Eu sou professor de Direito processual civil e, a cada novo semestre, a cada início de curso, após me apresentar, essa é a 1ª pergunta que faço aos alunos, e as respostas são as mais variadas. Selecionei as principais razões apresentadas por alunos de graduação, pós-graduação, mestrado e concurseiros para comentar. Talvez, uma ou todas as razões já passaram em algum momento pela cabeça dos operadores de Direito do país, como também já passaram pela minha.

Primeiramente, um passo atrás: o que é processo e o que é esse tal Código de Processo Civil?

A nossa Constituição, em seu artigo 5º, estabelece que, para resolvermos os nossos conflitos de maneira não consensual, precisamos pedir ao Estado que atue para dizer quem tem razão. Para chegar a essa conclusão, é preciso que regras estabelecidas previamente sejam obedecidas por ele e pelas partes em discussão. Esse conjunto de atos, regras e princípios é o que chamamos de processo. O processo é uma garantia do indivíduo frente ao Estado para que não sofra abuso de sua força. Trata-se do princípios muito caros a um Estado Democrático de Direito, sendo assegurado durante o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

Por sua vez, o Código de Processo Civil é exatamente essa lei complexa que prevê princípios e regras de atuação do Estado e das partes para que a discussão seja resolvida e, também, para que seja legitimada a atuação estatal quando invadir a esfera de liberdade e o patrimônio do indivíduo que perder o processo. Assim, vale apontar que esse Código (NCPC) não se confunde com o Código Civil, que é direcionado aos indivíduos, com a previsão de diversos direitos ditos materiais, por exemplo, identidade, indenizações e sucessões, como também estabelece regras gerais de contratação, como de compra e venda, aluguel e transporte. Para melhor compreensão, se um direito previsto no Código Civil for violado, é por intermédio do Código de Processo Civil que obteremos nossa reparação por meio do do Estado.

Passados os esclarecimentos, voltemos à pergunta: por que foi necessário um NCPC?

As principais respostas são: (i) celeridade / efetividade e (ii) segurança jurídica. Entretanto, essas são respostas que somente identificam problemas que não guardam relação com a lei em si, mas sim com comportamentos de todos que atuam de alguma maneira no processo. Nesse momento, poderia vir um contra-argumento para dizer que a lei molda a atividade do homem. Será?

Esse assunto é muito polêmico e nos reserva uma série de desdobramentos que seriam impossíveis de tratar nesse breve texto, porém eu vou partilhar algumas incongruências e inquietações que podem também ajudá-los a compreender esse nosso estranho e tão presente NCPC.

É intuitivo que os processos no país demorem mais do que precisariam, e não raro temos notícias de processos durando décadas. Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que esta preocupação não é recente e também não é exclusividade brasileira. Tanto é assim que a Corte Europeia de Direitos Humanos já tratou do tema diversas vezes, considerando a duração razoável do processo um direito fundamental[1]. Afinal, “Justiça retardada é Justiça denegada”.

Desta maneira, é preciso entender como o tempo influencia no desenvolvimento do processo. Um dado importantíssimo para essa discussão é que mais de 80% do tempo de duração do processo é com ele completamente parado, sem qualquer movimentação.

Nesse cenário, os prazos estabelecidos em lei para a prática dos atos processuais são, ao meu modo de ver, completamente irrelevantes, porque o tempo de demora entre um ato e outro é incomparavelmente maior. O comum é apresentarmos um pedido ao magistrado hoje e este chegar a ele após dois meses, sendo que esses prazos de manifestação são de 5, 10 ou 15 dias.

E por que isso acontece?

Mesmo numa situação em que funcionários do judiciário tenham muitos incentivos para trabalhar mais e melhor, temos um problema de número. O país conta com nada menos que mais de 100 milhões de processos (e crescendo!), conforme dados expostos pela Associação de Magistrados Brasileiros. Quando levamos em consideração os 206 milhões de habitantes do país, concluímos que existe mais de um processo para cada brasileiro, já que um litígio se faz com duas partes no mínimo (autor e réu).

