O Brasil parou para acompanhar o julgamento do processo da chapa Dilma-Temer no TSE.

Vimos que um dos personagens principais do caso foi o Direito Processual Civil, mais especificamente quanto a quais fatos e provas o Tribunal poderia conhecer para julgar. O juridiquês envolvido dificultou a compreensão de muita gente sobre esse ponto que foi o mais discutido no processo. Esse texto propõe explicar para um público que não seja do direito esse ponto do julgamento.

O art. 493 do Código de Processo Civil foi um dos mais citados pelos ministros. Ele estabelece que

“Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão.”

Parágrafo único.  Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir.

 

Assim, a defesa da chapa afirmou que o processo se referia tão somente às ilegalidades vindas de relações exclusivas com a Petrobrás e, dessa forma, qualquer fato ou elemento novo que aparecesse no processo não deveria ser discutido naquele momento. Caso isso acontecesse, haveria ofensa ao princípio do contraditório, que, basicamente, significa que as partes precisam ter a oportunidade de se defender. Em outras palavras, quando o processo começa, a defesa se prepara apenas para contrapor os fatos narrados inicialmente.

Porém, dizer que os fatos da chamada “fase Odebrecht” não poderiam ser levados em consideração não é a melhor interpretação para o caso, já que, nas ações eleitorais, o foco é saber se houve violação aos princípios democráticos que regem as eleições.

A violação das regras das eleições, traduzida no abuso de poder político e econômico, trata-se de um gênero, que encontra nesses fatos, originariamente relatados e posteriormente encontrados, seu respaldo a fim de sustentar a decisão do tribunal.

A doutrina processual no tocante ao tema reforça esse entendimento, conforme é possível extrair da lição do grande doutrinador Guiseppe Chiovenda:

“A proibição de mudar no curso da lide a causa petendi não exclui o direito de valer-se de uma causa superveniens, desde que seja a mesma causa afirmada em princípio como existente; pois uma coisa é a afirmação duma causa petendi (que se deve ter em conta no princípio do litígio), outra é a sua subsistência efetiva (que se deve ter em conta no encerramento da discussão).[1]

Obviamente que o surgimento de outros fatos que demonstravam haver mais violações às eleições tinha a função da chamada subsistência efetiva apontada pelo clássico processualista.

Na mesma esteira, o professor Barbosa Moreira assevera que:

Não há alteração da causa petendi, nem portanto necessidade de observar essas restrições, quando o autor, sem modificar a substância do fato ou do conjunto probatório de fato narrado, naquilo que bastaria para produzir o efeito jurídico pretendido:

  1. se limita a reformular a narração de circunstâncias acidentais, suprimindo, acrescentando ou modificando alguma […];
  2. passa a atribuir ao fato ou conjunto de fatos qualificação jurídica diferente da originariamente atribuída […];
  3. invoca em seu favor norma jurídica diversa da primitivamente invocada, desde que o efeito jurídico atribuído à incidência da nova norma sobre o fato ou o conjunto de fatos seja idêntico ao efeito jurídico atribuído na inicial à incidência da norma primitivamente invocada […]”[2]

É preciso, neste momento, uma análise do art. 493, que, segundo Moacyr Amaral Santos, define dois requisitos para o juiz levar em consideração quando da apreciação de um fato novo legítimo: “1.º, que tenham ocorrido depois da propositura da ação; 2.º, que influam no julgamento da lide, isto é, que a lei material diga que o fato novo constituiu, modificou ou extinguiu o direito controvertido”.[3]

O ministro Fux também já refletiu sobre o tema, em seu livro sobre a Teoria Geral do Processo Civil, quando afirmou que:

A causa petendi ostenta, ainda, a função de limitar o juiz, que não pode acolher o pedido por motivo diverso daquele que foi articulado; vale dizer: o juiz, ao sentenciar, não pode fundamentar o decisum em causa não articulada pelo demandante, ainda que por ela seja possível acolher o pedido do autor. Trata-se de decorrência do dever de o juiz “decidir a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte”. Outrossim, a vedação aplica-se não só ao autor, mas, também ao réu, de sorte que o juiz não pode conhecer matérias que seriam favoráveis ao demandado mas que dependem da sua iniciativa.

[…]

Nesse mesmo sentido deve ser interpretado o disposto no art. 493 do CPC, que, na verdade, não autoriza a mudança da causa de pedir, mas antes impõe que o juiz leve em consideração, por ocasião da sentença, a causa alegada inicialmente, porém somente verificada supervenientemente no curso do processo.

Trago, ainda, um julgado, dentre vários, do Superior Tribunal de Justiça apontando o mesmo sentido de se conceder maior força de influência aos fatos novos:

PROCESSUAL CIVIL. ALEGAÇÃO DE OCORRÊNCIA DE FATO SUPERVENIENTE. ART. 462 DO CPC. CONSIDERAÇÃO DE OFÍCIO OU A REQUERIMENTO DA PARTE, AINDA QUE EM GRAU RECURSAL.

  1. O fato superveniente de que trata o artigo 462 do CPC deve ser tomado em consideração no momento do julgamento, ainda que em sede recursal, a fim de evitar decisões contraditórias e prestigiar os princípios da economia processual e da segurança jurídica (cf. EDcl no AgRg nos EDcl no REsp 621.179/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe 05/02/2015; REsp 1461382/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe 13/10/2014).
  2. Agravo regimental não provido[4].

Conclusão

Assim, observamos que, por qualquer ângulo, o país perdeu uma chance grande de aplicar um entendimento maciçamente defendido na doutrina e jurisprudência, para possibilitar uma instrução melhor num processo de tamanho impacto nacional. Afinal, os novos fatos encontrados no curso da instrução do processo davam maior fundamento àquilo que já havia sido apontado no início: que houve infração às regras eleitorais nas eleições de 2014.

 

Referências

[1] CHIOVENDA, Guiseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução de Paolo Capitanio. Com anotações de enrico Tullio Liebman. Campinas: 1998, v. 1, p. 435

[2] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O Novo Processo Civil Brasileiro, 29ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 18

[3] Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, v. 3, p. 24

[4] AgRg no AREsp 775018/BA, relator Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 27/10/2015

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