Por Flavio Abdenur e Pedro Cavalcante 

Há 20 anos você se comunicava através de um misto de email, mensagens SMS, e telefonia móvel um tanto instável. Falar com gente no exterior era caro, demorado e trabalhoso.

Vamos retroceder um pouco mais. Há aproximadamente 50 anos nasciam as primeiras redes de computadores que dariam origem à internet moderna. Nessa época não havia email nem SMS. Você transmitia informação à distância por telefone fixo e por carta. Cerca de um século antes disso, a telefonia engatinhava. Você podia demorar semanas para enviar uma mensagem para outro país. Há cerca de 500 anos surgiu a prensa tipográfica. Antes disso, pouca gente tinha acesso a conhecimento escrito. Você provavelmente nunca leu um livro. Há 5.000 anos nascia na Mesopotâmia a primeira forma conhecida de escrita. Antes disso, você certamente nunca leu nada. Você só conseguia transmitir ideias falando. Há cerca de 10.000 anos surgiu a agricultura. E não houve grandes novidades tecnológicas nos 100.000 anos que antecederam esse evento.

(Reflita sobre isso durante um instante: a comunicação — e a vida em geral — era essencialmente idêntica 10.000 e 100.000 anos atrás.)

Agora vamos para frente. Há 15 anos surgia o Skype, que derrubou os preços de telefonia internacional. Com pouquíssimo esforço, você falava instantaneamente com qualquer pessoa que também tivesse acesso a um computador. A comunicação internacional em tempo real se tornou acessível, fácil e barata. Há pouco mais de 5 anos aplicativos de mensagens instantâneas modernos como WhatsApp e Telegram passaram a oferecer serviços gratuitos e de qualidade muito superior ao Skype. Hoje você pode caminhar pela rua e falar de graça com quase qualquer um em quase qualquer lugar.

A comunicação — assim como a vida em geral — é muito diferente hoje do que era há 20 ou 30 anos. Algo de diferente está acontecendo, e acontecendo de maneira cada vez mais rápida.

I. A Tecnologia Exponencial

Podemos medir esse progresso em números. E portanto podemos literalmente desenhá-lo. A Lei de Moore afirma que o número de transistores em um chip dobra a cada dois anos. Trata-se de um crescimento exponencial. Esse padrão tem se mantido por décadas. Em 1970, cabiam cerca de 1.500 transistores em um chip. Em 1990, uns 2.000.000. Em 2010, cabiam cerca de 3.000.000.000 [sic].

[PEDRO: SUBSTITUIR FIGURA ABAIXO POR OUTRO GRÁFICO ILUSTRANDO A LEI DE MOORE — AS QUEDAS DESSA FIGURA QUE VOCÊ COLOCOU ESTÃO ESQUISITAS. SUGIRO ALGO COMO UMA LINHA SUAVIZADA PASSANDO PELO TOPO DOS PONTOS (QUE SÃO OS QUE INTERESSAM) DA FIGURA ABAIXO DELA]

A Lei de Moore não é a única maneira de quantificar a aceleração da tecnologia. A figura abaixo mostra as chamadas “curvas em S” de adoção de novas tecnologias entre 1900 e 2010. As tecnologias adotadas na primeira metade do século XX levavam décadas para serem adotadas pela grande maioria dos consumidores dos EUA. Em alguns casos, como o do carro, esse processo demorou quase um século.

Agora repare no que acontece com tecnologias mais e mais recentes. A adoção é cada vez mais rápida. Em 2008 quase nenhum americano tinha um smartphone. Em 2018 quase todos têm. As curvas em S recentes não se parecem com a letra S: elas são praticamente verticais. Poderiam ser chamadas de “curvas em J”.

[PEDRO: FAZER GRÁFICO DE S-CURVES (NÃO PRECISA REPRODUZIR TODAS ELAS, OBVIAMENTE)]

 

II. A Economia Exponencial

Essa aceleração se manifesta também na economia. Em termos históricos, a expansão exponencial da economia é tão nova quanto a aceleração exponencial da tecnologia.

O progresso tecnológico nos torna mais ricos. Isso acontece porque tecnologia e acúmulo de capital aumentam a produtividade. Imagine que você é um caçador. Em uma hora de trabalho, conseguirá ter muito mais sucesso se estiver equipado com uma lança do que teria se precisasse usar somente suas mãos. E mais ainda se tiver um rifle. Tecnologia é o que permite projetar e construir lanças e armas, e capital é o nome que economistas dão para os produtos que usamos não para o consumo, mas para produzir outros. A lança e o rifle são capital.

