Muito se discute sobre corrupção no país da Lava Jato, mas o grande problema brasileiro não é a desonestidade de um ou outro político em especial. Denúncias recentes indicam que a má práticarecentemente prosperou em escala nunca antes vista na história deste país, mas  a corrupção brasileira é sistêmica: nossas instituições reproduziram produziram e reproduziram corrupção em toda a história nacional.
Para ajudar a esclarecer o debate sobre o tema, este Mercado Popular transcreveu e traduziu uma palestra de Milton Friedman, vencedor do Prêmio Nobel e economista mais influente das últimas décadas. O recado de Friedman é simples: como em quase tudo na vida, incentivos importam.

Por Milton Friedman

Há uma lei econômica fundamental, que até onde sabemos nunca foi refutada. Ela diz: “se você paga mais por alguma coisa, tenderá a ter mais desta coisa disponível”. Em outras palavras: se o valor que você está disposto a pagar por algo aumenta, você está incentivando alguém a fornecer mais disto. Neste sentido, com o aumento da burocracia, regulação e economia centralizada o governo tem cada vez mais criado incentivos para um comportamento imoral.

Temos feito o comportamento imoral bem mais rentável. No curso das mudanças em nossa sociedade, os governos têm estabelecido maiores incentivos para que as pessoas se comportem de forma que a maioria de nós considera imoral.

Reino Unido: de uma nação de contrabandistas a um país onde se respeita a lei

Para melhor ilustrar, tomemos o exemplo da Grã-Bretanha do século XVIII.

No século XVIII, a Grã-Bretanha era considerada uma nação de contrabandistas, de piratas, de forasteiros, de pessoas que não respeitavam a lei. No começo do século XX, por outro lado, a Grã-Bretanha obteve a reputação de ser um dos países que mais obedece à lei no mundo, com funcionários públicos incorruptíveis. Era então lugar comum: você não poderia subornar um funcionário público na Grã-Bretanha com a mesma facilidade que na Itália ou mesmo nos Estados Unidos.

Como o Reino Unido se converteu de uma nação de contrabandistas, sem respeito às leis, em uma nação de pessoas obedientes à lei? Bastante simples. Pela política de laissez-faire adotada no século XIX, que fez com que não houvesse leis pra burlar. Se você tinha um livre mercado completo, como você teve após a abolição das Corn Laws, não haveria mais contrabando.

Contrabando transformou-se em um termo sem sentido uma vez que os indivíduos eram livres para comercializar o que bem quisessem ao país. Ainda que quisesse, um cidadão não poderia ser contrabandista. Se você não precisa de um alvará para começar um negócio, se não precisa de uma licença para abrir uma fábrica, por que então subornaria um funcionário público? Os funcionários públicos se tornaram incorruptíveis porque não havia motivo para suborná-los.

É claro, como se fala nas aulas de antropologia, há um lag cultural entre as mudanças jurídico-econômicas e os padrões de comportamento da sociedade. Esses padrões de conduta, uma vez desenvolvidos, duram por algum tempo. Mas, da mesma forma como as mudanças não são imediatas, tampouco durarão para sempre. Nas últimas décadas, à medida que a Grã-Bretanha passou a uma economia mais controlada e centralizada, a reputação dos britânicos quanto a obediência às leis vem gradativamente desaparecendo.

No Reino Unido, ao meio do século XIX, viu-se repetidos escândalos com ministros, membros do parlamento, funcionários público envolvidos com suborno e corrupção. Por quê? Porque se estebeleceu um incentivo: tem-se mais leis para burlar agora.

corrupcao

É bem mais simples do que se parece. Quando as únicas leis são aquelas que todos consideram como corretas e válidas, elas tem uma grande força moral. Quando se tem leis que as pessoas separadamente não consideram como corretas e válidas, elas perdem sua força moral.

Poucas pessoas considerariam imoral dirigir mais rápido ou violar as regulações de comércio exteruir de um país estrangeiro. São pessoas que jamais pensaram em em roubar um centavo sequer de seu vizinho  – mas que também não hesitariam em manipular sua declaração de imposto de renda para que possam reduzir suas taxas em mil reais. Por quê? Porque enquanto um conjunto de leis tem um valor moral que as pessoas reconhecem, independente do governo ter aprovado essas leis, o outro conjunto de leis não apela ao instinto moral das pessoas.

Estados Unidos: lei seca e cigarros

Tomemos agora o exemplo dos Estados Unidos. A proibição do álcool durante a Lei Seca, teve efeitos desastrosos no ambiente de cumprimento das leis e moralidade. O que era considerado legal para comprar e beber, como certas bebidas alcóolicas, tornou-se ilegal. O efeito? Cidadãos cumpridores da lei se converteram em contrabandistas.

Um caso emblemático é o do contrabando de cigarro entre estados americanos. O imposto sobre cigarros no estado de Nova Iorque é muito maior que o da Carolina do Sul. Tonou-se, então, cada vez mais comum o contrabando de cigarros da Carolina do Sul para Nova Iorque, forjando-se selos de impostos e então vendendo-os ao público. Pois então, uma grande parte de todos os cigarros vendidos no estado de Nova York são contrabandeados.

Se você fornece um incentivo para as pessoas burlarem as leis, então há uma tendência que elas burlem as leis. É como a proibição do álcool em uma forma diferente. A resposta óbvia é para o estado de Nova York diminuir seus impostos, o que eliminaria o contrabando. E, tão importante quanto, liberaria os gastos com a repressão ao contrabando e permitiria dispensar os servidores públicos para o exercício de um trabalho útil.

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