Há muita polêmica sobre as alterações nas regras do pré-sal, já aprovada pela Câmara dos Deputados e destinada agora para sanção presidencial. Muita gente tem feito declarações que pouco ou nada correspondem ao que de fato foi alterado, o que nos faz buscar a racionalização acerca da temática.
Inicialmente, cumpre esclarecer que atualmente temos dois grandes modelos de exploração do pré-sal[1]: concessão e partilha. A concessão está vigente para os blocos exploratórios leiloados antes das descobertas (meados de 2006 e 2007), enquanto a partilha, por sua vez, está vigente há 6 anos – desde 2010. Neste período, tivemos apenas uma única experiência – o Leilão do bloco de Libra. Várias diferenças afastam os dois modelos, mas vou me ater àquelas que foram objeto de alteração no Congresso Nacional.
No modelo de concessão, a Petrobrás estava sujeita à concorrência com as demais empresas petrolíferas que quisessem atuar no país e que tivessem capacidade técnica, econômica e jurídica. Já no modelo de partilha, foi instituído um cenário monopolístico em que a estatal seria operadora única, tendo ainda o percentual mínimo de 30% dos consórcios formados.
Ser operadora única não é uma característica intrínseca ao modelo de partilha, mas uma obrigação adicional instituída pelo modelo brasileiro. Assim, pode haver naturalmente um modelo de partilha sem a existência de uma operadora única.
Conforme a própria Lei do Pré-Sal diz em seu art. 2º, VI, operador é o responsável pela “condução e execução, direta ou indireta, de todas as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações de exploração e produção”. É importante frisar que ser operador envolve desafios operacionais, financeiros e logísticos consideráveis.
O consórcio – também definido na Lei nº 12.351 de 2010 em seu art. 10, III, c – é, por sua vez, a aliança das empresas vencedoras da licitação responsáveis pela “exploração e produção do petróleo” que atuarão em conjunto com a operadora (necessariamente a Petrobrás) nos termos da seção VII da mesma Lei. Ou seja, o consórcio vencedor da licitação necessariamente estará sujeito ao modelo operacional da companhia petrolífera.
Isso quer dizer que a estatal brasileira, por mais que possa se consorciar a outras empresas para explorar o pré-sal, precisaria ser a líder do consórcio, ou, como é mais usual, a operadora exclusiva. É sobre essa obrigação que versa a alteração em trâmite no congresso, aprovada ontem na Câmara.
Pelo que eu pude notar dos debates nas redes sociais, poucos leram o teor do texto aprovado, por isso, trarei os seguintes esclarecimentos.
O debate não é sobre trazer novamente o modelo de concessão, mas oferecer a oportunidade de a Petrobrás se manifestar sobre o seu interesse em ser operadora única. Assim, mantém-se o modelo de partilha.
O projeto não altera a destinação dos royalties oriundos da exploração do pré-sal para saúde (25%) e educação (75%). Portanto, espalhar memes nas redes sociais que repassem essa mensagem é uma grande desonestidade.
Uma simples lida no art. 49 da Lei do Pré-Sal – Lei nº 12.351 de 2010 – é suficiente para trazer luz ao debate. Não há diferenciação no recebimento dos recursos de acordo com a empresa operadora. Ou seja, independentemente de ser a Petrobras ou qualquer outra, os recursos repassados ao Fundo Social são os mesmos!
O fator prejudicial da destinação dos royalties para a saúde e educação é a ausência de novas rodadas de exploração, o que diminui, devido à queda da atividade do setor, os futuros aportes ao Fundo Social. Isso nos deixa sujeitos apenas à exploração que já existe.
Para quem não leu o texto como foi aprovado na Câmara, sugiro que o faça. Caso seja sancionado, a empresa petrolífera continuará com preferência de ser operadora única.
Transcrevo aqui como será a nova redação do art. 4º da Lei nº 12.351 de 2010:
“Art. 4º O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), considerando o interesse nacional, oferecerá à Petrobras a preferência para ser o operador dos blocos a serem contratados sob o regime de partilha de produção.
