por Rafael Arroyo
Podemos creditar ao liberal clássico francês, Fréderic Bastiat, originalidade na análise moderna das categorias econômicas “custo” e “intervencionismo”, ambas expostas em seu antológico ensaio “O que se vê e o que não se vê”.
Nessa série de pequenos contos de linguagem simples e objetiva, Bastiat busca refutar todas as elementares falácias econômicas que atribuem aos desígnios de um agente interventor supostos benefícios à ordem econômica e social. Isto é, trata de apontar os custos “ocultos” (em sua terminologia, “aquilo que não é visto”) relativos a intervenções diretamente visíveis sobre o processo de mercado.
Tal análise foi refinada por economistas posteriores. James Buchanan, em “Custo e Escolha”, mostra que custos representam a satisfação prospectiva relativa à finalidade abandonada no momento da escolha. Por sua vez, economistas relacionados à Escola Austríaca enfatizam o papel da ignorância e da incerteza no momento da ação (escolha) e a dispersão do conhecimento na sociedade [2].
Isto faz, portanto, com que os agentes desconheçam todas as possíveis conseqüências de suas ações e possuam conhecimento imperfeito sobre a real estrutura dos meios e possíveis finalidades a serem perseguidas. Resumindo, há conhecimento imperfeito por parte dos agentes dos custos de suas ações.
Não existe classe de agentes alheia a tal imperfeição do conhecimento. De fato, tal imperfeição tende a aumentar conforme o agente se encontra mais distante da informação e menos ligado às consequências de sua própria ação. Dessa forma, é necessário um sistema de “comunicação social” para que os agentes obtenham informações sobre custos e possam avaliar possíveis cursos de ação.
Novamente retomando a argumentação dos economistas Austríacos, devemos conceber que o sistema de preços monetários de mercado – isto é, preços formados livremente via interação de quaisquer agentes interessados em negociar títulos de propriedade – age como tal sistema de comunicação [3]. Sem tal sistema, é interrompido tanto o processo contínuo de geração de informações sobre os meios disponíveis para a ação bem como a assimilação individual dos custos de cada ação. A consequência é o fim da divisão do trabalho e da moderna estrutura produtiva conforme atualmente a conhecemos [4].
Portanto, podemos observar que, caso um agente busque intervir sobre o sistema de preços [5], sua ação provocará uma série de consequências não intencionais. Isto porque o processo de comunicação social estará sendo interrompido, modificando a informação disponível tanto para si próprio como para os demais agentes. O resultado final será um estado de coisas indesejável sob o ponto de vista do próprio interventor, que buscará realizar novas intervenções para “consertar” os “estragos” feitos pela primeira intervenção.
Dada essa pequena introdução teórica, buscaremos compreender algumas conseqüências não intencionais de uma intervenção estatal [6] sobre a compra e venda de narcóticos, isto é, mais precisamente, da proibição estatal do comércio e uso de determinadas drogas [7].
Antes de qualquer coisa é importante esclarecer que não pretendemos aqui fazer uma avaliação ético-normativa de tal proibição, ou seja, examinar se o ato da proibição é argumentativamente defensável. Estamos interessados apenas na análise de alguns custos implícitos resultantes de tal proibição. Assim, iniciaremos nossa análise considerando alguns custos puramente “econômicos” da proibição das drogas.
Devemos também considerar que um mero decreto estatal não necessariamente impede concretamente a ação humana. Deve-se levar em conta a capacidade do estado em utilizar sua capacidade de agressão para fazer com que seu decreto seja respeitado. Em suma, devemos considerar a existência de um mercado “ilegal” para as drogas e a existência de um aparato violento (financiado violentamente através de impostos) que busca iniciar agressão contra os participantes de tal mercado (que não requer o uso da violência per se).
O objetivo estatal com a proibição é impedir o consumo final [8]. Para tanto, atua em duas frentes: busca persuadir os agentes a não usarem/comercializarem os produtos e busca destruir/confiscar parte da oferta. Como não pretendemos entrar em considerações éticas ou morais, observaremos apenas as conseqüências não intencionais do segundo tipo de intervenção.
Podemos afirmar que, tudo mais constante, reduções na oferta tenderão a pressionar o preço do bem em questão para cima [9]. Dessa forma, o preço pago pelo usuário de drogas tenderá a aumentar com a proibição. Supondo uma demanda altamente inelástica [10] por parte do usuário, este deixará de realizar gastos em outros bens para manter seus gastos com drogas.
