Dentro da Ciência Econômica há um pequeno número de consensos sobre qualquer assunto. Dentre eles, certamente se faz presente a absoluta importância do ensino infantil para o desenvolvimento socioeconômico de qualquer país.

Alguns podem achar estranha essa afirmação, uma vez que no campo do mercado de trabalho um diploma de Ensino Médio, Técnico ou Ensino Superior sejam mais valorizados para um bom salário e emprego. Todavia, sabe-se hoje que uma educação infantil de alta qualidade é a base do desenvolvimento de um indivíduo, pois o torna mais bem-sucedido e faz a sociedade funcionar melhor.

Quais são os efeitos do Ensino Fundamental para o indivíduo?

Em 2000, o economista James Heckman publicou estudos sobre impactos da educação nos indivíduos. Em sua obra, ele argumenta que a capacidade de uma criança aproveitar oportunidades no futuro a um custo menor é proporcional à atenção que seu desenvolvimento recebe em seus primeiros anos de vida.

Em um de seus mais destacados trabalhos, Heckman traça uma curva de retorno do investimento por nível educacional de acordo com uma compilação dos dados de sua pesquisa. O gráfico abaixo mostra que, a cada ano posterior, o retorno do investimento decresce exponencialmente, tornando essencial a educação nos primeiros anos de vida.

Isso ocorre porque o cérebro das crianças, ainda em desenvolvimento, tem altíssima capacidade de absorção e resposta aos estímulos, tornando o aprendizado extremamente duradouro. Além disso, uma vez sendo a vida finita, quanto mais cedo forem realizados os investimentos em capital humano, por mais tempo seus efeitos serão usufruídos pelas pessoas, tornando-o mais rentável ao longo da vida.

Quais são os efeitos do Ensino Fundamental para a sociedade?

A educação infantil não apenas traz retornos individuais àqueles que a usufruem, mas também a toda a sociedade. Ao considerarmos que o próprio desenvolvimento cognitivo gera maior produtividade do trabalhador, seremos levados, de maneira geral, a um maior crescimento do país, maior receita tributária e menor dependência de programas sociais.

Além dos benefícios públicos ligados ao mercado, segundo o economista Psacharopoulos, ganhos educacionais básicos também levam à redução do crime, maior coesão social e até menor transmissão de doenças infecciosas. Da mesma forma, os economistas Oreopoulos e Salvanes encontram resultados empíricos nos Estados Unidos demonstrando que um aumento dos primeiros anos de estudo levam a um grande aumento de felicidade, que, no entanto, vai marginalmente se reduzindo.

Tipo de Benefício Individual Social
Mercado Empregabilidade Maior produtividade
Maior renda Menos dependência de programas sociais
Menos desemprego Maior crescimento do país
Mobilidade
Não-Mercado Melhor eficiência de consumo Redução de crimes
Melhor saúde privada e familiar Maior coesão social
Maior felicidade Menor transmissão de doenças infecciosas

Fonte: Adaptado de Zeidan (2016)

Como está o Brasil nesse quesito?

Apesar de recentes esforços, o Brasil ainda está longe de priorizar a educação infantil na esfera pública: o ensino básico no país é o que demonstra o menor gasto por aluno e atendimento quando comparado aos demais. Assim, nossas creches e pré-escolas públicas ainda lutam por maior lugar ao sol nos orçamentos públicos país afora, como mostra o próximo gráfico.

Nos últimos anos, como se pôde notar, houve alguma sensibilização dos governantes nesse sentido –  especialmente graças à influência do economista Paes de Barros, ex-Secretário de Assuntos Estratégicos e formulador do Bolsa Família e do Brasil Carinhoso, um programa voltado para o apoio às creches. Com isso, foi possível aumentar a taxa de atendimento de pouco mais de 30%, em 2004, para cerca de 45% em 2014, um aumento de quase 1,5 pontos percentuais por ano, em média.

É importante ressaltar que o atendimento de educação infantil pública é especialmente importante para as classes baixas e médias, uma vez que, nesses casos, a grande maioria dos pais têm longas jornadas de trabalho e um ambiente sociofamiliar pouco propício ao desenvolvimento cognitivo. Por exemplo, em um estudo de pesquisadores da Universidade do Kansas, a diferença de palavras ouvidas por uma criança de uma família abastada e de uma família em situação vulnerável era de cerca de 30 milhões, e apenas até os 3 anos de idade. Essa diferença tem impactos gigantescos e irreversíveis sobre a capacidade da criança no futuro, o que pode comprometer o desenvolvimento de sua leitura, escrita, e aumentar a desigualdade social.

O aumento do atendimento por classe social no Brasil, como haveria de se esperar, teve trajetórias semelhantes – porém, com intensidades diferentes ao longo do tempo. Assim, o atendimento em creches e pré-escolas é maior para a classe alta, e menor para as classes média e baixa. Ainda, enquanto é possível ver um maior aumento para as classes sociais mais baixas no longo prazo, no curto prazo a taxa de atendimento das classes altas começam a ganhar fôlego a partir de 2011, como se vê no gráfico abaixo.

O economista Paes de Barros, já anteriormente citado, em uma entrevista recente, também fala sobre essa questão dos últimos anos:

“Agora, existe um problema com as creches no Brasil que chega a ser uma maluquice: a maior parte das creches públicas é usada por mães que não trabalham. Existe hoje espaço nas creches brasileiras para abrigar a vasta maioria das mães pobres que trabalham. Mas não se dá prioridade a elas. O Ministério Público diz que o direito à creche é universal. Ocorre que quem tem tempo para pegar a fila da creche, quem vai lá no Ministério Público reclamar que quer creche, é a mãe que não trabalha.”

O gráfico abaixo evidencia fortemente a questão do aumento de desigualdade de creches nos últimos anos. Com a maior oferta de vagas no período recente, as famílias de classe alta conseguiram aumento expressivo no atendimento de suas crianças – de mais de 5 pontos percentuais apenas entre 2011 e 2014. Nesse mesmo período, porém, as classes baixa e média obtiveram resultado muito inferior – cerca de 2,5 pontos percentuais, a metade das famílias mais ricas. Esse aumento da diferença, se continuar, terá um forte efeito sobre a desigualdade de oportunidades no futuro.

Conclusão

Como se vê, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer até que possa oferecer a oportunidade de um desenvolvimento cognitivo completo a todas as suas crianças. Mesmo com os recentes esforços no aumento do atendimento infantil, quem mais se beneficia com a aumento de vagas é quem menos precisa: as famílias mais abastadas, com familiares que não trabalham.

Enquanto isso, a chance dos mais abastados de se equipararem com os menos abastados é negada a milhões de outros grupos familiares com pais a trabalhar longas jornadas, sem a possibilidade de oferecer um ambiente propício para o aprendizado das suas crianças. Para isso acontecer, é preciso uma mudança de priorização dos níveis de ensino. Precisamos fortalecer o ensino infantil, e focar essa política pública no atendimento aos que mais precisam.

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