A relação entre tecnologia, capital e produtividade perpassa todo o funcionamento da economia. Um agricultor com um arado produz muito mais do que um que precise fazer esse trabalho manualmente; um agricultor com um trator é mais produtivo que um produtor com um arado. Contadores equipados com computadores fazem muito mais em muito menos tempo do que os que usam cadernos e livros de contabilidade. Transportar cargas é muito mais rápido e barato com carros do que com cavalos, e por aí vai. À medida em que essas inovações são adotadas, ficamos mais produtivos e mais ricos: nossa renda aumenta, enquanto que os produtos que compramos ficam aos poucos mais baratos.

Esse é o grande mote de nosso tempo: o Grande Enriquecimento. Em nenhum outro momento da história vivemos tanto, tão bem, tão seguros e nutridos. A coletividade humana experimentou nos últimos 250 anos uma radical mudança em termos políticos, culturais e institucionais concomitante a isso.

Abaixo, a evolução da renda per capita ao longo do último milênio. A renda média era essencialmente estática até cerca de 500 anos atrás. Ela começou a acelerar em torno da Renascença, decolou durante a Revolução Industrial e agora cresce cada vez mais rapidamente. Nas últimas poucas décadas a riqueza conjunta da humanidade cresce em ritmo vertiginoso.

Figura: renda per capita nos últimos 1000 anos

A próxima figura mostra o impacto desse crescimento sobre a mais básica das medidas de bem-estar humano: a expectativa de vida. Durante quase toda a história da humanidade, humanos viviam em média menos de 30 anos. Houve um lentíssimo progresso entre o ano 0 A.D. e o século XIX: ao longo destes quase dois mil anos a expectativa de vida média passou de vinte e poucos para vinte e muitos anos. Da Revolução Industrial para cá, vemos um crescimento cada vez mais veloz: o ser humano vive hoje em dia cerca de 70 anos — e essa média aumenta cerca de um ano a cada três anos que se passam. É espantoso.

Figura: expectativa de vida nos últimos 2000 anos (fonte: Angus Maddison (2001), The World Economy in Millennial Perspective (Paris: OECD).)

Será, no entanto, que de fato ficaram todos mais ricos?  No absoluto, a resposta é “essencialmente sim”: em quase todo o mundo a população é muito mais rica e saudável [LINK PARA GRAFICOS REGIONAIS DO WORLD IN DATA] do era que há 100 ou 50 anos.

[PAREI AQUI]

Cada vez menos gente trabalha na agricultura e, ainda assim, a fome é cada vez mais um problema do passado. O que permite isso é o exponencial aumento de produtividade que temos vivenciado desde a Revolução Industrial.

O que parece mais interessante é, no entanto, observar a ascensão e o declínio relativo de profissões, suas posições na distribuição de renda e prevalência.

III. A Transição de Trabalho Exponencial

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O aumento de produtividade tem uma implicação clara: se a demanda pelos produtos desse setor não aumentar em certa medida (o que depende do que economistas chamam de elasticidade renda-demanda), uma certa proporção de trabalhadores precisam mudar de emprego. Foi o que ocorreu com as massas de trabalhadores rurais em boa parte dos países do mundo ao longo dos últimos 200 anos e com dezenas de outras profissões.

  • Aumento da produtividade pode reduzir # de empregos nos setores afetados (vide revolução industrial)
  • Revolução industrial foi “lenta” (100-150 ano), logo mudança se deu ao longo de várias gerações — e mesmo assim provocou muito deslocamento e conturbação social. Mencionar luditas.

Isso causou convulsões sociais. O movimento dos luditas, que se propunha a retardar a industrialização na esperança de preservar empregos, é um claro exemplo disso. Como vários estudos empíricos têm mostrado [LINKAR ARTIGOS], existem efeitos psicológicos adversos e sérios na sensação de ser “deixado para trás”. Embora muitos grupos tenham obtido melhores padrões de vida no absoluto, a sensação e observação de empobrecimento relativo, tem o problemático potencial de deteriorar o tecido social.

Isso é particularmente importante porque parece intrínseco a grandes choques de tecnologia e produtividade, deslocamentos e mudanças na composição de empregos. Enquanto o que nós entendemos como Revolução Industrial demorou 100, 150 anos, as bruscas mudanças de produtividade que a ascensão de cada vez melhores algoritmos de inteligência artificial trarão acontecerão em uma fração desse período de tempo.