Considerando que a obtenção ilegal de renda possui um “trade-off” (“dilema”), que inclui o risco de ser capturado e punido versus a renda prospectiva do crime, e que a moeda, como qualquer bem, possui utilidade marginal decrescente [11], crescem os incentivos para que qualquer usuário de drogas, agora com uma menor renda monetária disponível para outros bens (tais como alimentação, saúde, etc.), incorra em crimes para a obtenção ilegal de renda complementar.
Assim sendo, caso tal intervenção inicial visasse diminuir a quantidade de crimes supostamente relacionados ao consumo de drogas, esta tenderia a atingir resultados opostos aos desejados.
Ainda quanto ao confisco da oferta, devemos compreender alterações do lado dos fornecedores de droga. Acabamos de ver que o preço da droga tende a aumentar com a proibição. No entanto, para observar sua lucratividade real, devemos considerar o comportamento de seus custos de produção e comparar sua lucratividade com outros mercados.
A lucratividade pode cair caso os custos de produção aumentem mais do que os preços; ela pode se manter a mesma, caso os custos de produção aumentem na mesma medida; ou então a lucratividade pode até aumentar, caso os custos aumentem em quantidade menor que os preços. Assim, tudo mais constante, podemos inferir que, caso seja verificada uma persistência empírica do mercado de drogas, seus custos de produção não subiram ao ponto de tornar tal atividade não recompensadora frente a outros mercados.
Caso a lucratividade relativa das drogas aumente, agentes envolvidos em outras modalidades de crime [12], bem como agentes até então envolvidos em atividades legalizadas, terão um incentivo para ingressar no mercado de drogas, buscando aumentar a oferta. Isto tenderá, no futuro, a fazer com que mais recursos escassos sejam retirados de outros usos e reinvestidos na redução da oferta de drogas. Novamente, vemos que a intervenção possui conseqüências inesperadas e indesejáveis do ponto de vista do próprio interventor.
Os custos de produção de drogas mudarão de característica. Propinas para suborno de agentes do estado, armamentos para defesa contra agentes do estado e contra outros criminosos privados serão utilizados, além de prêmios pelo risco de armazenamento e transporte da mercadoria. Devemos lembrar que no arranjo de monopólio estatal dos serviços de defesa e justiça, a atividade de fornecimento de drogas, além de estar sendo atacada pelo estado, não pode usar tais serviços para se proteger, mesmo que de alguma forma seja obrigado à paga-los.
Com a proibição, a produção tanto de drogas como de outros produtos será feita de forma economicamente ineficiente (o que também pode incluir [e irá] nesse caso específico das drogas, ineficiência tecnológica) [13]. Vejamos por que.
Com o aumento artificial da lucratividade mercado de drogas (observado empiricamente e devido ás políticas intervencionistas), cada vez mais recursos passam a ser retirados de finalidades até então mais urgentes para produzir mais drogas. Como consequência, outros produtos que utilizam os mesmos insumos usados para produzir drogas têm sua lucratividade reduzida, sua oferta artificialmente reduzida e seu preço artificialmente elevado [14].
Detentores de fatores de produção específicos aos demais produtos de oferta reduzida sofrem uma queda em sua demanda e em sua renda, ao passo que fatores específicos à produção de drogas sofrem um aumento em sua demanda e em sua renda.
Em outro front, os consumidores não podem se valer plenamente de propaganda para descobrir melhores oportunidades de consumo, nem os produtores para descobrir melhores nichos de mercado.
Devido ao cenário de alta incerteza e insegurança jurídica de tal mercado, suas interações tendem a ser mais curto-prazistas comparativamente a um cenário livre. Ou seja, renda futura prospectiva será descontada ainda mais severamente pelos empreendedores quando comparada a prospectos mais próximos.
Tudo mais constante, qualquer empreendedor obtem a maior renda no menor tempo possível. Além disso, processos produtivos marginalmente mais rápidos tendem a possuir menor produtividade marginal física [15]. Assim, em decorrência do curto-prazismo artificial, a produção será provavelmente feita numa escala inferior a economicamente ótima, via métodos de menor produtividade física.
Como não há livre concorrência (pressão dos consumidores), auditorias privadas ou mesmo fiscalizações públicas, a produção provavelmente contará com insumos e produtos finais de qualidade inferior ou duvidosa, gerando produtos mais tóxicos do que àqueles que seriam criados sem intervenção. Devido à necessidade de esconder as plantas produtivas, a infraestrutura tenderá a ser precária, tendendo a criar ambientes de trabalho insalubres e de péssima logística.
