Ao final de 2016, o governo federal propôs algumas alterações nas leis trabalhistas de modo a flexibilizar a chamada Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Um dos pontos mais polêmicos foi a prevalência do acordado sobre o legislado, com acordos coletivos negociados entre empresas e representantes podendo se sobrepor à CLT em 11 pontos relativos a jornada de trabalho e salário. Porém, a proposta deixa de fora pontos muito importantes, como o FGTS, já discutido aqui pelo IMP.
Um outro ponto que a proposta do governo não contempla é tornar os custos trabalhistas mais baixos. O tema também já foi abordado por este Instituto, e apresenta estimativas de que o peso da legislação trabalhista é de 48% do custo de um empregado segundo a Fundação Getúlio Vargas. Isso equivale a dizer que o empregado recebe pouco mais da metade do que a empresa paga pelo seu trabalho! É o conhecido pague 2 leve 1.
Porém, os efeitos de leis trabalhistas rígidas demais não se limitam a efeitos diretos sobre o trabalhador. Elas também possuem efeitos negativos sobre a economia como um todo, pois modificam as decisões tomadas pelas empresas. Em particular, existe toda uma discussão de como leis de proteção ao emprego e custos de demissão afetam a economia. Entre os custos dessa natureza no Brasil, podemos elencar o procedimento de demissão sem justa causa e as multas relacionadas. Há também toda uma insegurança jurídica, como a recente decisão do TRT-ES de proibir demissões sem a chamada justa causa.
Em recente estudo publicado no Journal of Finance, o mais importante periódico de finanças do mundo, Matthew Serfling examina como que leis de proteção ao emprego, que geram custos de demissão, afetam decisões de estrutura de capital das firmas nos EUA (Serfling 2016). A estrutura de capital da empresa vem da decisão de como a empresa deseja financiar seus investimentos: se com dívida, ou se com capital próprio dos sócios. Os resultados indicam que custos de demissão mais altos levam firmas a diminuírem seus níveis de endividamento. Mais do que isso, Serfling mostra que essas leis fazem com que o risco operacional da firma suba, aumentando a volatilidade dos lucros, ou seja, tornando lucros futuros mais imprevisíveis e consequentemente piorando a percepção de risco do negócio. Como se torna mais difícil ajustar o nível de mão de obra para o mais adequado, salários passam a se comportar como pagamento de juros de uma dívida, pois são devidos independentemente de quão bem a firma está economicamente. Devido a esse aumento de passivo que se assemelha a dívida, a firma diminui seu nível de dívida financeira.
Outro estudo de 2015, publicado no Review of Financial Studies, encontrou resultados similares usando dados de 21 países da OCDE (Simintzi, Vig, and Volpin 2015). Com isso, as firmas investem menos ao contrair menos dívidas, gerando menos trabalho e menos riqueza.
Também existem estudos mostrando como que custos de demissão afetam os índices de emprego. Por exemplo, um estudo de 2006 publicado no Review of Economics & Statistics estima que, nos EUA, a adoção de leis de proteção ao trabalho levaram a uma queda entre 0,8 e 1,7 pontos percentuais nos níveis de emprego (Autor, Donohue, and Schwab 2006). Os efeitos de curto prazo são mais severos para mulheres, jovens e indivíduos com nível educacional mais baixo, que são pessoas mais propensas a trocar de emprego. No longo prazo, os efeitos são mais pronunciados sobre a população mais velha e com maiores níveis de educação, que são mais propensos a acionar a justiça.
Um outro estudo conduzido com dados italianos mostra como que maiores custos de demissão levam a uma diminuição da atividade empreendedora, pois maiores custos levam a uma menor expectativa de lucros, diminuindo a atratividade de projetos e produzindo menos postos de trabalho (Kugler and Pica 2008), achado que é corroborado por outro estudo com dados dos EUA (Autor, Kerr, and Kugler 2007). Mais do que isso, existe evidência que aponta que maiores custos de demissão também torna mais difícil a recolocação no mercado de trabalho como mostra um estudo com dados espanhóis publicado no European Economic Review (Canziani and Petrongolo 2001). A intuição é que se uma firma se deu ao trabalho de dispensar um trabalhador, então ele deve ter alguma característica não desejável, como baixa produtividade. Portanto, a firma potencialmente contratante incorre não somente no custo de demissão, mas também no risco de contratar um trabalhador “ruim” (Kugler and Saint‐Paul 2004).
A produtividade é outro fator que custos de demissão afetam. Como ela determina a renda – pois numa economia mais produtiva o valor da mesma quantidade de trabalho é maior do que numa menos produtiva – é justo afirmar que tais custos possuem um impacto negativo sobre a renda. Simulações indicam que se os EUA tivessem as barreiras de entrada e os custos de demissão de países de baixa renda, a produtividade total dos fatores (PTF) cairia em 27%, diminuindo portanto a renda dos trabalhadores americanos (Moscoso Boedo and Mukoyama 2012). Como se torna mais custoso demitir, a movimentação de trabalhadores de firmas menos produtivas para firmas mais produtivas é prejudicada, levando à queda na produtividade, ou faz com que firmas retenham trabalhadores pouco produtivos, ou ambos (Autor, Kerr, and Kugler 2007; Moscoso Boedo and Mukoyama 2012). Um outro canal que induz a menor produtividade é o simples fato de que, numa economia com maiores custos de demissão, a probabilidade de quem já está empregado ser demitido é mais baixa. Isso pode levar a um menor comprometimento do trabalhador, e é o que mostra um estudo com dados italianos após uma reforma de 1990 (Scoppa 2010). Scoppa estima que o nível de absenteísmo (faltas no local de trabalho) aumentou em 3 pontos percentuais nas firmas afetadas, ou quase 20% de aumento sobre o índice pré-reforma.
Tomadas em conjunto, as evidências existentes apontam vários problemas criados pelas chamadas leis de proteção ao emprego. Elas elevam os custos de demissão, modificando as decisões das firmas, e causando impactos negativos sobre os próprios trabalhadores. Ao fim, nem sempre essas leis conseguem realizar o que propõem. Em dezembro de 2016 o governo anunciou uma medida muito tímida, de eliminar a multa de 10% do FGTS, paga ao governo, num prazo de 10 anos. Em vista da literatura econômica existente, é preciso fazer mais se o governo deseja tornar o mercado de trabalho brasileiro mais dinâmico e gerar mais empregos. Em seu comentário sobre, a economista Miriam Leitão afirma que “não adianta o empresário se dizer otimista se não recontratar”. Ela está certa, mas num ambiente tão hostil à contratação, quem estaria disposto a correr o risco face a tantas incertezas macroeconômicas? Num plano maior, já passou da hora do poder público no Brasil tomar decisões baseadas em evidências, não mais em achismo.