Na semana passada o governo anunciou importantes medidas micro-econômicas com objetivo de dinamizar a economia pela redução da burocracia, facilitar o comércio e aumentar a oferta de crédito e redução de seus custos. Entre essas medidas, está a de reduzir de 30 para 2 dias o prazo para que as operadoras de cartão de crédito estornem o dinheiro pago no crédito para os lojistas.

Hoje, a fintech Nubank, que atua há 2 anos no Brasil e já emitiu mais de um milhão de cartões de crédito, anunciou que se essa medida entrar em vigor, seu negócio ficaria inviabilizado. Trata-se de uma startup que mistura tecnologia e finanças. A operadora anunciou que não possui caixa, tampouco estrutura financeira para adiantar todos os pagamentos antes do pagamento da fatura pelo cliente. 

Cristina Junqueira, cofundadora do Nubank, afirmou: “Nós já fizemos algumas simulações. Com dois dias é apagar a luz e fechar a porta. Com 15 dias, a gente precisaria de quase R$ 1 bilhão de capital adicional do dia para a noite”.

De fato esperar 30 dias para receber por uma venda parece uma situação muito prejudicial ao lojista, e lidar com essa questão parece um bom sinal do governo para dinamizar o comércio, sobretudo diante da maior recessão econômica da história brasileira. Entretanto, a redução desse prazo para 2 dias também parece gerar consequências ruins, como inviabilizar o negócio de fintechs de cartões de crédito, e concentrar o crédito nas maiores instituições financeiras. Esse conflito de interesses pode soar como uma polarização que tem de nos fazer ter de escolher entre a situação menos pior.

Entretanto, uma reflexão mais aprofundada sobre a temática pode levar a outras conclusões que fogem a essa polarização. Para isso, é necessário que se façam as considerações abaixo.

  • Inicialmente, cumpre dizer que atualmente os lojistas já podem receber instantaneamente pelas compras no crédito, e em um momento de contração econômica, boa parte deles já o fazem. Essa operação se chama “antecipação de crédito ao lojista” (ACL), entretanto os bancos cobram uma taxa para adiantar o procedimento, tornando-o imediato.

    Como a ACL já é praticada pelos mesmos bancos que também oferecem cartões de crédito, essa questão nos dá um vislumbre do que pode ser o futuro do crédito com uma medida assim aprovada: as taxas que o lojista paga para que as compras sejam passadas no crédito poderiam subir para se tornarem a soma entre a taxa atual + as taxas de ACL, ainda que haja um ganho de escala. 

    Ou seja, a medida pode mudar pouco para os grandes bancos, que possivelmente aumentariam as as taxas de compras no crédito para incorporar a ACL. Entretanto, essa situção pode ser até pior para o lojista, porque ele deixaria de ter a opção de escolher qual banco e quais as melhores condições para realizar a ACL, forçando uma venda casada entre a operadora de cartão e a ACL; em contrapartida, as fintechs, que não possuem a capacidade de oferecer a ACL, quebrariam.

  • Ademais, hoje os lojistas não podem discriminar preços de acordo com a modalidade de pagamento. Ou seja, se o cliente escolher pagar em dinheiro, no débito ou no crédito, eles são obrigados a cobrar o mesmo valor. Essa medida, embora tenha sido concebida com a intenção de proteger o consumidor de abusos, acaba por obrigar o lojista a equiparar o preço do produto tanto se o cliente passar no débito, quanto se escolher o crédito, bem como se o lojista realizar adiantamentos como o ACL, ignorando que há custos diferentes para cada transação. Essa questão impede o lojista de, por exemplo, cobrar mais caro no cartão de crédito, incluindo no preço a taxa de antecipação de crédito ao lojista, mantendo um preço mais barato para débito e dinheiro.

Diante dessas considerações, como alternativa à medida de reduzir o prazo de recebimento de crédito na marra, poderiam ser tomadas duas atitudes por parte dos reguladores:

    1. Correção da assimetria de informação: Muitos lojistas talvez não conheçam a opção de contratar a ACL, ou não tenham acesso à diversas opções. Para resolver isso, faz sentido uma regulamentação que obrigue o oferecimento da opção da “antecipação de crédito ao lojista” (ACL) sempre que um lojista fosse assinar o contrato com um operadora de cartão para obtenção de máquinas e afins. Nesse sentido, os bancos poderiam competir com taxas e condições para conquistar esse cliente que deseja adiantar seus recebimentos;
    2. Permitir a discriminação de preços por modalidade de pagamento e operadoras de cartão: A primeira parte dessa medida já faz parte do pacote anunciado pelo governo, ao propor a diferenciação de preço por modalidade de pagamento. Assim, o lojista pode fazer precificações mais racionais baseadas na modalidade de pagamento, melhorando a sua previsibilidade de receitas, e beneficiando o consumidor que poderá ter descontos à vista ou em dinheiro, pois o dinheiro da taxa não estaria embutido no produto.

Independentemente do que venha a acontecer, a principal lição que nos deixa o Caso Nubank é a facilidade como um órgão regulamentador, como o Banco Central, pode aumentar a barreira, diante de decisões controversas.

Compartilhar