Podemos ver que o incentivo competitivo para descobrir e prover drogas com menor risco à saúde e melhor experiência ao consumidor não existe na mesma intensidade do que no cenário livre, indo contra supostas pretensões dos proibicionistas de melhora na saúde populacional.
Pesquisa e desenvolvimento são atividades que se encontram no início da cadeia produtiva e requerem investimentos de longo prazo, o que é barrado pelo curto-prazismo imposto ao mercado de drogas – além da possível falta de recursos legais, uma vez que a proibição faz com que muitos empreendedores não tenham interesse em realizar pesquisas relacionadas a esse mercado.
Ainda devido ao curto-prazismo, reputações não podem ser plenamente desenvolvidas e estabelecidas. Além disso, as relações de crédito são dificultadas, uma vez que não existe grande acesso ao sistema financeiro formal. A proibição acaba incentivando agressões dos fornecedores contra clientes inadimplentes, já que não é possível utilizar mecanismos formais de liquidação de créditos inadimplentes e conciliação de disputas legais.
O grau de corrupção dos agentes estatais (e também de agentes privados que buscam obedecer à legislação estatal) tende a aumentar, dado o aumento da renda prospectiva da corrupção [16]. Os agentes do estado possuem incentivos para se apropriar de parte da renda do mercado de drogas, seja através de propinas ou através de venda de mercadoria confiscada, assim como os agentes privados possuem interesse em oferecer propinas.
A despeito de considerações morais, nesses casos a corrupção tende a levar o sistema a um patamar mais próximo da eficiência econômica. A mera cobrança de propinas gera uma situação na qual os participantes do mercado deixam de sofrer agressões adicionais (como encarceramento e processos judiciais). A revenda ilegal de mercadorias confiscadas tende a fazer com que o preço da droga caia, servindo de contraponto às tendências mostradas acima [17].
Além disso, a institucionalização da propina tende a diminuir os conflitos violentos entre os agentes privados e os agentes do estado [18], aumentando o valor das propriedades de localização próxima aos pontos de venda e consumo, reduzindo o grau de incerteza e subestimação das rendas futuras. Isto tende a tornar a produção mais eficiente, utilizando métodos marginalmente mais indiretos (de maior produtividade marginal física), reduzindo os prêmios de transporte e armazenamento, e possibilitando uma melhor logística de escoamento da produção.
A tendência competitiva é a de que os agentes do estado (demanda por propinas) e os agentes privados (oferta de propina) barganhem propinas até que a lucratividade do mercado de drogas atinja o mesmo nível dos outros mercados, com os agentes do estado tentando apropriar o diferencial.
No entanto, uma vez que a propina é ilegal, existem custos de barganha de propina para ambos os agentes, uma vez que o trade-off da renda ilegal também é válido para os agentes do estado que não seguem sua estrutura hierárquico-burocrática. Normalmente, tende a ser mais compensador para os agentes privados concentrarem suas ofertas de propina sobre os altos escalões da hierarquia estatal, uma vez que os custos de negociação são baixos (menos agentes a serem corrompidos). Como vantagem adicional, bastaria aos altos escalões ordenarem aos seus subordinados o fim dos ataques ao mercado ilegal.
Os custos de propina também dependem do grau de pressão social sobre aqueles em comando do aparato social. Quanto mais os membros da sociedade pressionarem os governantes para que cumpram sua promessa de combater as drogas, maior terá de ser o montante de propina pago pelo mercado ilegal.
Como a pressão social tende a se concentrar nos altos escalões do estado, os custos de propina para estes agentes aumentam relativamente mais. Assim, devido à pressão popular contra a corrupção, as propinas começam a ser canalizadas cada vez mais para os escalões mais baixos do estado, resultando num número maior de agentes corrompidos.
Além disso, como o nível de propina a ser pago pelos traficantes depende dos custos relativos entre o pagamento de propina e defesa armada contra as forças do estado, um aumento da pressão social para combater as drogas, ao aumentar os custos de propina, faz com que os custos relativos de combate armado contra as forças do estado caiam, aumentando a violência e o custo de manutenção do aparato estatal.
