Introdução

Os mais recentes debates sobre regulamentação de profissões estão na exigência ou não do diploma na profissão de jornalista e na recente aprovação da regulamentação da profissão de design (publicitários e arquitetos não poderão mais ser designers).

Essas medidas reativam um debate mais amplo: será que devemos regular as profissões? Argumenta-se que com a regulamentação, haverá proteção do trabalhador, a valorização do trabalho, a valorização da área de atuação e a melhoria na qualidade dos serviços. É claro que eu também gostaria que os trabalhadores sejam protegidos, o trabalho valorizado, as profissões e áreas profissionais reconhecidas e que a qualidade das qualificações aumentem cada vez mais. Entretanto, regulamentar não parece o caminho. Pelo contrário.

A regulação das profissões é um dos sintomas mais perversos do capitalismo corporativista em que vivemos. Regular uma profissão nada mais é do que um grupo específico de indivíduos munidos de um diploma universitário, ou portadores de determinados conhecimentos aferidos a  partir de uma prova, pedindo ao Estado que ninguém mais, além deles, possa exercer determinada atividade. Essa medida é autoritária e elitista.

Autoritária porque o setor que deseja regulamentar a sua atividade quer criar reserva de mercado, ou seja, querem que eles – e mais ninguém – possam exercer a atividade que eles supostamente aprenderam a fazer, para que sempre tenham emprego e que o salário seja inflado artificialmente. Elitista porque impede a ascensão social de classes menos favorecidas através de trabalho (aprendizado na prática), auto-didatismo, dentre outras possibilidades.

Regular profissões é limitar a capacidade humana. É burocratizar o processo de aprendizado. É restringir a capacidade intelectual e laboral do ser humano em caixinhas específicas determinadas por lei.

O que não defendo nesse artigo:
(1) não defendo que se acabem os diplomas ou as qualificações profissionais;
(2) não defendo que empregadores ou consumidores não tenham o direito de escolher alguém pelo diploma, por qualificações ou por pertencer a determinadas entidades de classe. Não é porque entendo que a exigência de diploma para trabalhar não deve ser imposto por lei que acho que o diploma seja algo ruim. Não o é. É razoável e legítimo que empregadores exijam diploma para quem eles querem contratar. Ilegítimo é o contrário: o empregador que empregar alguém, o trabalhador quer aceitar o trabalho e ter um terceiro falando: “Nops”.

Proteger o trabalhador?

O argumento de que a regulamentação protege os profissionais de determinada área é problemático em duas esferas: sua efetividade, e a própria honestidade do argumento.

O problema com a efetividade é que dificilmente essas regulações de fato protegem o trabalhador num sentido mais amplo. Claro que se você considerar ‘proteção’ o fato de salários mais altos e menos competidores às vagas de quem já está estabelecido na profissão, de fato pode ser uma proteção. Mas como dito anteriormente, isso é autoritário. E gera comportamentos perversos como entidades de classe não apenas querendo regulamentar e delimitar aquilo que só eles podem fazer, como também defendendo políticas restritivas para que novos profissionais da mesma área ou de áreas afins venham a entrar nesse mercado, para que não se aumente a oferta. Ou seja, pode até ser melhor para quem já está dentro, mas impede novos profissionais, normalmente mais jovens, mais pobres e com menos experiência, de entrar e se destacar naquele mercado.

E justamente daí vem a honestidade do argumento: será que o objetivo é de fato de defender o trabalhador da área ou criar reserva de mercado? A defesa dos trabalhadores é crucial. O poder da corporação ou da empresa é muito grande perante ao indivíduo, de forma desproporcional. Portanto, sindicatos e demais entidades de classe são necessárias e importantes para fazer esse papel.

Entretanto, se fossem bem intencionadas, essas organizações tentariam buscar no mercado, na academia e em demais setores da sociedade todos os indivíduos que querem ou estão exercendo a atividade que essa entidade busca representar e mostrar que está do seu lado, invés de simplesmente excluí-los e só proteger os coleguinhas com diploma. Em muitas áreas, os próprios funcionários rejeitam boa parte das investidas de seus sindicato. Por isso, deve haver também uma livre associação sindical, ou seja, invés de ter um sindicato oficial outorgado pelo Estado, vários sindicatos de uma mesma classe poderem existir e o trabalhador deveria escolher, de forma voluntária, se filiar àquele que defende melhor aquela seus pontos de vista, mas isso é um papo para outro texto.

Valorização do trabalho?

Outro argumento utilizado pelas entidades de classe que defendem regulamentação de profissões é o de que a área deles está ou pode ser inundada por profissionais desqualificados que cobram preços abaixo do que o real trabalho vale. A primeira objeção a esse ponto é o fato de existirem tabelas ou preços definidos a priori, e os outros profissionais verem com maus olhos aqueles que oferecem preços mais baixos do que o trabalho “vale”. Cada um sabe quanto vale aquelas horas que se perde fazendo determinado trabalho e precifica isso de acordo com a sua própria avaliação (podendo, perfeitamente, perguntar a profissionais mais experientes e analisar os preços do mercado para isso, mas nunca de forma impositiva).