Isso resultou numa grande crise do judiciário, que tem muita demanda e quadro de funcionários insuficientes para atender. Esse panorama ocorre, basicamente, pelo fato de a nossa constituição prometer tudo e, nas palavras do ministro Barroso, “só não traz a pessoa amada em três dias”. Uma Constituição que promete que o Estado dará tudo e também abre as portas do Judiciário para toda a sociedade, joga uma carga imensa de responsabilidade para o Judiciário, que, como o restante dos outros poderes, passa a “enxugar gelo”.

Isso está traduzido em números de litigantes, onde encontramos o Estado, por meio de sua administração pública direta e indireta, no topo e sendo responsável por mais da metade dos litígios judiciais do país. Aí fica a pergunta: o NCPC vai diminuir esse fluxo?

A resposta é infalivelmente negativa. O novo diploma processual trouxe mecanismos de contenção e combate da consequência, mas a causa continua sem tratamento, qual seja, o tamanho do estado. Assim, a celeridade e o nosso desejo de ter uma resposta rápida e real (efetividade) do Judiciário não passam de mera ilusão.

Outro grande problema identificado é que processos iguais, muitas vezes, ganham decisões diferentes pelo judiciário, o que gera insegurança no âmbito econômico, inclusive. Que empresa vai investir num lugar em que não se pode prever minimamente seus custos com ações judiciais possíveis? O resultado é a insegurança jurídica, fazendo o Brasil ocupar o nada honroso 130º lugar no ranking de segurança jurídica elaborado pelo Banco Mundial.

O NCPC possui muitos institutos em vários dispositivos para diminuir essas contradições do sistema que violam o princípio da igualdade e trazem consequências nefastas para nossa economia, todavia, se os tribunais não entenderem seu papel, de nada adiantará.

Como já salientado, não é porque está na lei que haverá cumprimento no mundo dos fatos. Vou dar um exemplo prático: o NCPC prevê que os prazos processuais serão contados somente em dias úteis. Assim, se o advogado tem 10 dias para se manifestar, começando na segunda, ele tem até a sexta-feira da semana seguinte para fazê-lo. Entretanto, o CNJ estabeleceu que essa regra não se aplica aos juizados especiais (conhecidos popularmente como juizado das “pequenas causas”), porque atentaria contra o princípio da celeridade. O problema aqui é que a técnica jurídica não permite esse tipo de posicionamento. Explico rapidamente: é preciso ter uma lei que diga como se deve contar prazo e, no processo civil, só temos o NCPC para estabelecer isso. A que rege os juizados especiais não tem uma linha sobre isso.

Por conseguinte, temos uma invenção arbitrária para não se aplicar aquilo que deveria moldar o comportamento das pessoas. E, mesmo na prática, essa diferença de contagem somente se daria ao final do processo, além do outro fator já exposto de ser irrelevante esse modo de contagem perto do tempo em que ele ficou parado.

Portanto, as primeiras respostas sobre a necessidade de uma nova legislação não cuidam de resolver os questionamentos subsequentes, haja vista que a inovação legislativa, além de não combater a real origem do verdadeiro problema, não vem, de fato, sendo cumprida integralmente pelos operadores do direito.

Dessa forma, fica muito claro que uma lei nova acompanhada de muitas promessas – de políticos e juristas – no sentido de haver uma diminuição imediata na duração do processo e maior unidade do sistema, sozinha, não fará mudança alguma.

Em verdade, o NCPC traz diversos mecanismos que poderão facilitar a fase final do problema, diminuindo maiores prejuízos, o que é realmente louvável e muito bom, mas não podemos nos iludir e achar que está aqui a nossa salvação, porque é na prevenção que devemos focar. E essa ideia de prevenção passa pela origem, que é o ponto de partida de tudo: a nossa Constituição.

[1] GUINCHARD, Serge et alii. Droit processuel – Droit commun et droit comparé du procès équitable. 5ª ed. Paris: Dalloz, 2009. p.1016. Neste sentido, merece menção o importante posicionamento adotado pela Corte Europeia de Direitos Humanos, no denominado caso Hornsby vs. Grécia, julgado em 19/03/1997, no qual se entendeu que o direito à execução dos julgamentos é uma das garantias do processo justo, cuja falta acarretaria na existência de um acesso à justiça meramente abstrato, teórico.

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