Quando William Lee inventou sua máquina de tecelagem em 1589, ele levou o projeto à Rainha Isabel I da Inglaterra, para conseguir sua patente e poder vender sua invenção. Ele estava certo de que sua invenção o tornaria um homem rico e a produção de tecidos inglesa muito mais eficiente. Sua soberana, no entanto, lhe respondeu:
Considere o que a invenção poderia fazer para meus pobres súditos. Com certeza lhes traria a ruína, privando-os de emprego, tornando-os mendigos.
Depois da negação, Lee se mudou com o irmão, nove trabalhadores e nove máquinas para Paris. Lá, Henrique IV da França acreditou na sua ideia. No ano de 1601 ele instalou uma pequena fábrica em Rouen e começou a operar. A iniciativa durou até 1610, quando seu mecenas real morreu. Apesar das tentativas de firmar uma parceria com o empresário Pierre de Caux, suas reivindicações de patente e permissão para operar a fábrica foram ignoradas sem a presença do rei que lhe era amigável. Lee morreu pobre em 1614.
Após sua morte, seu irmão James voltou à Inglaterra. Também sem êxito para conseguir uma patente, deixou o equipamento que ainda tinha com o aprendiz de Lee e foi morar nos arredores de Nottingham. A invenção continuou ociosa por mais de um século até sua adoção em massa, agora movida a vapor, que se deu ao longo do século XVIII. Começava a Revolução Industrial.
Não é coincidência que os dois países em que empreender e produzir eram condicionados ter conexões com o poder, eram pobres. Eles sofriam do mal que o economista turco Daron Acemoglu chama de instituições extrativas. Tratam-se de instituições cuja finalidade, em última instância, é extrair renda de uma camada da população para canaliza-la em outra.
É claro que a rainha negou o pedido de Lee. Ela estava preocupada em manter os lucros das guildas de artesões e de corporações similares, portanto, os “seus amigos”. Isso sempre pode ser mascarado por algum tipo de benevolência para com os mais pobres, mas continua sendo no saldo geral das coisas a manutenção de elites em detrimento do resto da sociedade. A adoção de tecnologia que estava sendo desenvolvida só pôde se dar em massa na Inglaterra depois da Revolução Gloriosa e do propício desenvolvimento de uma – ainda incipiente, porém funcional – democracia representativa com limitações ao poder real e às concessões de monopólios e privilégios.
O processo que a monarca inglesa sem querer delineou e que toda elite teme tem nome, cunhado pelo economista austríaco Joseph Schumpeter, “Destruição Criativa”. É o processo de morte de certos produtos, técnicas ou profissões devido à ascensão de maneiras melhores e mais produtivas de satisfazer as necessidades que eram prestadas pelas indústrias que morreram. Máquinas de tecelagem substituíram os artesãos, carros tiraram dos cavalos a tarefa do transporte urbano, a luz elétrica faliu os fabricantes de velas, computadores desempregaram os datilógrafos e a internet matou a carta. É difícil dizer que essas mudanças foram maléficas, mesmo que às custas da falência de certas indústrias.
Nem sempre, no entanto, a marcha do progresso é rápida. O Brasil ainda não abraçou a revolução dos aplicativos de transporte. Se tanto, nossos corpos legislativos foram em grande medida capturados pelos interesses setoriais de muitos taxistas. A questão não parece muito diferente daquela que Isabel I elaborou ao negar o pedido de William Lee. “Pense em quantos taxistas perderão o emprego”, certamente, é o argumento mais comum. Existe uma certa atemporalidade no medo da destruição criativa.
Não precisamos nos delongar na questão dos táxis. Por que funcionários públicos, além de estabilidade, tem aposentadorias em um regime separado do setor privado, com regras e benefícios muito melhores? E o alto escalão militar? Por que existe um imposto sindical obrigatório? Por que as mais simples tarefas exigem toneladas de documentação, e portanto, lucros para cartórios? E os empresários com ligações no governo, por que eles tem acesso ao juros subsidiado do BNDES e isenções dadas por decreto presidencial? Recentemente, e de maneira escandalosa, por que um empresário ligado no governo teve acesso às mudanças na taxa de juros antes dos mercados?
Quando um governo tem poderes a conferir e categorias tem interesses a assegurar, mercados entram em cena. Acredite, eles são uma das melhores ferramentas contra a pobreza, mas como toda ferramenta, não são inerentemente bons, ou ruins. Se duas partes têm interesses mútuos, elas trocam. Somando isso ao ímpeto incontrolável de “garantir direitos” contido na constituição federal brasileira, temos um quadro em a qualquer grupo de interesse é prometido tantas reivindicações quanto conseguir enumerar. Esses “direitos” são, no fundo, aquilo que acometeu William Lee. Quem é marginalizado nesse processo de troca de favores é justamente quem sustenta essas regalias todas. É quem paga as cotas parlamentares e quem possibilita a generosa previdência do funcionalismo. No país da meia-entrada, quem paga o pato é quem paga a inteira.
A necessária agenda de reformas passa justamente por esses pontos. A limitação de poderes discricionários, regras uniformes, simples e cumpríveis. Fazer como qualquer país desenvolvido no mundo faz, tratar os iguais como iguais. Isso dói, são as convulsões do crescimento. Implica entender que se aposentar aos 55 e viver para lá dos 80 ganhando muito acima do que um trabalhador normal ganha é transferência de renda inversa – dos mais pobres para o funcionalismo -, que universidade não brota em árvore e que uma sociedade próspera é aquela que limita poderes, não a que distribui direitos.
O Brasil tem elites, não aquelas caricatas que não gostam de pobres em aviões, mas essas reais, que ao fim do dia vivem de extrair muito de todos nós.