Temos ainda outros dois efeitos relacionados: (1) os agentes do estado terão menor incentivo para executar suas demais funções com afinco, uma vez que renda complementar pode ser obtida via corrupção; (2) a legislação estatal tende a cair em descrédito, fazendo com que partes argumentativamente defensáveis também tendam a ser ignoradas por todos os agentes, gerando incerteza jurídica.
A corrida armamentista incitada pela proibição, bem como os conflitos decorrentes do cenário de proibição, tende a aumentar o grau de violência social e a ineficiência do serviço estatal de defesa.
Os locais escolhidos para produção e comércio das drogas tendem a se tornar lugares mais perigosos e conflituosos do que seriam na ausência da proibição, afetando de maneira discriminatória a população local, que além de conviver com o risco de violência têm o valor de suas propriedades reduzido no mercado. No Brasil atual, quem mais sofre é a população pobre das periferias.
O estado, ao tentar combater o mercado de drogas, tende a se tornar menos capaz de prover serviços de defesa contra outros crimes, uma vez que seus recursos são escassos (na verdade seus recursos são os recursos escassos roubados dos demais agentes). Isto pode fazer com que o trade-off citado anteriormente incentive ainda mais crimes, uma vez que o risco de captura para outros crimes tenderá a cair.
Além disso, os próprios fornecedores de droga possuem incentivos para se engajarem nessas outras atividades ilícitas, uma vez que as mesmas apresentam economias de escopo com o fornecimento de drogas sob o regime proibição (por exemplo, tráfico de armas e corrupção), gerando menos segurança para a população, em especial para aquela localizada próxima a produção e distribuição das drogas [19].
Assim, novas intervenções serão sentidas como necessárias pelo próprio estado. Ao buscar mais fundos para financiar serviços de defesa, este deverá ou reduzir a renda investida nos seus demais serviços, ou então reduzir ainda mais a renda privada (mais impostos), distorcendo ainda mais o processo de comunicação social. Aumentará ainda os incentivos para as atividades ilícitas em geral, ao reduzir a renda real prospectiva de atividades não ilícitas [20].
Nesse cenário de violência, corrupção e conflitos engendrado pela proibição, pode ocorrer o fenômeno de milícias paraestatais.
Essencialmente, o estado é uma agência que busca manter uma exclusividade territorial na oferta de serviços de resolução de disputas quanto a direitos de propriedade, possuindo para tanto uma divisão de combate armado (polícia, exército, etc.) para buscar fazer valer na prática [21] as configurações de direitos de propriedade que são estipuladas em seus tribunais e câmaras legislativas. Portanto, não há competição nesse setor, e se um agente deseja proteger sua propriedade ele estará sujeito a utilizar os serviços estatais, diretamente ou através de agentes privados chancelados.
Podemos apontar um defeito fundamental nessa configuração de serviços de resolução de disputas – caso um agente do estado se envolva num conflito sobre direitos de propriedade contra um agente privado, necessariamente a disputa será administrada pelo próprio estado, que procederá de acordo com as regras por ele mesmo delimitadas. Há incentivos, portanto, para que os agentes do estado cobrem o máximo possível para defesa da propriedade, e incentivos para que essa proteção seja a pior possível [22].
Considerando (1) que o cenário gerado pela proibição aumenta a violência em determinados locais, que (2) a qualidade dos serviços de proteção não aumenta na mesma proporção, e que (3) apenas os agentes do estado estão autorizados a fornecer proteção, os próprios agentes do estado possuem incentivos para sobretaxar as populações das favelas nas quais há tráfico de drogas em troca de serviços de proteção (proteção miliciana) [23].
Esse incentivo, é bem verdade, sempre existe, pelo simples fato do estado forçosamente manter a exclusividade na oferta de tais serviços. A capacidade de resistência conjunta dos agentes taxados em pagar seria o contraponto, porém o cenário de violência constante gerado pela proibição das drogas, combinado ao sistema de monopólio estatal dos serviços de proteção, faz com que os agentes sob o jugo das milícias paraestatais julguem menos oneroso pagar as taxas exigidas do que: (1) mudar-se para uma região sem domínio miliciano; (2) permanecer, não pagar os milicianos e confronta-los, correndo o risco de ser agredido pelos agentes do estado que recolhem os impostos oficiais [24].
O surgimento de milícias paraestatais, portanto, consiste num problema engendrado pelo próprio controle estatal sobre os serviços de proteção e resolução de disputas, e é potencializado por outras intervenções realizadas, como a proibição das drogas.
