Em meio a polêmicas do último Exame Nacional do Ensino Médio, uma importante questão acabou passando relativamente despercebida em meio a tantas críticas polarizadas (e em geral infundadas) sobre o feminismo e os papeis de gênero na sociedade contemporânea. Trata-se de uma referência a um texto do renomado geógrafo Milton Santos, famoso crítico do processo de integração e descentralização de processos produtivos conhecido como globalização. A questão está abaixo, com a resposta “correta” assinalada em vermelho.
Note que a pergunta não é de mera interpretação de texto – não diz respeito ao que o autor afirma, no trecho mencionado, ser uma consequência da globalização. A pergunta questiona quais são as consequências dos processos descritos no texto. Ela é, portanto, uma pergunta sobre a realidade empírica. E a única forma razoável de se responder uma pergunta empírica é ver se a afirmação encontra guarida na realidade – ou seja, observar se houve, de fato, aumento de desemprego como consequência da globalização.
Ocorre que, quando analisamos os dados, essa proposição é simplesmente falsa. Nos últimos 25 anos, a taxa de desemprego no mundo se mantive relativamente estável, orbitando sua média histórica de cerca de 6,1%. A tese de Milton Santos, portanto, carece de elementos empíricos para corroborar com sua veracidade. Veja abaixo.
Realmente ocorreu um processo de automação dos processos produtivos. Isso ocorreu por causa de amplos investimentos em capital (máquinas e tecnologia) em países pobres que passaram a ser polos de manufatura – como a China, a Índia, a Coreia do Sul, Taiwan e o Vietnam. Com esses investimentos, os trabalhadores passaram a ser mais produtivos e seus salários aumentaram.
O aumento da produtividade do trabalho e dos salários explica o porquê da pobreza ter diminuído tanto na era da globalização. Em 1990, 37,1% dos seres humanos viviam na pobreza absoluta. Em 2015, essa estatística passou a ser de 9,6%. Se a taxa de pobreza tivesse sido mantida constante, hoje haveria dois bilhões de pobres a mais no mundo! Sim, dois bilhões! Em apenas 25 anos, conseguimos tirar dois bilhões de pessoas – ou 27,5% da humanidade – da pobreza. Veja abaixo.
Sem globalização e automação dos processos produtivos não haveria esse imenso grau de redução da pobreza observada nos últimos 25 anos. E isso ocorreu sem que tenha havido um aumento nos níveis globais de desemprego. Milton Santos, por mais brilhante que ele fosse, estava errado. E a resposta tida como “correta” pelos elaboradores do ENEM também.