Todo mundo ficou de olho no julgamento do Habeas Corpus de Lula no STF. Este Mercado vai explicar em poucas linhas o que aconteceu, traduzindo o juridiquês.
Como todo mundo sabe, Lula foi julgado culpado por Sérgio Moro; depois, recorreu à segunda instância – o TRF-4 -, onde também perdeu. Esse fato fez incidir uma decisão do STF de 2016, considerando constitucionalmente legítimo o cumprimento provisório da pena após condenação em 2ª instância. Aí reside a grande questão de fundo.
Historicamente, o STF tinha um posicionamento firme de que era possível ao réu cumprir a pena privativa de liberdade após a prisão em 2ª instância, tal como ocorreu com Lula. Esse entendimento se manteve até meados da década de 90. Conforme a composição da Corte foi mudando, as decisões foram tomando outra forma até que chegou o momento em que o Tribunal ficou dividido, como está hoje em dia novamente.
Além do Plenário, onde estão todos os ministros, o STF tem duas turmas menores – cada uma com 5 ministros – e elas adotavam posicionamento diferente sobre a questão da prisão em segunda instância. Para que o tribunal não adotasse duas interpretações distintas da Constituição, o assunto foi pautado no plenário. Isso ocorreu julgamento do Habeas Corpus 84.078, com relatoria do ex-ministro Eros Grau. A decisão, em 2009, unificou o entendimento do tribunal: só seria possível cumprir a pena quando esgotassem os recursos.
Não é verdade que o STF se posicionou pela primeira vez sobre tema, assim como não é verdade que a prisão em segunda instância só foi aceita a partir dos casos da Lava Jato.
Em 2016, a questão foi revisitada, como frequentemente ocorre no Supremo. Os ministros voltaram a entender que a execução provisória da pena a partir da 2ª instância não viola a Constituição. Isso ocorreu no julgamento do HC 126.292, de relatoria do falecido ministro Teori Zavascki e, posteriormente, no julgamento de uma medida cautelar nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44.
O curioso nessas duas ADC’s é que, embora o Tribunal tenha se posicionado num sentido, agora os ministros se encaminham para mudar novamente de posição quando houver o julgamento definitivo.[2]
A questão não é fácil, há bons argumentos para ambos os lados e que o STF, de tempos em tempos, muda de entendimento, conforme vai alterando sua composição. Nem foi inédito o entendimento aplicado a Lula, nem seria inédito se o entendimento beneficiasse o ex-presidente.
Hora de fechar o parêntese e voltar para o julgamento de Lula na semana passada.
Para não ir preso, após a decisão do TRF-4 condenando-o a 12 anos de prisão, Lula impetrou um habeas corpus no STJ e perdeu. Não se dando por vencido, impetrou um novo habeas corpus, agora no STF, e o resultado foi o que vimos: por 6 a 5, os ministros entenderam que Lula já poderia ser preso.
O habeas corpus é uma ação que serve para acabar com abusos de uma autoridade que violam o direito de liberdade de alguém. Lula alega que ser preso sem o trânsito em julgado do processo seria um abuso e, portanto, entrou com o HC para recorrer dessa condenação em liberdade.
Duas mudanças ocorreram com relação ao julgamento de 2016, quando se decidiu sobre a possibilidade de cumprimento da pena em segunda instância. Gilmar Mendes, antes favorável à prisão em segunda instância, mudou de opinião. Já a ministra Rosa Weber, que defendia a prisão apenas após o esgotamento dos recursos, entendeu que haveria abuso numa prisão Lula.
Apesar de deixar claro que, na sua interpretação, a Constituição não permite que o réu seja preso após decisão em 2ª instância, Rosa reconheceu a constitucionalidade da prisão. Como o STF já tinha decidido que prisões seriam legítimas naquele caso, Rosa entendeu que a prisão de Lula não seria abusiva, mesmo discordando da questão de fundo. Daí veio toda a celeuma com relação ao voto da ministra.
Em outras palavras: se o STF diz que pode prender, não é possível sustentar que a prisão seria abusiva.
Ainda está pendente o julgamento definitivo sobre a prisão após a condenação em 2ª instância, pauta das ADC’s 43 e 44. Ao que tudo indica, a Corte vai modificar seu posicionamento novamente. O fato é que muita coisa ainda pode acontecer no caso Lula. Enquanto isso, a gente vai acompanhando e tentando traduzir para vocês.
[1] “Quando da análise da causa, no entanto, observei que a jurisprudência desta Suprema Corte de Justiça, em sua nova composição, não é uniforme sobre o tema.
[…]
Desse modo, Sr. Presidente, tendo em consideração a relevância do tema e a nova composição desta nossa Casa de Justiça, entendo recomendável seja o presente feito encaminhado ao Plenário da Corte para que seja dada solução definitiva à controvérsia”.
[2] O ministro Marco Aurélio no julgamento do HC do Lula fez essa afirmação diversas vezes no plenário.