Em algum momento de sua formação escolar, você provavelmente estudou alguma coisa de ecologia, isto é, a parte da biologia que se preocupa com as formas de organização existentes entre os seres vivos. Talvez você não imaginasse isso na época, mas alguns conceitos básicos de biologia podem te ajudar a entender um pouco de economia.

Uma das coisas mais fantásticas que existem é a cadeia alimentar. Muito mais que nos dizer quem come quem no mundo animal, ela regula o tamanho das populações de modo que nunca haja indivíduos de mais nem de menos de cada espécie, apenas o suficiente para o equilíbrio daquele nicho.

Se a população de ratos por algum motivo cresceu mais que o esperado para determinado ano, haverá mais alimento disponível para as águias, dando espaço para que sua população também cresça. Havendo mais águias, porém, mais ratos serão consumidos, e a população de roedores diminuirá até que a quantidade restante não seja suficiente para alimentar todas as águias e algumas morrerão de fome.

Assim, após um período de flutuação, a natureza restabelece seu equilíbrio. Esse mecanismo é interessante por ser a prova de falhas. O equilíbrio sempre se restabelece, e isso acontece porque, para a cadeia alimentar, não importa se é a águia que come o rato ou o rato que come a águia, eles são interdependentes e iguais em importância. A população de águias depende da de ratos para se alimentar e a de ratos depende das águias que os comem para que não haja ratos demais, já que o excesso de ratos dificulta a busca por alimentos.

Só existe uma coisa capaz de causar um desequilíbrio duradouro nas auto-correções da cadeia alimentar: a interferência humana. O ser humano, por assim dizer, “retirou-se” da cadeia alimentar ao desenvolver técnicas de criação e reprodução de animais que lhe s permitem o controle de outras populações que não a sua. Somos a única espécie com poder para isso.

Se a população de ratos em uma determinada área cresce moderadamente, águias passarão a frequentar a região com mais assiduidade, comendo os roedores e controlando o crescimento populacional. Se, por outro lado, é a população de águias que aumenta, o oposto acontece: o número de ratos disponíveis para alimenta-las não será suficiente, e logo o crescimento da população diminuirá por conta da ausência de comida para as novas águias.

Podemos também imaginar um terceiro cenário: se um laboratório de pesquisas falir e soltar em uma região específica todos os ratos que eram utilizados em experimentos, talvez a população de roedores cresça acima do limite suportado pela natureza, e nem as águias poderão contê-la, criando assim uma praga.

Mercados também possuem mecanismos de adaptação a mudanças. Não porque existe um Deus Mercado controlando a Mão Invisível, mas porque o sistema de preços é capaz de ajustar a economia a mudanças nas preferências, assim como a cadeia alimentar ajusta as populações animais às mudanças no meio ambiente.

Os indivíduos fazem o papel das espécies que buscam o sucesso reprodutivo. Não é que, num mercado, uma parte busque prejudicar a outra para garantir o jantar. As pessoas se engajam em transações justamente pelo motivo oposto: cada um acha que sua vida ficará melhor com aquela troca. Aos preços, cabe o papel de transmitir nossas preferências para as outras pessoas, garantindo que mudanças nas preferências se transformem em mudanças na demanda ou oferta de bens e serviços.

Se a população de um país envelhece e começa a demandar mais sapatos anti-derrapantes para idosos, a oferta desse tipo de calçado precisa aumentar para atender os novos consumidores. O problema é que, sem os preços, não haveria como informar aos produtores sobre as mudanças nas preferências. Ademais, como saber em qual medida os preços e a oferta devem aumentar, de forma que o maior número de consumidores consiga comprar sapatos?

Com o aumento dos preços – e, consequentemente, o aumento da oferta -, os consumidores terão mais opções de sapatos anti-derrapantes e preferirão os mais baratos. Enquanto a demanda aumentar, a oferta seguirá aumentando para atender os novos clientes.

A partir de determinado ponto, os sapateiros serão obrigados a abaixar seus preços (ou melhorar seus calçados) para não perderem clientes. Se a oferta continuar crescendo, os preços cairão até um ponto em que a atividade se torna tão pouco rentável que alguns sapateiros resolverão tentar empreendimentos em outras áreas e fechar suas sapatarias. Com menos sapatarias, os preços tornarão a subir, e a cair de novo, e a subir, até que se encontre um equilíbrio. Analogamente ao que acontece no mundo animal, quando há uma mudança nas condições de oferta e demanda, os preços são capazes de realinhar produtos e preferências.

Como nada na vida é perfeito, existe também uma “espécie” capaz de provocar desequilíbrios duradouros no mercado; a única instituição capaz de efetivamente controlar oferta e demanda – o Estado. E ele o faz ativamente em todos os setores, através de impostos, subsídios e regulações, provocando distorções nos preços e, de tempos em tempos, crises.

Imagine que o Estado resolva estimular a indústria nacional de calçados. Ele pode fazê-lo criando barreiras alfandegárias que dificultam a entrada de sapatos internacionais no Brasil, por exemplo, o que dá ao cliente menos opções e permite aos vendedores cobrar mais caro, já que o risco de perder seus compradores diminui. O Estado pode também subsidiar a produção de calçados, o que permitiria aos vendedores vender seus produtos por um valor mais baixo que seu preço de mercado.

Isso levaria a um aumento artificial da demanda. Pessoas que em, condições normais, não comprariam sapatos passariam a comprar porque estão muito baratos, o que dá um sinal errôneo a novos empreendedores de que o setor de calçados é promissor. E se o Estado resolver que só ele pode produzir sapatos? Nossa única opção será, então, comprar dele (ou ficar sem, o que não é bem uma opção), e os preços estarão totalmente sujeitos ao que o governante achar mais interessante para sua política econômica, bem como a qualidade do serviço, que não tem qualquer incentivo para ser melhorada.

Talvez o Estado não se preocupe tanto assim com as indústrias de calçados (embora estas possuam, também, inúmeras regulações que limitam a concorrência no setor), mas você com certeza já ouviu falar de IPI reduzido, das altas tarifas de importação do Brasil e da Sabesp. O resultado? Uma frota absurdamente grande de carros, Playstations importados por 4000 reais e uma taxa de quase 40% de desperdício de água no estado de São Paulo.

Os ambientalistas já perceberam que o problema da natureza não é a natureza. Será que falta muito para esticarmos um pouco o raciocínio?

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