Por Victor Aguiar* e Nicolas Powidayko
556 reais por uma corrida de Uber. Foi essa a situação com a qual algumas pessoas se depararam depois do show de fogos em algumas das maiores festas de Réveillon do país.
Apesar de todos os usuários terem sido informados previamente sobre os preços excepcionais, a revolta na internet foi inevitável (e internacional). A tempestade de críticas incluiu até mesmo comparações com o aumento de preço da água após o deslizamento da barragem de Mariana, uma das maiores tragédias ambientais da história brasileira. Geralmente retratado nas redes sociais como herói numa guerra contra o cartel dos taxistas, o Uber passou a ser o vilão ganancioso da vez.
Para entender por que o sistema de tarifa flexível do Uber – ou de qualquer outra empresa – é eficiente, precisamos falar sobre incentivos: você gostaria de trabalhar no réveillon ganhando o mesmo que em um dia normal?
Da mesma forma que a bandeira 2 do táxi – apenas uma forma mais conservadora de flexibilização de preços -, a tarifa flutuante incentiva o motorista a sair de casa nos momentos em que muita gente quer pagar por uma corrida e poucos querem trabalhar oferecendo aquela corrida.
Numa noite de ano novo, não é difícil entender por que a esmagadora maioria dos motoristas prefere festejar com família e amigos, ao invés de trabalhar dirigindo para desconhecidos. Com o menor número de motoristas dispostos a sair de casa, o preço das corridas explodiu.
Com a tarifa flutuante e corridas mais caras nos horários de pico (provavelmente os mais próximos à meia noite), muitos motoristas que ficariam em casa preferem trabalhar. Essa estrutura é semelhante ao pagamento de horas extras, quando o trabalhador trabalha algumas horas em troca de um salário superior ao que normalmente é pago numa hora de trabalho “normal”. A combinação entre alta procura, usuários dispostos a pagar e disponibilidade reduzida também explica por que comprar uma passagem aérea para amanhã pode custar uma fortuna; ou por que a passagem fica mais barata quando o avião decola durante a madrugada, quando menos gente está disposta a voar.
O sistema de tarifa flexível serve justamente para ajustar oferta e demanda, incentivando motoristas a oferecerem o serviço quando muitos querem pagar por ele. Assim, quem tem uma maior disposição em pagar pelo serviço, opta por pagar um maior preço. Já aqueles que não estão dispostos a arcar com o valor ainda podem optar por outras formas de locomoção, como taxi, carona, ônibus, bicicleta, carro próprio ou simplesmente um Uber mais barato, que estará disponível assim que a a procura for reduzida. Se o preço estiver muito alto, basta não utilizar o serviço.
À medida que as demais pessoas também optam por outras formas de locomoção, o preço da tarifa vai diminuindo. Sendo o cliente devidamente informado do aumento do preço, não há nada de errado na cobrança de altos valores.
Então voltamos à pergunta inicial: você acha justo pagar 500 reais em uma corrida? Muita gente acha que não, mas isso implicaria em defender que o motorista do Uber tem o dever moral de deixar sua família na noite de ano novo e trabalhar pelo mesmo valor cobrado em horários normais.
O principal argumento contra a tarifa flexível é que os motoristas estão se aproveitando da situação, mas o oposto talvez fosse mais verdadeiro: abusivo seria não permitir que o preço flutuasse. A corrida ficou mais cara na virada do ano porque os custos de produzi-la também eram mais caros. Neste caso, o que aumentou foi o custo da hora de trabalho para o taxista, mais especificamente o custo de oportunidade em trabalhar, ou o custo de abandonar sua família durante uma data festiva importante.
Impedir que as corridas fiquem mais caras numa festa como essa, na prática, é impedir que o preço de um produto reflita os custos dele, uma postura tão irracional quanto exigir que uma Ferrari seja vendida pelo preço de um carro popular. A consequência, inclusive, seria a mesma: escassez. Se o preço é menor do que o custo, simplesmente não vale a pena produzir: a fábrica da Ferrari vai fechar e mais motoristas ficarão em casa.
O réveillon em Copacabana não é a tragédia de Mariana, e o mercado de transporte não é um monopólio. O cidadão não está refém do preço cobrado pelo Uber. Voltar para casa com conforto e pagando relativamente pouco pode ser bom, especialmente quando se está cansado após uma festa. Fugir do ônibus quando se está cansado (e bêbado, na maioria dos casos) pode ser muito bom, mas não é exatamente o que a maioria de nós considera como direito humano universal.