A recente petição pelo fim da obrigatoriedade de diploma de bacharel em Ciências Econômicas gerou um rebuliço. Hoje, apenas quem fez graduação na área pode ser chamado de economista ou ocupar cargos exclusivos. A regra é especialmente forte em concursos públicos.
A proposta de acabar com essa reserva de mercado foi recebida por órgãos de classe e de estudantes da área como um pedido de “fragmentação” da formação e da classe. Segundo eles, a medida diminuiria a qualidade dos economistas brasileiros.
Como a maioria das reservas de mercado, a exigência de diploma garante privilégios privados às custas da sociedade. A própria teoria microeconômica e a história nos mostram isso.
São muitos os profissionais brasileiros que trabalharam ou trabalham com economia, dando importantes contribuições para a área — seja no mundo acadêmico, no setor empresarial ou na esfera pública — mas que pelas regras vigentes não podem ser chamados de (e, na teoria, sequer trabalhar como) economistas.
Há quem diga que esse fenômeno se resume a profissionais mais velhos, por causa de uma suposta escassez de graduações em economia no Brasil, o que não faz muito sentido pois centros como a Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense existem desde os anos 40. E de forma alguma esse problema se restringe à velha guarda.
São muitos – de muitas origens e interesses – os geniais economistas brasileiros que não podem exercer a profissão segundo a legislação vigente.
Mário Henrique Simonsen, formado em engenharia civil, foi um dos maiores profissionais da área. Ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e ex-presidente do Banco Central, Simonsen foi professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas (EPGE-FGV), um dos melhores e mais tradicionais centros de economia no Brasil.
Na verdade, Simonsen criou a EPGE-FGV e seu curso de mestrado em economia. Diz a lenda que, na primeira turma, deu aula de todas as matérias. Foi também muito ativo como economista no setor privado, tendo sido um dos fundadores do banco Bozano Simonsen.
Sua tese de doutorado em Econometria, Inflação: Gradualismo x Tratamento de Choque foi publicada por uma série de editoras universitárias. Seu livro de Macroeconomia, escrito em parceria com outro profissional que não podemos chamar de economista, Rubens Penha Cysne, é leitura quase obrigatória para estudantes de graduação em economia.
Apesar de tudo isso, foi perseguido pela falta de diploma na área. Viu-se obrigado a cursar uma graduação em economia depois de já consagrado. Ironicamente, numa turma que utilizava seus próprios livros.
Em 2007, uma enquete do Valor Econômico com diversos economistas renomados elegeu Simonsen como o maior nome da profissão na história do Brasil. O segundo colocado foi Celso Furtado.
Furtado é amplamente considerado o maior economista desenvolvimentista da história brasileira. Seu livro “Formação Econômica do Brasil” é um clássico. É tido como a primeira tentativa de analisar sistematicamente o passado brasileiro, buscando respostas para o presente. Apesar das críticas, como o menosprezo da educação como fator para o desenvolvimento, a relevância é incontestável.
Furtado foi bacharel em Direito pela UFRJ e doutor em economia pela Universidade de Paris-Sorbonne. Passou um período na Universidade de Cambridge, onde completou o pós-doutorado e escreveu seu mais famoso livro. Contribuiu com os governos JK e João Goulart, neste último como ministro, e foi filiado ao PMDB. Deu aulas em grandes universidades do mundo, como Yale, Columbia e a própria Sorbonne.
Nada disso seria suficiente para o COFECON.
Eugênio Gudin foi o terceiro colocado na enquete do Valor. Formou-se em engenharia pela atual Escola Politécnica da UFRJ. Por sinal, a lista de engenheiros aqui é considerável.
Durante a carreira, escreveu diversos livros e foi um dos autores mais influentes do seu tempo. Ao contrário de Furtado, não esqueceu a importância da educação. Representou o Brasil na Conferência de Bretton Woods, à qual quase todos os países enviaram seus economistas mais importantes – o representante do Reino Unido, por exemplo, era Keynes.
Foi vice-presidente da FGV e professor da atual UFRJ. Também atuou como ministro no mandato de Café Filho e colaborou com diversos governos.
Ricardo Paes de Barros é engenheiro pelo ITA, mestre em estatística pelo IMPA e doutor em economia pela Universidade de Chicago. Conhecido como PB, foi o principal formulador do Bolsa-Família e é um prolífico pesquisador em economia.
PB é um dos principais especialistas brasileiros em desigualdade social. Atualmente, dedica-se ao tema da educação, como economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper.
Pela regra vigente, ele não é economista.
Marcelo Medeiros, importante pesquisador em econometria e professor de economia da PUC-Rio, não tem nenhum diploma de economia: é bacharel, mestre e doutor em engenharia elétrica.
Apesar disso, tem publicado em alguns dos mais renomados periódicos de economia do mundo. Em 2016, foram cinco artigos em periódicos internacionais. Em 2017, até agora, mais três. Cada um desses artigos passa pela “revisão por pares” – ou seja, importantes economistas de todo o mundo tem reconhecido o valor do seu trabalho.
No ranking de citações da RePEC, está entre os 20 economistas do Brasil mais influentes na academia. Nada disso é suficiente para a burocracia brasileira.
Pedro Malan é engenheiro e doutor em economia pela Universidade da California em Berkeley. Atuou em diversos órgãos no Brasil e fora. Foi professor da PUC Rio, conselheiro do Itaú Unibanco e integrou o FMI.