[Mencionar: Evidência de que aceleração da tecnologia está aumentando a desigualdade entre os medianos e a elite (citar resultados Autor, Waldvogel, Claudia Goldin and Lawrence Katz (2009) in The Race Between Education and Technology. )]

Vivemos uma era de aceleração tecnológica. Cada inovação relevante está mais próxima da anterior e suas adoções também. Embora isso soe como um problema do futuro, já estamos vivenciando impactos de automatização. De fato, trabalhos recentes como o de Daron Acemoglu e Pascoal Restrepo (o primeiro sendo um dos economistas acadêmicos mais produtivos e relevantes da atualidade) encontram evidências robustas de que comunidades nos EUA que vivenciaram exposição a robôs industriais experimentaram reduções no nível de emprego e nos salários.

Essa é a história toda? Talvez não. Encaixar a evidência disponível em modelos de equilíbrio geral talvez nos conte outra versão, a de que automatização causa desemprego local e mais emprego em regiões e setores que consomem os bens e insumos cuja produção foi automatizada. De qualquer maneira, uma coisa certamente irá se alterar: a composição do emprego.

Montar robôs precisos e funcionais para tarefas específicas e repetitivas é, de certa maneira, fácil. Eles já são usados na indústria automobilística há quase três décadas, por exemplo. Automatizar tarefas mais intelectuais, que exigem ingerir informação, avaliá-la de maneira sistemática e gerar algo que, muito mais do que um simples movimento de alavancas e peças, é um produto “mental” é certamente mais difícil, mas está acontecendo.

Já existem algoritmos que geram petições de maneira automatizada, por exemplo. Carros que dirigem sozinhos também e não tardará para serem uma realidade comercial. Tradução automatizada das mais simples frases há uma década era – como a maioria dos leitores deve se lembrar – péssima. Hoje, o Google Tradutor consegue traduzir textos técnicos e apresentar somente pequenos erros ortográficos, inclusive traduzindo corretamente linguagem figurada. Se não acredita, pode conferir aqui. Quem sabe como estará em meros 5 anos?

O exemplos são numerosos. Vão do mercado de capitais a videogames. Algoritmos de inteligência artificial estão cada vez mais poderosos, sofisticados e nos próximos anos provavelmente haverá cada vez mais automatização de empregos de baixa intensidade em capital humano: o mais braçais e repetitivos. Um dos efeitos sociais adversos disso pode ser um aumento na desigualdade. De certa maneira, isso já está documentado.

Existem evidências robustas de que a maior penetração de automatização tem aumentado a desigualdade nos EUA (embora não seja a única causa do recente aumento, como mostrou Rognlie em 2015). Daron Acemoglu e David Autor, dois dos maiores especialistas em economia do trabalho da atualidade, documentaram essa mudança tecnológica formalmente e já em 1998, Autor, Katz e Krueger mostraram como os EUA estavam vivenciando uma polarização de oportunidades de emprego: menos empregos de baixa remuneração e que exigem pouca escolaridade disponíveis, bem como queda dos salários de quem os conseguia e mais empregos que exigem alta escolaridade, com salários crescentes.

IV. O Futuro (Próximo) do Trabalho

 

  • Evidência de que aceleração da tecnologia está aumentando a desigualdade entre os medianos e a elite (citar resultados Autor, Waldvogel, Claudia Goldin and Lawrence Katz (2009) in The Race Between Education and Technology)

PEDRO, INCLUIR UMA “VERSÃO IMP” DA FIGURA ABAIXO (A FONTE DOS DADOS É <http://economics.mit.edu/files/7006>):

[MENCIONAR estimativa do Autor de que cerca de 60% do aumento da disparidade entre trabalhadores dos EUA com e sem formação universitária entre 1960 e 2000 se deve à inovação tecnológica.]

  • Nova ideia: talvez comparar transição rural-urbana que houve na Revolução Industrial (na Europe a nos EUA), ao longo de 150 anos, com a transição rural-urbana no Brasil, que foi tardia mas mais rápida (e talvez mais traumática, causando favelização etc?)

Essa é uma dúvida difícil de ser avaliada porque é difícil dar respostas simples frente à enorme possibilidade de cenários. A melhor maneira de tocar o tema é em termos probabilísticos: qual cenário parece ser mais provável dado o que sabemos?

A nós parece ser um aumento da taxa natural de desemprego. Hoje, na maior parte do mundo ela gira entre 4% e 6%. É factível que essa grandeza (não-observada) atinja patamares estáveis mais altos e que os aumentos de produtividade que teremos com o barateamento (relativo e/ ou absoluto) de vários bens e serviços torne um fenômeno cada vez mais comum o desemprego e/ ou subemprego para muitas classes, aumento da desigualdade e também, aumento da renda média. Padrão de vida absoluto não deve decrescer, pelo contrário, caminharemos cada vez mais para o fim da miséria. O que deve decrescer para várias dessas classes, como já dissemos, provavelmente será a posição relativa na distribuição de renda.