Entretanto, o efeito da regulação pode ser exatamente o inverso da valorização do trabalho. Se há um mercado que já não valoriza o serviço oferecido, obrigá-lo a pagar um preço ainda maior (que é o efeito da regulamentação) não irá mudar sua opinião. Muito pelo contrário pode forçar o cliente a procurar por serviços no mercado informal, piorando a primeira impressão que um cliente tem com a área específica. A melhor forma de valorizar a profissão não é pela lei, mas através do resultado do trabalho. Mostrar à sociedade, ao Estado e ao mercado que criações feitas por bons profissionais são de maior qualidade, vendem melhor, valorizam a organização ou são feitos de forma mais eficiente e ecológica.

Valorização da área?

Outro argumento a favor de quem defende a regulamentação das profissões é de que a área como um todo será valorizada. A qualidade dos produtos ou serviços realizados será ampliada. O nível de ensino da determinada área vai melhorar.

Entretanto: pelo contrário. A regulamentação reduz a competição no setor. Menos competição significa que menos pessoas vão poder praticar a atividade livremente. Como em qualquer mercado uma concorrência menor reduz a qualidade dos produtos/serviços e aumenta os preços. Como essa redução na competição foi artificial, criada na canetada, a formação de um mercado informal é previsível. Esses trabalhadores informais vão ter muito menos proteção de direitos do que se não houvesse a regulamentação da profissão, além de que esse mercado informal auxilia a desvalorizaração ainda maior da área.

E se você disser “mas nós vamos combater com força esse mercado informal”, isso pode ter a consequência de: repressão a indivíduos pacíficos querendo trabalhar, desemprego e fortalecimento das grandes corporações. Afinal, se a falta de concorrência faz os preços subirem, e não há mercado informal para que, quem não tem grana pague menores preços, você impede que indivíduos ou organizações de menor poder aquisitivo possam se utilizar do produto ou serviço específico. Entretanto, indivíduos ricos e grandes corporações vão ter como bancar isso e vão aumentar ainda mais seu poder, afinal seus concorrentes não vão ter acesso às mesmas coisas.

Mas… se não proteger vai acabar

Esse argumento é visto em profissões em estágio terminal. Seja pelo fim do interesse da sociedade naquela profissão, seja pelo avanço tecnológico, seja porque antes uma profissão mais ampla se dividiu em várias áreas menores, ou por qualquer outra razão. Parte desse argumento é compreensível devido a inflexibilidade do nosso sistema educacional.

É tenso entrar num curso universitário de uma determinada área e saber que se você sair aquela profissão que você passou 4 anos aprendendo talvez não exista mais ou esteja extremamente desvalorizada. Mas, nesses casos, regulamentar não é o caminho. Pelo contrário, lutar pela desregulamentação permite que você utilize os conhecimentos desse curso, aliado a outros conhecimentos e possa exercer e enriquecer com seu diferencial outras profissões.

Entretanto a luta maior seria a de mudar o sistema educacional inflexível do ensino brasileiro. O MEC exige que os cursos universitários necessariamente formem profissões. Tanto é que quer desmantelar o curso de Comunicação Social para transformar Jornalismo, Publicidade, Cinema, como novos cursos. Afinal, “Comunicador Social” não é profissão, já “jornalista”, “publicitário”, “cineasta”, ” são. Esse erro vai na contra-mão da tendência internacional de criar graduações genéricas e especializações de menor duração em várias áreas, para responder ao mercado e até à academia do século XXI que estão em constante mudança. Há previsões que mostram que 70% das crianças de hoje estarão empregadas em profissões que ainda não existem. De forma mais palpável é só ver que quem entrou para jornalismo há 10 anos nem imaginava que uma profissão possível seria social media.

Mas se não regulamentar eu não vou poder fazer concurso na área ou participar de licitações!

Esse argumento de fato faz sentido. Os profissionais das mais diversas áreas devem ter o direito de lutar para que o governo reconheça que as suas áreas existem, são importantes, necessárias, até cruciais para um contrato ou contratação pública.

Quando o estado presta um serviço para a população gratuitamente (pago pelos impostos de todos), ele tem legitimamente o direito de escolher quais qualificações profissionais ele quer que a pessoa tenha para prestar esse serviço e quais ele não quer, assim como um empregador privado ou até mesmo o empreendedor individual.

Portanto, se o Estado faz licitação para trabalhos de arte gráfica e pede que quem as faça tenha diploma de Publicidade ou Arquitetura, é legítimo aos profissionais de Design lutarem/exigirem que o Estado os reconheça como legítimos realizadores dessa tarefa. De mesma forma, o Estado pode escolher que aqueles que trabalharão para agências públicas de notícias e/ou assessorias de imprensa de órgãos públicos tenham de ter diploma de Jornalista ou apenas que façam provas ou mandem portfólio que comprove a capacidade. Enfim, decidir esse tipo de questão é válido e democrático perante a classe e à toda sociedade.

Lutas para o reconhecimento de profissões e profissionais aos olhos do estado são legítimas e eu as apoio. O problema é estender e forçar essas regras para as pessoas que não estão pedindo para serem reguladas.

Não concordei com nada que você escreveu

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Argumento Super-Trunfo

Sua vez

E você? O que acha? Discorda? Concorda? Acha que tem áreas que são do jeito que eu falei no post mas tem outras que precisam de regulamentação? Quais e por quê?

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