Imagine uma área do tamanho de 33 campos de futebol. Não dá pra dizer que é um terreno, é praticamente um bairro. Um bairro pobre, onde moram cerca de 20 mil pessoas*. Todas em suas casas, há pelo menos 30 anos – alguns até há 40. Esse bairro fica na divisa entre as cidades de Recife e Olinda, em Pernambuco. O nome da comunidade é sugestivo: Vila Esperança. E também há quem chame o bairro de Passarinho.

A Vila Esperança não costuma receber grandes volumes de investimentos públicos – nada que melhore significativamente a vida da comunidade -, mas a Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), uma empresa estatal, já gastou R$ 2 milhões com a construção de um reservatório de água por lá.

Pois bem. Uma pessoa jurídica intitulada Indústria e Comércio de Pré-moldados do Nordeste (convenhamos, é difícil chamar isso de empresa) reivindicou a posse de toda essa área na Justiça, alegando desejo de vender as terras. O juiz José Júnior Florentino, da 12ª Vara Cível, achou o pedido legítimo e estabeleceu um prazo de 60 dias para a reintegração de posse, limite que se encerra no dia 9 de novembro.

Até a Polícia Militar emitiu parecer ao juiz informando que o impacto social da ação seria enorme e possivelmente incontrolável. Segundo o jornalista Ivan Moraes Filho, o juiz retrucou ao parecer ameaçando prender o major por desobediência.

Em entrevista ao LeiaJá, a moradora Arleide Cláudio Gomes externou sua impossibilidade de acreditar na situação: “Se pedissem a reintegração enquanto só existiam barracos, era compreensível, mas agora, depois do nosso suor para construir as casas, não dá”.

Arleide Cláudio Gomes mostra como não se deve subestimar a sabedoria dos humildes e como sempre devemos questionar o poder das autoridades. Ela entende o princípio liberal da propriedade, talvez a maior conquista da civilização ocidental, de forma muito mais profunda que o meritíssimo.

Propriedade não é o que está num pedaço de papel mofado, amassado – ou quem sabe até forjado -, distante da realidade. Já dizia Drummond: os lírios não nascem das leis. Propriedade é aquilo que é próprio às pessoas. E um pedaço de terra se torna próprio a alguém quando esse alguém mistura o seu suor e o seu trabalho com a matéria. Quando dedicamos nosso tempo e misturamos nossa vida com o espaço.

Papeis mofados só têm validade sob a força do porrete, sob o fogo do revólver, sob o mando do poder. E esse poder só serve aos que são seus próximos, oprime os que não são seus.

No Brasil, a mente patrimonialista das autoridades mostra que sequer chegou ao século XVII, mas segue impondo seu arbítrio sobre os destinos de milhares de universos humanos no século XXI. Por isso devemos ser contra toda e qualquer iniciativa privada dos ricos que for contra a propriedade privada dos pobres.

O dia 9 de novembro se aproxima e cada dia aflige aos moradores como a quem vê um penhasco se aproximando pelo desmonte da areia. Até lá, a ONG Action Aid e a advogada Mariana Vidal, representante dos moradores, estão tentando reverter a decisão na justiça. E o Mercado Popular está na torcida, com todo apoio e solidariedade.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS:

*Não há precisão quanto ao número de famílias atingidas pela decisão judicial. Algumas estimativas chegam a até 25 mil pessoas.

Veja também uma reportagem sobre o caso produzida pela TV Jornal, emissora local do Recife:

 

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