[MENCIONAREstimativa (Frey e Osborne, de Oxford): ≈ 50% dos empregos atuais dos EUA são automatizáveis. (Escala de tempo em cada área: 10-20 anos a partir do início do processo?)]

[MENCIONAR: caso da tradução. evolução do Google Translate. reacções céticas e até hostis de tradutores. mostram traduções com erros, traduções nonsense de poesia e letras de canções. ao mesmo tempo, reclamam que é cada vez mais difícil se sustentar trabalhando com tradução. dar exemplo de um trecho deste artigo traduzida para o inglês]

[MENCIONAR: prêmio Nobel Daniel Kahneman em 2002, vieses como confidence bias e confirmation bias geram atrito no mercado de trabalho]

[MENCIONAR: lump of labor fallacy (“falácia da quantidade fixa de trabalho”)

TRECHO DA ENTREVISTA PARA A CNSEG (reaproveitar): “o risco maior no médio prazo está no mercado de trabalho. Muitas áreas antes imunes à automatização podem ser afetadas muito rapidamente, em questão de uma ou duas décadas. São transições muito mais velozes do que a ocorrida na Revolução Industrial, que, se por um lado foi muito profunda – antes mais de 70% da população trabalhava no campo, hoje são menos de 5% em países desenvolvidos – foi também muito lenta para os padrões de hoje, tendo demorado mais de um século.

A transição do campo para a cidade levou várias gerações. Em geral o pai se aposentava no campo e o filho migrava para a cidade. Com a nova onda de automação, muitos tipos de trabalhadores profissionalmente maduros serão obrigados e mudar de ramo em plena carreira. Pode ser um processo doloroso, tanto do ponto de vista individual quanto social, com possíveis consequências políticas.

Existe outro cenário possível, um em que a taxa natural de desemprego não se altere drasticamente e a narrativa padrão continua tendo poder explicativo: automação desloca empregos nos setores e locais onde se instala, mas os ganhos de produtividade e barateamento que gera criam empregos em outros locais e setores. A tecnologia, como observamos no passado, apenas alteraria a composição do trabalho, não o seu nível. É possível? Certamente, mas não é o que a evidência disponível tem mostrado, como já vimos.

Existem enormes ganhos potenciais em algoritmos melhores de Inteligência Artificial. Pense em um mundo com menos diagnósticos errados, menos acidentes de trânsito, tradução de alta qualidade à um clique e gratuita, consultores virtuais de finanças pessoais gratuitos e eficazes.

V. O Futuro (Distante) do Trabalho?

  • Progresso tecnológico pode não ser totalmente capturado por PIB (exemplos: MIT online vs MIT presencial, Wikipedia vs Enciclopédia Britânica, WhatsApp vs telefonemas internacionais) e citar http://www.nber.org/papers/w23315, mas renda / riqueza total deve acelerar
  • Problema central é distributivo
  • UBI pode emergir naturalmente, como extensão do welfare state
  • Se tecnologia continua acelerando, 2037 vai ser muito mais diferente de 2017 do que 2017 é diferente de 1997. Pergunta: se AI automatizar “todo” o trabalho, o que acontece com o trabalho humano?

Figura: média de horas trabalhadas por semana entre 1870 e 2000 (fonte:  https://ourworldindata.org/working-hours)

 

Figura: porcentagem de jovens americanos sem formação universitária “nem-nem””

Observe que o crescimento dos jovens nem-nems dos EUA é bastante robusto ao ciclo econômico: a parcela de nem-nems aumenta rapidamente durante recessões como as de 2001-2002 ou 2008-2010, mas apenas estaciona ou cai ligeiramente durante períodos de crescimento como 1996-2000 ou 2011-2015. Parece haver uma tendência de crescimento estrutural da ociosidade absoluta.

Em um ensaio instigante, o historiador israelense Yuval Harari especula sobre como será a sociedade se esse processo chegar ao limite onde toda ou quase toda a humanidade não trabalha, não apenas por não precisar trabalhar, dada a abundância tecnológica, mas também por não conseguir trabalhar, no sentido de ser completamente improdutivo quando comparado à capacidade produtiva de tecnologias autônomas. Harari aponta que

[MENCIONAR: EXPERIMENTOS ATUAIS COM UBI — MENCIONAR BOLSA FAMÍLIA]

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