Ainda relacionada à questão anterior, temos a questão das prisões estatais e dos seus serviços de resolução de disputas.
Com a proibição aumentando constantemente o numero de pessoas se engajando em atividades ilegais, o estado tende a tornar suas próprias prisões superlotadas, podendo criar situações fisicamente degradantes aos presos, o que tende a gerar motins e insegurança em tais instalações.
Ao intensificar o uso de seu sistema monopolista de resolução de disputas, o mesmo tende a provocar lentidão nos processos e má qualidade nos serviços. Processos referentes a outras atividades ilegais tendem a ser atrasados em favor de processos referentes ao mercado de drogas. Caso o estado busque angariar mais recursos para melhorar tais serviços, ele deverá ou retira-los de outros serviços estatais ou então reduzir diretamente ainda mais a renda real do setor privado (impostos), incentivando cada vez mais a realização de crimes para obter renda complementar, numa espiral viciosa [25] [26]. Devemos ainda lembrar que o Estado se organiza de maneira burocrática, e aumentos na atividade estatal representam além de tudo num aumento no grau de burocracia da sociedade, esta acompanhada de seus familiares problemas: lentidão, ineficiência econômica e apadrinhamento político.
Finalmente, a proibição ainda tende a gerar efeitos sobre a potência das drogas ofertadas no mercado [27]. Como as penalidades tendem a ser efetuadas levando em conta a quantidade confiscada e o tipo da droga (quando o fazem), passa a ser mais vantajoso do ponto de vista dos fornecedores, mesmo que isto implique em maiores danos à saúde do usuário e, portanto, numa renda futura prospectiva menor, ofertar drogas de maior relação potência/massa, uma vez que as penalidades tendem a não ser discriminatórias quanto à potência. Novamente, a proibição, se intentava auxiliar a saúde dos usuários, novamente terá uma consequência indesejável.
Este breve ensaio teve até então como objetivo aplicar o insight de Bastiat e seus posteriores desenvolvimentos à análise da proibição estatal das drogas. Considerados apenas os argumentos “econômicos” apresentados aqui, podemos concluir que a proibição possui numerosas indesejáveis conseqüências que tendem a superar qualquer suposto benefício econômico e social provocado. No entanto, uma complementar justificativa ética para a liberação das drogas seria necessária para abordarmos ainda mais tópicos e construir uma argumentação ainda mais convincente em favor da liberdade.
Referências Bibliográficas
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Thornton, M. (1991) The Economics Of Prohibition. Salt Lake City. UT: University Of Utah Press.
[2] Ver Mises (1996) e Hayek (1945).
[3] Bastiat argumenta de forma análoga na passagem “Os Intermediários” de seus Ensaios.
[4] Ver Mises (1990).
[5] O que necessariamente implica em iniciação de agressão e/ou ameaça contra outro agente e sua propriedade justamente estabelecida, isto é, propriedade adquirida via apropriação original de um meio sem dono, troca voluntária ou doação. Interferir sobre o sistema de preços nada mais é do que interferir sobre o uso da propriedade, modificando a ação a ser realizada pelo agente intervido.
[6] A visão de Estado adotada aqui remonta a “The State” (Franz Oppenheimer). Ver Rothbard (2002).
[7] É difícil definir drogas de maneira significativa. Poder-se-ia definir drogas como uma substância que modifica o funcionamento corpóreo, porém qualquer substância de certa forma o faz. Definiremos drogas de forma tautológica: drogas serão as substâncias cujo uso, produção e comercio são proibidos pelo estado.
[8] Ao menos formalmente. Exploraremos incentivos para desvios de conduta gerados pelo próprio sistema estatal.
[9] Tais deduções são consequências lógicas do axioma da ação, que postula que agentes empregam meios para atingir finalidades. Não é necessário (sequer possível) “testa-las” empiricamente. Sobre isto, ver Mises (1996). Ainda sobre a análise lógica do intervencionismo, ver Rothbard (2004).
[10] Isto é, supomos que o agente esteja disposto a continuar comprando a mesma quantidade de drogas, ou uma quantidade muito parecida com a anterior, mesmo com uma forte alta no preço. Tal suposição é mais empiricamente plausível conforme a droga em questão é mais viciante.
[11] Isto é, o indivíduo atribui um valor menor a cada unidade monetária adicional à sua disposição, uma vez que cada unidade monetária adicional servirá como meio para uma finalidade adicional de menor valor.