Sua fama, porém, é maior pelo que fez no poder público. Foi negociador da dívida externa em nome do Estado brasileiro, resolvendo um problema histórico da nossa economia. Atuou ainda como formulador do Plano Real e ministro da Fazenda durante todo o mandato de FHC.
Winston Fritsch, também engenheiro de formação, é doutor em economia pela Universidade de Cambridge. Foi professor da UFRJ e da PUC-Rio.
Com colegas desta última, participou ativamente do Plano Real, sendo Secretário de Política Econômica durante o período.
Joaquim Levy é engenheiro naval pela UFRJ e doutor em economia pela Universidade de Chicago, mas não pode usufruir do título de economista. Foi secretário do Tesouro no primeiro governo Lula, quando promoveu um bem sucedido ajuste fiscal, e ministro da Fazenda no segundo governo Dilma. Levy também atuou no setor privado, tendo sido diretor-superintendente no Banco Bradesco.
Após sua última passagem pelo Ministério da Fazenda, Levy foi nomeado diretor financeiro do Banco Mundial, cargo que atualmente ocupa. O ex-ministro já ocupou outras importantes posições internacionais, incluindo a vice-presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e sua atuação como economista no Banco Central Europeu.
Na mesma turma de Paes de Barros no ITA, estava Armando Castelar. Ele é bacharel em administração pela UFRJ e engenharia eletrônica pelo ITA, mestre em matemática pelo IMPA, é doutor em economia pela Universidade da California em Berkeley.
Hoje é consultor econômico, professor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador no Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV).
Doutor pela Universidade de Stanford, João Manoel Pinho de Mello ocupa atualmente a Secretaria de Reformas Microeconômicas do Ministério da Fazenda.
É professor titular do Insper e ex-professor da PUC Rio. Por ser formado em administração, oficialmente ele “não é economista”.
Eduardo Azevedo é um dos mais brilhantes economistas acadêmicos brasileiros da atualidade, além de ex-analista do Banco Central, publicando frequentemente nos maiores periódicos da área.
É professor da Universidade de Pensilvânia e Ph.D pela Universidade de Harvard. Por ser bacharel em matemática, não pode assinar como economista ou ocupar no Brasil um cargo exclusivo à profissão.
Cláudio Haddad teve grande destaque tanto na academia quanto no setor privado. Formado em engenharia pelo IME, cursou Ph.D em economia na Universidade de Chicago. Lá, foi um dos primeiros a estimar o PIB brasileiro no início do século. Sua tese é estudada por praticamente todos os cursos de História Econômica do Brasil, ainda hoje.
Haddad foi diretor do Banco Central e professor da EPGE-FGV, além de presidente e economista-chefe do Banco Garantia. Em 1999, passou a se dedicar à fundação de uma nova universidade privada no Brasil, o Insper, começando pelos cursos de economia e administração.
Alguns integrantes da lista, como Pinho de Mello e Ricardo Paes de Barros, são professores da escola de economia que ele fundou. Muitos economistas da nova geração surgem e surgirão de lá. Ainda assim, Haddad segue sem poder ocupar cargos exclusivos a economistas no Brasil.
Atualmente, o ocupante da importantíssima Secretaria de Política Econômica da Fazenda não pode assinar como economista.
Fábio Kanczuk é engenheiro eletrônico pelo ITA e PhD em economia pela UCLA, com pós-doutorado em Harvard. Antes de ir para o governo, era professor da USP e atuou em importantes cargos no setor privado.
Bernardo Guimarães é engenheiro pela USP e doutor em economia pela Universidade de Yale. Foi professor da London School of Economics, talvez a mais importante escola de economia da Europa. Atualmente, é professor de economia da FGV-EESP e um prolífico pesquisador na área.
Bernardo também foi colunista da Folha e escreveu um livro de Introdução a Economia adotado em diversas faculdades brasileiras. Assim como outros casos da lista, está entre os 20 mais influentes da academia brasileira.
Samuel Pessôa é formado em física pela USP e doutor em economia pela mesma universidade. Foi professor da FGV-RJ e atualmente é chefe do Centro de Crescimento Econômico do IBRE-FGV.
Em colunas na Folha e ensaios para a revista piauí, se consolidou como um dos mais ativos participantes do debate econômico brasileiro. Mas não pode ser economista ou ocupar cargo exclusivo, de acordo com o COFECON.
Um levantamento deste Instituto Mercado Popular mostrou que menos de 40% dos Prêmios Nobel em economia são bacharéis. Ou seja, mais de 60% dos laureados não poderiam assinar como economistas no Brasil. Em mais de 20% dos casos, os vencedores não tinham qualquer formação em economia, além da prática profissional.
A lista de pessoas que ajudaram e ajudam a economia no Brasil a crescer, mesmo sem serem bacharéis na área, é enorme e seguiria por muitos parágrafos. O importante é que o leitor entenda que certamente um diploma em economia não entrega qualidade profissional. Se assim fosse, não teríamos tantos grandes economistas brasileiros que não podem ser chamados assim sob pena de sanções trabalhistas. Afinal, incorreriam no perigoso crime de exercer um saber sem pagar mensalidade à uma corporação.
ATUALIZAÇÃO: A versão inicial deste texto continha Alexandre Schwartsman como integrante número 10 da lista. Posteriormente, descobrimos que, embora algumas páginas da internet mencionassem apenas sua graduação em administração, Alexandre também é bacharel em economia.
Agradecemos a Maurício Schwartsman pela correção. O substituto na lista é João Manoel Pinho de Mello.