O Governo Federal, pronto para terminar 2015 com o segundo déficit primário seguido e perder o selo internacional de bom pagador da dívida, vivencia um período de esforço de corte de gastos. Pela primeira vez desde o governo Collor, foi anunciada a extinção de ministérios e demissão de três mil cargos comissionados. Enquanto para muitos pode parecer pouco, para alguns é uma atitude digna de protesto. Um exemplo é um recente artigo de José Antônio Lima na Carta Capital, Estado mínimo em um país sem o mínimo de Estado. Nele, o autor afirma que o Estado brasileiro já é mínimo, e muitas vezes nem isso ele é para a maioria dos cidadãos.
O autor, ao criticar o ajuste fiscal, de fato está certo em afirmar que muitas vezes o Estado não provém nem o mínimo para a população. Na verdade, ele acerta errando o alvo, pois ignora que o tamanho do governo não necessariamente significa que ele é um bom provedor. Basta seu tamanho se misturar à ineficiência e corrupção nos serviços públicos que deveria oferecer.
Para se ter uma ideia, no Relatório Global de Competitividade (Global Competitiveness Report) de 2014-2015, em todas as matérias de governança estamos sempre nos últimos lugares do ranking de 144 países. No quesito “Desperdício de dinheiro público”, o Brasil aparece em 137º lugar, atrás da Grécia (131º), Guatemala (128º) e até do Haiti (108º). Em “eficiência do governo” nós ficamos em 131º, mas é em “perdas por regulação” que ficamos mais próximos da lanterna, no espetacular penúltimo lugar (143º) no elenco do relatório.
Ainda para além desses fatores, de fato o Estado brasileiro é ainda um grande Leviatã que, com seu tamanho, absorve mais de quem menos tem a oferecer, e mais beneficia quem dele menos precisa. José Antônio de Lima menciona, por exemplo, o número de empregados pelo Estado: de fato, o Brasil em geral está muito atrás de diversos países em termos de servidores públicos. Apenas 12% da nossa força de trabalho está ocupada em empregos pagos pelo Estado, enquanto em países como o Reino Unido essa porcentagem está em 20%. Por que, então, isso seria um problema para nós, mas não para eles? Porque, em realidade, o salário que pagamos aos nossos servidores é excessivamente alto (em relação ao nosso nível de renda), o que torna o pagamento dos salários um custo muito elevado – e sem nenhuma contrapartida na qualidade dos serviços públicos.
Tendo como base o Boletim Estatístico de Pessoal de fevereiro de 2015, também citado pelo autor, apenas naquele mês o custo médio dos servidores públicos civis ativos do Poder Executivo da União ficou em R$ 9.732, o que multiplicado pelo efetivo daquele mês representa um gasto de 1,5% do PIB de 2014 – três vezes o gasto no Bolsa Família, por exemplo. Para comparar, em 2011 o salário médio dos servidores seniores (mais velhos e mais bem remunerados) dos Governos Federais da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que agrupa países de renda alta) era 62% maior do que o PIB per capita desses países. Enquanto isso, em 2015 o salário médio de todos os servidores (do mais novo ao mais idoso) do Governo Federal brasileiro era 323% maior do que a renda per capita do Brasil em 2014 (mais de quatro vezes maior).
De fato, não é a toa que a máquina pública seja um problema fiscal enorme no Brasil, mesmo que não tenhamos servidores suficientes. O IPEA, tendo já se atentado para essa distorção, apontou em um estudo de 2013 que a remuneração dos funcionários públicos, além de pressionar as contas públicas, aumenta a concentração de renda no Brasil.
Certamente é sintomático que José Antônio Lima tenha se esquecido de criticar o outro lado do ajuste: desde o início do ano, o Governo Federal tem aumentado alíquotas de impostos antigos, reajustado acima da inflação preços administrados de estatais e tentado, a todo custo, recriar a CPMF. É senso comum falar da elevada Carga Tributária no Brasil (em torno de 35% do PIB), mas não se fazem tantas comparações com o resto do mundo. De fato, nosso governo tributa mais do que muitos países com serviços públicos muito melhores que os nossos, como Portugal, Suíça, Austrália e Nova Zelândia (veja no gráfico abaixo). Entre mais de 140 países, ficamos atrás apenas 14 países europeus, cuja renda é por vezes três vezes maior, reduzindo o ônus tributário.
O pior de nossa carga tributária, no entanto, não é o seu tamanho, mas sua estrutura injusta e complexa. O texto do IPEA de 2008, “Receita Pública: quem paga e como se gasta no Brasil”, evidencia o caráter concentrador de renda do sistema de impostos no Brasil, que recai com maior peso – 53% da renda – sobre aqueles que ganham até dois salários mínimos de 2008 (cerca de R$ 1.060,00 atualmente). O ônus tributário é bem menor – apenas 29% – sobre aqueles que ganham mais de 30 salários mínimos (R$ 15.500,00 atualmente). O gráfico abaixo escancara a injustiça do sistema tributário brasileiro: quem sustenta a elite do funcionalismo público são, ironicamente, os mais pobres.
Nossa carga tributária, para ainda além de injusta, é extremamente complexa. O relatório Doing Business de 2015, do Banco Mundial, que cobre apenas o Rio de Janeiro e São Paulo, estima que, para um empresário pagar impostos durante um ano, é preciso gastar 2.600 horas apenas para lidar com a burocracia. Isso frente a 366 horas na média da América Latina e 175 na média da OCDE, o que nos coloca, entre 189 países, no 177º lugar no quesito “Pagando impostos” do estudo.
Tamanha complexidade também tem efeitos perversos sobre a concentração de renda, pois relega diversos pequenos empreendedores à marginalidade. Segundo uma pesquisa realizada em 2013 pela SPC-Brasil e CNDL, 49% dos empreendedores informais não conheciam os meios para regularizar seus negócios. Quando perguntados sobre as principais razões para se manterem na ilegalidade, as respostas mais frequentes foram o alto custo e a burocracia para abrir um negócio formal. Não é para menos, afinal de contas: novamente segundo o Doing Business, para um empresário abrir um negócio é preciso de no mínimo 102,5 dias de resolução de burocracia e pagamento de taxas, frente a 30 na América Latina e 9 na OCDE.
Portanto, não é preciso se enganar: nosso Estado está muito longe de ser mínimo, apesar de prover aquém do “essencial”. Para que possa melhorar seus serviços públicos sem se agigantar ainda mais, é preciso repensar não só a gestão desses serviços, mas encarar a questão dos excessivos salários dos servidores públicos, que pressionam as contas do governo e dificultam a contratação de mais efetivo. Além disso, é preciso apequenar o Estado para aqueles sobre quem seu peso é maior: os trabalhadores de mais baixa renda e os pequenos empreendedores relegados à informalidade. Para isso, é preciso reduzir a carga tributária sobre os mais pobres e diminuir drasticamente a complexidade do pagamento de impostos.
O Estado brasileiro não precisa ser mínimo. Mas não pode ser gigante sobre aqueles que menos podem pagar a conta.