[12] Poder-se-ia utilizar esse ponto em específico para argumentar que a proibição das drogas reduz a quantidade de outros delitos considerados mais nocivos, ao manter criminosos nesse mercado (ao invés de sequestros, roubos, etc). No entanto, esse argumento possui no mínimo três grandes falhas. Primeiramente, admite-se a validade de nosso raciocínio, o que tende a colocar nossos oponentes em maus lençóis em outras questões. Em segundo lugar, conforme exploraremos mais adiante, a proibição gera diversos outros custos. Recursos utilizados, por exemplo, combatendo o mercado de drogas, poderiam ser usados para combater esses outros delitos, gerando uma situação ao menos equivalente no que diz respeito à segurança. Terceiro, tal argumento, caso levado ao absurdo, geraria muitos inconvenientes. Poder-se-ia defender a proibição, digamos, do pão francês, para que praticantes de outros delitos passem a produzir pão francês ao invés de cometer outros delitos. Dado que o pão francês possui um mercado monetariamente muito mais amplo do que o de algumas drogas, seria uma mera preferência pessoal dos proibicionistas defender a proibição das drogas e a legalização do pão francês.
[13] É bom ressaltar que o conceito de eficiência econômica só faz sentido no âmbito institucional de uma economia de mercado, isto é, de liberdade de ação e respeito à propriedade dos agentes.
[14] Um defensor da proibição poderia contrapor-se dizendo que a produção de drogas, mesmo no seu “nível eficiente” é “socialmente danosa”, ao aumentar o preço de insumos capazes de produzir outros bens. No entanto, o conceito de eficiência (e seu desdobramento, o conceito de “danosa” ou “benéfica”) não pode ser usado em tal argumento, uma vez que tal conceito só faz sentido quando tratamos de ações que não representam agressões à propriedade dos agentes. O contraponto sugerido consiste apenas numa declaração de preferência pessoal por um mundo sem “drogas”, destituída de qualquer sentido lógico no que diz respeito a outras questões.
[15] Tais considerações representam a base da teoria Austríaca do capital. A teoria da preferência temporal mostra que, devido à escassez logica do tempo, os agentes buscam atingir finalidades o mais rápido possível, preferindo, tudo mais constante, bens presentes em favor de prospectos de bens futuros. A questão das vias produtivas indiretas é discutida desde Eugen von Böhm-Bawerk. Este mostrou que um processo produtivo mais demorado (cujos frutos só estão disponíveis num futuro mais remoto) só será utilizado caso o mesmo traga produtos com um valor presente estimado superior (devido a ganhos em quantidade ou qualidade) aos de um processo mais rápido. A taxa de juros, cuja origem se encontra na preferencia temporal dos agentes, é o preço que determina o desconto de valor atribuído pelos agentes a uma renda futura frente a uma renda presente, determinando a duração ótima dos processos produtivos, e, em decorrência, sua produtividade marginal física ótima.
[16] Definiremos corrupção como desobediência à legislação estatal. Por si só, isto não implica nenhum julgamento ético.
[17] Os próprios agentes do estado buscam sempre descobrir se é mais rentável a renda advinda das propinas do que a renda monetária da venda de mercadorias confiscadas (sempre levando em conta otrade-off do risco). Os agentes que coletam propina não necessariamente são os mesmos em poder da mercadoria confiscada, gerando conflitos internos.
[18] Até mesmo conflitos entre os diversos agentes privados podem ser reduzidos, uma vez que a “formalização” da propina pode funcionar na prática como uma atribuição de pontos de venda por parte dos agentes do estado. A propina seria a o pagamento pelo policiamento dessa “propriedade” contra outros criminosos privados rivais. Podemos perceber que tanto a propina como a venda de mercadoria confiscada possuem efeitos análogos ao de um imposto formal, e que quando um agente do estado realiza tais ações a mercadoria é de certa forma taxada, apesar desta arrecadação não entrar na contabilidade estatal oficial.
[19] Tentamos sempre usar linguagem formal até então. Quebrando esse padrão por um momento, podemos dizer que os habitantes das periferias brasileiras, favelas inclusas, são “agraciados” com violência e insegurança diária devido às políticas proibicionistas do estado.
[20] Tudo mais constante, uma queda na renda na renda do setor privado faz com que a preferência temporal e as taxas de juros tendam a aumentar. Considerando que os praticantes de delitos tendem a possuir uma preferencia temporal acima da media, os incentivos para atividades ilícitas em geral tenderão a ser mais que proporcionalmente incentivadas.
