“[O] BNDES precisa fazer em seis meses o que faria em seis anos”, segundo Paulo Skaf, presidente da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e filiado ao PMDB. A citação estampou muitas manchetes no final de junho.

A entidade patrocinou a campanha pelo impeachment de Dilma Rousseff sob acusações de crime de responsabilidade  — mais especificamente, de ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Agora, exige de Temer que se aproxime de um dos pontos mais polêmicos do governo Dilma, numa postura oposta a qualquer coisa que se entenda como responsabilidade fiscal.

O que os industriais de São Paulo teriam a ganhar com a volta do receituário que tanto condenaram menos de dois anos antes? Justamente o que já os levou a apoiar a mesma coisa no governo Rousseff: privilégios. Se abandonaram a presidente depois, esta é outra história.

A FIESP foi parceira nas maiores intervenções estatais do governo Dilma

Comandada por Dilma e inspirada em receituários alternativos de política econômica, a Nova Matriz Econômica foi um sonho para os industriais com laços no governo. O nome da Nova Matriz foi criado pelo próprio governo, em textos como “O Primeiro Ano de Nova Matriz Econômica”, escrito pelo ministro Guido Mantega em 2012:

O governo Dilma Rousseff elegeu como um dos seus principais desafios dar um salto de competitividade na economia brasileira. (…) Nesse sentido, colocava-se como absolutamente estratégico remover, ou pelo menos minimizar, a distorção que havia nos dois principais preços do país: juros e câmbio.

Em 2011, Benjamin Steinbruch, outro figurão da FIESP, em “debate” com Mantega já falava em desindustrialização causada pelo câmbio valorizado. Guido escutou e nos anos seguintes o Banco Central encabeçado por Alexandre Tombini e subordinado ao poder Executivo trabalhou arduamente para deixar mais difícil “o pobre voar de avião”.

O câmbio foi desvalorizado. Em julho de 2012, Mantega se gabava do feito. “Desvalorizamos o câmbio em cerca de 20% nos últimos doze meses. Isso significa que os nossos manufaturados estão 20% mais baratos em dólar, a nossa mão de obra também”, disse em um seminário patrocinado pela FIESP.

Uma ferramenta usada para isso foi uma diminuição forçada da taxa básica de juros, a Selic. Essa manobra incentiva uma queda no desemprego no curto prazo, mas logo perde o efeito e se traduz em preços maiores, a famosa inflação. Isso ocorre porque a taxa de juros é fruto de fatores estruturais da economia, o resultado da interação entre os recursos poupados e os demandados para investimentos. Quando o Banco Central tenta forçar taxas menores do que a estrutural, o desequilíbrio resultante acaba em inflação.

Para lidar com os preços crescentes sem afetar os juros menores e câmbio desvalorizado à indústria, o governo optou por uma medida altamente questionável: segurar artificialmente os preços sob alcance do governo, como a tarifa de energia elétrica. A FIESP também esteve lá estava para aplaudir a medida.

“Dilma tem mostrado sensibilidade, e suas ações concretas apontam a preocupação do governo com a competitividade do país. Todo mundo usa energia, todos os produtos precisam de energia para serem produzidos, todos os serviços consomem energia. Ao reduzir a conta de luz, o benefício é de todos”, comentou o presidente da entidade.

Essa política de intervenção nos preços, como não é surpreendente, levou a um “tarifaço”, com rápido encarecimento posterior da gasolina e energia, por exemplo. Curiosamente, esse tarifaço ficou para pouco depois das eleições de 2014, como fica claro no gráfico abaixo.

A problemática de baixar preços arbitrariamente é parecida com a da taxa de juros: existe um processo econômico estrutural que não respeita a vontade do governo. Preços são uma medida de escassez, um transmissor de informações econômicas, não um instrumento do governo. Se a moeda está perdendo poder de compra com a inflação, não será possível parar o problema segurando preços específicos.

O BNDES presidido por Luciano Coutinho, hoje investigado por fraudes, foi uma arena importante da parceria desenvolvimentista entre FIESP e PT. Em 2013, foram 234 bilhões de reais desembolsados pelo sistema, corrigindo pela inflação. Das centenas de bilhões do reais despejados em grandes empresas pelo BNDES nessa campanha, cerca de um quarto foi parar em São Paulo, e cerca de 70% em grandes empresas.

A cereja no bolo foram as desonerações de impostos. Os setores que conseguiram pressionar mais o governo (curiosamente, muitos filiados à FIESP) ganharam isenção da contribuição de 20% ao INSS. Em um país de legislação trabalhista arcaica, péssima infraestrutura e fracas garantias de propriedade, descobriu-se que não era a contribuição de folha salarial quem travava a competitividade.

A aliança entre FIESP e PT não ocorreu por acaso, e explica por que não faz sentido o lobby industrial ao liberalismo

A FIESP é uma organização que reúne grandes indústrias. Entre seus principais objetivos, está a extração de privilégios às custas do resto da sociedade. Não porque são malignos ou coisa do tipo.  Influenciar intervenções discricionárias do Estado, independentemente de respeitarem ou não os fundamentos econômicos do país, é uma atividade extremamente lucrativa para a FIESP.

O apoio da FIESP às reformas trabalhista e da previdência diz muito pouco sobre sua visão geral da economia. As associações entre os industriais e qualquer liberalismo dificilmente sobrevivem a uma análise que vá além do passado recente. O bê-abá liberal é, na prática, bandeira que um sindicato patronal em sinergia com incontáveis governos jamais irá defender.

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