§ 1º A Petrobras deverá manifestar-se sobre o direito de preferência em cada um dos blocos ofertados, no prazo de até 30 (trinta) dias a partir da comunicação pelo CNPE, apresentando suas justificativas.
§2º Após a manifestação da Petrobras, o CNPE proporá à Presidência da República quais blocos deverão ser operados pela empresa, indicando sua participação mínima no consórcio previsto no art. 20, que não poderá ser inferior a 30% (trinta por cento).”
Críticas devem ser feitas à redação, afinal, não fica claro se o CNPE considerará a manifestação da Petrobrás, positiva ou negativa, para a exploração dos blocos. Além disso, a mesma crítica vale para a ratificação de quais blocos serão destinados à Petrobrás após a apresentação da manifestação do CNPE à Presidência da República. Haverá a possibilidade de o presidente contrariar todas as manifestações ou cabe à presidência a mera homologação das decisões da Petrobrás e do CNPE?
Como se vê, novos embaraços foram criados e, certamente, o melhor para a petrolífera seria ter o poder de escolher, por si só e de forma definitiva, em quais blocos teria o interesse em operar. Os demais que fossem entregues a outras iniciativas.[2]
Afinal, deixar toda a indústria petrolífera brasileira sujeita à capacidade técnica, financeira e operacional da Petrobrás não vem apresentando bons resultados – como você pode conferir aqui e aqui. Desde 2010, ano da entrada em vigor da partilha, tivemos apenas o Leilão do bloco de Libra – que nem mesmo iniciou a produção e foi leiloado pelo valor de lance, ou seja, menor valor que a União poderia ter arrecadado.
Verdade! Mas os atuais campos produtivos do pré-sal são aqueles em que a Petrobrás estava sujeita à concorrência do modelo de concessão, e não do modelo de partilha. Assim, toda a produção do pré-sal atual é fruto dos blocos concedidos durante a vigência do modelo anterior[3].
Bom, precisamos de certa coerência com essa afirmação. Afinal, a empresa estatal, em decorrência da sua internacionalização, está presente em vários blocos de exploração em outros países, como na América Latina, por exemplo. Assim, o argumento de entreguismo deve ser, no mínimo, isonômico. Ou a Petrobrás é vítima de entreguismo, ou ela usufrui do entreguismo de outros países.
Está faltando leitura sobre a nova proposição em trâmite que, provavelmente, será sancionada pela presidência.
Aliás, desde o governo Dilma, o Ministro de Estado de Minas e Energia e o Ministro de Estado da Fazenda já se manifestavam favoráveis à alteração. Inclusive, na época da aprovação do projeto de lei no Senado, já havia sinais de que o governo Dilma havia negociado a redação do texto que fora aprovado. Assim, também não é honesto dizer que essa é uma mudança resultante eminentemente do governo Temer.
Ademais, é preciso entender que as matrizes energéticas do mundo todo estão se alterando drasticamente, a ponto de os EUA estarem exportando petróleo para a Venezuela. Não podemos continuar perdendo tempo com modelos regulatórios ineficientes e nos alongando em debates que pouco contribuem com o cenário energético nacional. Deveríamos, ao contrário, refletir sobre a expansão de energias não convencionais – mas esse é tema para um próximo texto.
Por fim, noto que ocorre uma certa confusão entre o petróleo ser nosso ou o petróleo ser da Petrobrás. Se o petróleo for nosso, e, por consequência, for meu, prefiro que esteja sendo explorado da forma mais eficiente e que mais gere recursos para a União. Infelizmente, não é isso que tem ocorrido, e jamais irá ocorrer mantendo o atual cenário da Petrobrás como operadora única.
[1] Também existe a cessão onerosa. Porém, como foi um modelo instituído para um objetivo específico, não o incluirei aqui, já que sua aplicabilidade é limitada apenas a alguns blocos.
[2] Vale salientar que era assim que funcionava no modelo de concessão, período de pujança econômica da Petrobrás e do setor petrolífero brasileiro.
[3] Uma pequena parte da produção é fruto da cessão onerosa.