[21] O termo em inglês “law enforcement” é bem elucidativo.
[22] Na verdade existem incentivos para que os agentes do estado cometam agressões em massa (e é isto que acontece na prática), uma vez que neste arranjo a capacidade de agressão e dissuasão se concentra num grupo escasso de agentes. É o paradoxo do governo: um governo forte o suficiente para proteger a todos é também forte o suficiente para agredir a todos. Basta lembrar do caso dos policiais militares de Diadema.
[23] Lembrando que todos os agentes dentro da esfera de poder estatal já são obrigados a contratar os serviços estatais de proteção sob pena de agressão por parte do próprio estado. Vamos ilustrar a situação novamente para que haja maior clareza no raciocínio. Suponha que num momento inicial todos possam fornecer segurança contra agressões. A segurança será demandada e ofertada livremente pelos agentes. Caso a taxa cobrada por um dos ofertantes aumente, caso a proteção fornecida seja de péssima qualidade, ou caso existam casos de agressão por parte do próprio protetor, os agentes terão incentivos para que mudem seu fornecedor de segurança, desalojando os agressores e os protetores caros e de má qualidade do mercado. Suponha agora que uma dessas agências de segurança possua uma reputação e uma capacidade objetiva de agressão física as quais lhe permitem, caso atuem da maneira descrita anteriormente, suprimir concorrentes à força e se manter como a única agência de segurança operante numa região geográfica. Caso tal agência inicie agressão contra um de seus clientes, estes clientes não terão muitas opções, uma vez que não podem contratar uma agência alternativa para proteger-se dos ataques, e que um confronto direto com a agência agressora possivelmente levará á maiores prejuízos estimados. É esta a situação da população sob o jugo dos modernos estado-nação, e da população sob a mira das milícias paraestatais, que basicamente buscam, mesmo que de forma informal, maximizar a renda passível de ser obtida através de tal situação de exclusividade.
[24] O que acabamos de descrever (muito simplificadamente) é uma parte da lógica da ação sob intervenção estatal. É comum que o estado organize sua atuação de forma a coibir seus agentes de praticar ações agressivas de forma autônoma, descoordenada e obscura, que destoe das diretrizes dadas pelos agentes legisladores – isto é contraproducente do ponto de vista do próprio estado, principalmente do ponto de vista daqueles que estão nos altos escalões e dão as diretrizes principais (tendo, portanto, muito mais a perder caso o estado perca legitimidade e decorrentemente recursos roubados). Contudo, dentro do estado, que não enfrenta restrições competitivas e é capaz de externalizar suas perdas, sempre existirão incentivos para que os agentes burlem as regras e atuem de forma descoordenada caso julguem que podem se beneficiar, mesmo que à custa da própria eficiência estatal. É interessante notar também que, embora o estado busque efetuar o planejamento centralizado com relação ao restante da sociedade e tente se organizar de forma hierárquica, sua organização tende a ser descentralizada. Sobre isso, ver Cuzán (1978).
[25] Poder-se-ia argumentar que a degradação do sistema penitenciário faria com que os incentivos para delitos diminuíssem. No entanto, nada indica que a magnitude de tal efeito seja empiricamente grande a ponto de contrabalancear todos os demais efeitos contrários. Basta ver o presídio de Pedrinhas (RN), ainda recebendo presos apesar das recentes barbaridades.
[26] É interessante observar como o velho ditado “violência só gera mais violência” se aplica perfeitamente ao comportamento social do estado. Ao proibir atividades produtivas e tributa-las (duas aplicações flagrantes de violência), ele incentiva novas rodadas de violência, tanto contra si próprio, de sua parte contra os indivíduos privados, e entre os próprios indivíduos privados.
[27] Esse raciocínio se encontra em Thornton (1991, cap.4). Basta observar o caso do crack e do oxi proliferando com a proibição da cocaína.
Rafael Hotz Arroyo é economista, formado pela Unicamp, e defensor do livre mercado. Vencedor do prêmio Fréderic Bastiat, concedido pelo Ordem Livre, e do VII prêmio Donald Stewart Jr, concedido pelo Instituto Liberal, ambos em 2010. Traduziu “Contra a Propriedade Intelectual”, de Stephan Kinsella, para o Instituto Mises Brasil. Trabalha no mercado financeiro, no segmento de securitização.
Publicado originalmente pelo Liberzone.