cultural da integração regional, superando as receitas neoliberais que, ainda hegemônicas, têm-se fortalecido com a crise pela atuação global das Instituições Financeiras Multilaterais e dos países centrais. (…).
Nesse sentido, nos preocupa o avanço das negociações do Bloco com a União Europeia, (…) e, por isto, reiteramos a necessidade de maior transparência nesse processo negociador. Alertamos para que este acordo não venha reproduzir as negociações nos padrões da Alca.
Portanto, o novo Mercado Comum do Sul é, paradoxalmente, um bloco de integração econômico-comercial antiliberal. E este novo tem tudo para também se tornar velho. A vitória de Mauricio Macri tem todo o potencial de colocar em cheque as bases que este novo Mercosul está sustentado. Do ponto de vista econômico, há uma boa vontade para favorecimento do livre-comércio como não se vê no bloco desde de, pelo menos, uma década. A partir da posse de Macri em 10 de dezembro começará possivelmente o momento mais propício para a aprovação do acordo com a União Europeia, a despeito das palavras dos movimentos sociais. Não só isso, o novo mandatário argentino já deu indicações claras da necessidade de se olhar o pacífico para a Aliança do Pacífico (composta pelo Chile, Peru, Colômbia e México) e o TPP (Trans-Pacific partnership).
Do ponto de vista político as mudanças tendem a também serem relevantes. O mais claro foram as assertivas e duras palavras de Macri contra o regime chavista e a indicação de pedido pela suspensão da Venezuela a partir da cláusula democrática. É difícil cravar os resultados concretos disso, mas sem dúvida diminui o poder de manobra de Maduro para fraudar as eleições de 6 de dezembro e também coloca mais ânimo na oposição. Além disso, e menos óbvio é a mudança no xadrez geopolítico que poderá mudar o desejo de Bolívia e Equador para entrarem no Mercosul.
Enfim, a vitória de Macri parece indicar que o Pêndulo político da região chegou ao seu limite e está voltando, o ciclo de governos de esquerda aparenta estar se esgotando. E o melhor: dentro de processos democráticos e estabilidade institucional. O Mercosul seguirá a reboque dessas mudanças e tende o velho voltar a ser novo, com um novo enfoque nos aspectos de liberalização econômica. Agora resta saber se o resto de mandato de Dilma até 2018 vai acompanhar essa tendência ou vai tentar reagir contra, como deve fazer a Venezuela. Até agora o Brasil tem consigo a proeza de não conseguir fazer nenhum dos dois.
[1] Para entender mais profundamente a relação entre os dois países recomendo o livro da Miriam Saraiva “Encontros e Desencontros: O lugar da Argentina na política externa brasileira”